É quase impossível pensar que o Brasil conseguiu, em menos de dois anos, destruir todo um esforço de construção de uma identidade de nação democrática perante ao mundo, graças a uma aventura de sua elite, quê, se associando à uma proposta política conservadora e macabra, abriu a porteira para toda sorte de desmandos e desrespeitos à constituição e a destruição de suas mais importantes instituições políticas.
Desde a a queda do regime militar, constituído no Golpe de 1964, o país não assistia tantas afrontas ao estado democrático de direito como nos dias de hoje.
Com a soberania em xeque, face a fraqueza do governo eleito em 2018, o país caminha interna e externamente para uma convulsão sem precedentes, graças à política de autodestruição promovida pelo Governo de Jair Bolsonaro.
Todos os dias, nos últimos dezesseis meses, medidas e estratégias políticas, que nascem no submundo, que se transformou o Palácio do Planalto, fortalecem as teorias de que o país navega como uma nau incendiada, sendo que o fogo é alimentado pelo próprio capitão.
As decisões equivocadas em pastas estratégicas como as de Meio Ambiente, Justiça, Saúde, Educação, Economia, Agricultura e Direitos Humanos, transformaram o país, que já foi uma vedete em ascensão no campo da diplomacia no novo pária perante a opinião internacional. É um cenário de perdas sobre perdas e mais de 40 mil covas rasas espalhadas por todas as regiões do país.
Além de todos os equívocos, na adoção de políticas internas, principalmente, na implantação de um sistema que garanta o enfrentamento da pandemia da Covid-19, preservando vidas e dando oxigênio para a economia, combalida pelo efeito da quarentena no setor produtivo, ainda temos que assistir aos posicionamentos desordenados do chanceler Ernesto Araújo, principal articulador das políticas externas do governo Bolsonaro.
Numa entrevista ao jornalista Matheus Leitão, publicada na Revista Veja, o diplomata e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Ricupero, defendeu abertamente o afastamento constitucional de Bolsonaro, afirmando que o presidente é a maior ameaça a resposta do Brasil ao covid-19, numa concordância com um estudo publicado pela revista The Lancet , um dos mais conceituados veículos de comunicação científica do mundo.
E o que se lê, nas publicações internacionais sobre o tema, está sendo visto na prática, mesmo com a tentativa do Ministério da Saúde, que enfrenta uma pandemia, sem um ministro titular, de subtrair os números de mortos e contaminados pelo covid-19, a curva no Brasil está em franca ascendência, ao contrário de países que adotaram políticas sanitárias integradas no combate à pandemia.
Países como Argentina, Uruguai, Paraguai, vizinhos do Brasil já demonstram preocupação com o que está acontecendo por aqui, e, até mesmo, os Estados Unidos, amigo de primeira hora de Bolsonaro, já determinaram medidas restritivas a brasileiros e a outros cidadãos do mundo que tentem entrar em solo americano via Brasil. Donald Trump, que tanto inspirou Jair Bolsonaro já não quer sua presença nas fotos.
Na percepção de Rubens Ricupero, o Brasil pode se tornar um pária e deve ser, em breve, o epicentro da pandemia, obrigando os países a adotarem medidas de quarentena contra o Brasil. E para justificar esse temor, ele cita estudos e publicações internacionais, como os produzidos pela Imperial College de Londres, que mostram que o Brasil, entre 48 países, é o que tem a maior taxa de infecção do novo corona vírus.
Enquanto escrevo esse artigo, ouço no noticiário da televisão, ligada na sala, que os países do bloco Europeu também devem divulgar uma série de restrições aos brasileiros e ao Brasil nas próximas semanas.
Não tem para onde fugir. O peso das decisões ou indecisões do governo brasileiro, como era de se esperar, vai cair no colo de todos os brasileiros – ricos e pobres – pois já existem murmúrios de quebra de protocolos comerciais com países que compõe os blocos do Mercosul , da União Europeia, além da China.
Pandemia a parte, outros números produzidos pelo governo Bolsonaro e, consequentemente, pelo Brasil, também chamam a atenção dos organismos internacionais, principalmente, os ligados aos direitos humanos.
Um relatório do IEP – Instituto pela Economia e Paz, da Austrália revela outros indicadores preocupantes sobre o Brasil. Entre 163 nações avaliadas no Índice Global da Paz , divulgado em 2020, o Brasil ocupa a posição 126 o que demonstra uma queda de dez posições no ranking. A avaliação, que leva em conta, mortes violentas e conflitos armados, dessa vez, levou em consideração as polarizações políticas, o que contribuiu mais decisivamente para a queda.
O estudo foi publicado no início da segunda semana de junho, e revela que, de uma forma geral, o mundo se tornou menos pacífico e a tendência é que haja um agravamento dos conflitos, devido às tensões geradas pelas crises políticas e econômicas em decorrência da pandemia da Covid-19. O documento faz ainda um alerta sobre o impacto da pandemia na cadeia de produção de alimentos e das economias em desenvolvimento não conseguirem se recuperar de uma recessão, principalmente, por causa do aumento da instabilidade política em vários pontos do planeta.
Enquanto os analistas econômicos fazem projeções sobre o futuro da economia no mundo, pós pandemia, e fazem previsões de perdas do PIB, em torno de 3% para 2021, no Brasil, essa perda pode ser três vezes maior, ficando em torno de 9%, segundo alguns analistas. O que torna ainda mais sensível a situação do país dentro do cenário global, pois além das perdas econômicas, o Brasil caminha para uma perda muito maior por causa da inoperância do governo.
Além da possibilidade de nos tornarmos párias perante outras nações, estamos num galopar sem freios para a perda do diálogo interno, o quê, num cenário mais otimista, pode nos levar a uma crise social sem precedentes e uma ameaça não muito distante de uma convulsão social. O recrudescimento da crise institucional, capitaneada por Bolsonaro e sua política bipolar , é o maior fator de risco para a nossa economia e para a democracia. Ou se pisa no freio agora e tenta colocar a locomotiva nos trilhos ou é certo o descarrilamento.