Por Caroline Oliveira/Brasil de Fato
Na França, um gerente instalou uma câmera no vestiário feminino e gravou as funcionárias trocando de roupa
A rede estadunidense de lanchonetes McDonald’s está no centro de uma denúncia envolvendo assédio sexual e discriminação racial em sete países onde a empresa vende fast-food. A queixa será apresentada por sindicatos de todo o mundo ao governo da Holanda, no âmbito do Dutch National Contact Point (NCP), que é responsável por observar a prática das diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em empresas multinacionais.
Jamelia Fairley, que trabalhou no McDonald’s por quatro anos, diz ser uma das sobreviventes da empresa. Na primeira vez, comentários sexuais explícitos lhe foram feitos. Na segunda, os comentários foram dirigidos diretamente à sua filha que, na época, tinha apenas um ano de idade. “Ambos os homens tiveram comportamentos nojentos diversas vezes”, relembra a ex-funcionária da empresa.
Hoje, ela se dedica a denunciar os casos de violência. “Agora eu sou uma líder desse movimento global. Eu tenho introduzido sobreviventes femininas de todo que tiveram lidar, no ambiente de trabalho, com o assédio sexual, no McDonald’s. Mas nós somos fortes e juntas temos voz.”
Para ela, “é inaceitável que uma das maiores empresas empregadoras do mundo aceite a violência de gênero. O McDonald’s insiste em negar proteção aos seus trabalhadores”, conclui Fairley.
Para os denunciantes, a rede de fast-food viola diretrizes da OCDE conhecidas como “due diligence corporativa”, que prevêem, por exemplo, a proteção dos funcionários contra violências no trabalho. É a primeira vez que as diretrizes da OCDE são utilizadas para acusar uma empresa de violência sexual e discriminação racial.
Nos Estados Unidos, trabalhadores de 16 anos acusaram superiores de condutas sexuais não consensuais como tentativas de estupro. De acordo com as vítimas, algumas chegaram a ser punidas quando tentaram denunciar os casos à empresa. Na França, um gerente da rede de fast-food instalou uma câmera no vestiário feminino e gravou as funcionárias trocando de roupa.
Até o momento, o Ministério Público do Trabalho brasileiro recebeu 23 queixas de assédios moral e sexual e discriminação racial contra a empresa. “Trata-se de um alarmante e inaceitável padrão de assédio sexual e racial nos restaurantes McDonald’s no Brasil, que agora sabemos que ocorre também em várias outras partes do mundo”, afirma Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), entidade brasileira que também assina a denúncia.
Para ele, “uma das questões que nos deixa muito preocupados é que a maior parte dessas pessoas são trabalhadoras muito simples, algumas menores de idade, menores aprendizes, pessoas de famílias muito simples, e que muitas vezes se submetem a uma situação tão vexatória e grave como essa porque muitas vezes não têm o que comer em suas casas”, afirma Patah.
Segundo Sue Longley, secretária geral da União Internacional de Trabalhadores de Alimentação, também assinante da denúncia, “os trabalhadores do McDonald’s estão em alerta por conta de casos de assédio sexual e violência de gênero que ocorrem há anos, mas a cultura contaminada da empresa desde o topo impediu a tomada de medidas para resolver o problema”.
Para ela, é “triste, no século XXI, ainda ter de lidar com esses problemas de assédio sexual. Esse é um dos trabalhos mais difíceis que eu tenho, o de escutar as vítimas de assédio sexual, escutar suas histórias frequentemente. É de cortar o coração”, afirmou em coletiva de imprensa nesta segunda-feira (18).
De acordo com o texto da denúncia, “os funcionários estão apresentando queixas de violência e assédio baseadas em gênero contra os gerentes do McDonald há décadas. (…) Mas os casos se aceleraram nos últimos anos, pois a empresa falhou em implementar políticas que impedissem esse abuso”.
A denúncia também envolve dois bancos de investimentos que têm um total de US$ 1,7 bilhão em ações do McDonald’s: a APG Asset Management, na Holanda, e Norges Bank, na Noruega. De acordo com as diretrizes da OCDE, são exigidas dos investidores as medidas necessárias para garantir investimentos responsáveis. Isso significa que os sistemas internos dos bancos deveriam alertar para os casos de assédio no fast-food.
Assinam o documento a União Internacional de Trabalhadores da Alimentação, a Federação Europeia de Sindicatos da Alimentação, Agricultura e Turismo, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) e o Sindicato Internacional de Trabalhadores em Serviços (SEIU, dos Estados Unidos e Canadá).
Por que na Holanda?
A denúncia foi oferecida na Holanda porque o país é o centro dos negócios do McDonald’s, tanto na Europa quanto em outros países, o que envolve setores de financiamento, relações com franqueados, imóveis, serviços comerciais, logística, entre outros no território. Além do país ser a sede de um dos bancos investidores da empresa.
Os denunciantes acreditam também que denunciar os casos nos nos Estados Unidos, país sede da empresa, seja mais difícil, uma vez que a administração estadunidense insiste fugir de responsabilidade pelos abusos no local de trabalho. Para ilustrar esse cenário, a denúncia lembra a acusação de assédio sexual contra o ex-CEO do McDonald’s Steve Easterbrook, em 2019, que resultou em sua demissão, mas que mesmo assim apresentou ganhos de US$ 42 milhões.
Todos os países das OCDE possuem um Dutch National Contact Point (NCP) que servem como pontos de mediação de conflitos que envolvem as diretrizes da organização. Ao receber a denúncia, o NPC deve decidir se recebe a denúncia dentro de três meses.
A denúncia na OCDE, no entanto, não tem caráter legal, o que deve ocorrer individualmente em cada país, como ocorre no Brasil com as 23 denúncias no Ministério Público. Patah afirma que com a denúncia na organização internacional, primeiro se busca o diálogo para a solução da questão. “Nós não temos interesse de colocar o McDonald’s como réu e essas questões em um formato que seja simplesmente para buscar punir a empresa de uma forma dura. Lógico, o problema grave e merece. mas nós precisamos sempre priorizar o diálogo”, conclui Patah.