O chamado da Ágora dos habitantes da Terra para uma ação urgente e duas propostas de ação.

Três flagelos devastadores se abatem sobre a humanidade:

  • A pandemia de Covid-19 (pelo menos 233.000 mortes em quatro meses). A explosão e a disseminação do novo coronavírus estão, de acordo com quase todos os cientistas, intimamente ligadas, entre outras coisas, à devastação ambiental das últimas décadas e à deterioração das condições de higiene e saúde na maioria dos países do mundo;
  • O desastre climático e ambiental, devido, entre outras coisas, ao desmatamento e degradação da terra, perda de biodiversidade, poluição do ar e da água (a pegada ecológica nos diz que, em agosto de 2019, já “consumimos” a reserva de vida renovável do planeta para todo o ano);
  • A fome e a sede: 7,9 milhões de crianças menores de 5 anos morreram em 2018 por doenças devidas, entre outras coisas, à falta de acesso à água potável. Em um mundo que em 2019 se proclamava “rico”, com seu PIB mundial estimado em cerca de 80 trilhões de dólares, quase um bilhão de pessoas tem fome, 2,1 bilhões de pessoas não conhecem água potável e 4,2 bilhões não sabem o que é um banheiro.

O mundo inaceitável

As dramáticas condições em que 1 bilhão de pessoas (1 em cada 8 pessoas no mundo) vive em favelas insalubres, inseguras e socialmente violentas. Assim como os 175 milhões de adultos desempregados (a maioria jovens) e os 850 milhões de trabalhadores pobres (que ganham menos de US$ 2 por dia) indicam que a desigualdade e a negação de direitos humanos para bilhões de pessoas são produtos concretos de nossas sociedades, nossas economias. Eles demonstram o fracasso do sistema que prevalece, do seu “crescimento econômico”, do seu “desenvolvimento humano”, da sua lógica de guerra.

Nem a guerra nem a pobreza são inevitáveis

Segundo o SIPRI, em 2019 os governos do mundo gastaram mais de US$ 1,91 trilhão em armas (60% dos quais foram gastos apenas pelos Estados Unidos), ou seja, mais de US$ 5 bilhões por dia. Para atacar, matar, ficar mais forte, não salvar vidas, não proteger o meio ambiente, não proteger a Terra.

Ninguém nasce pobre por destino ou por acaso. Hoje, mais de 90% da humanidade têm que se contentar com menos de 10% dos bens do mundo, porque a economia dominante, governada pelos princípios da sociedade capitalista, mercantilizou, privatizou, desregulou, liberou, financeirizou todas as formas de vida material e imaterial em benefício dos mais fortes, conquistadores, forças dominantes; enquanto a vida e viver com dignidade, liberdade e justiça pertencem a todos.

O mundo deve mudar

Temos que mudar o sistema agora, atacando suas raízes.

Não podemos obedecer ao imperativo do crescimento econômico, que é forçar os habitantes da Terra a emergir rapidamente de seu confinamento e entrar na segunda fase de “administrar a pandemia”, “viver com o vírus”. Não podemos assumir o risco de saúde e morte – embora com certas precauções – para retornar ao trabalho e colocar em operação a máquina econômica de produção e consumo, sem modificar nenhum dos princípios básicos e mecanismos essenciais do sistema que falhou.

Não acreditamos que seja prudente e justo retornar ao trabalho escravo, que humilha e exclui, voltar a ser um comprador e consumidor irresponsável, passivo e massivo; ganhar dinheiro desumanizador que reduz tudo, inclusive os seres humanos, a mercadoria para ser rentável.

Primeira Proposta de Ação

Atuar contra a desigualdade e a exclusão que geram a fome e da sede

Por uma nova regulamentação do trabalho e sua economia

DECLAREMOS A POBREZA ILEGAL, UM PRODUTO DE TRABALHO ESCRAVO PARA OS IMPERATIVOS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO DESIGUAL E PREDADOR DA VIDA A SERVIÇO DOS INTERESSES E DA VIDA LUXUOSA DOS PODEROSOS.

Propomos que nos recusemos a ficar presos nas “cadeias de valor” de nossas fábricas, fazendas, lojas, escritórios, escolas, universidades, hospitais, esportes etc. Não devemos voltar aos locais de predação e roubo da vida do passado, operando em nome do PIB (mesmo que seja verde, azul, circular, digital …) e do retorno do investimento (rentismo).

Precisamos de novas normas trabalhistas como condição para “voltarmos ao trabalho”. Entre elas, deve-se priorizar atividades econômicas focadas na salvaguarda e promoção de bens e serviços comuns públicos de interesse fundamental para a vida, começando com um grande programa global sobre a água e os serviços públicos de fornecimento de água como força motriz da mudança da estrutura econômica e social, da saúde, agricultura, alimentação, habitação, renovação urbana, economia ambiental, terra, transporte público e outros bens comuns naturais e culturais.

Os protocolos de retorno ao trabalho não devem se limitar a medidas de precaução em saúde. O trabalho deve ser libertado de formas excludentes de propriedade e gestão, de atividades poluidoras, perigosas e prejudiciais à saúde e à segurança dos cidadãos e ao meio ambiente, como determinadas produções químicas, atividades de mineração, produção de armas, etc. O fluxo irracional de produtos através do comércio internacional deve ser reduzido. Há uma pressão crescente pela re-territorialização da produção, do consumo e da autogestão comunitários. Simplicidade e sobriedade no ato de consumir estão ganhando visibilidade. A globalização das últimas décadas deve ser abandonada. A economia global das próximas décadas não precisa do exército de habilidades e profissões dedicadas a fazer com que finanças especulativas, sonegação e refúgios fiscais funcionem e prosperem. Muitas das funções bancárias e de seguros terão que desaparecer.

Por outro lado, é necessário enriquecer o trabalho e estimular sua difusão nos campos da criatividade artística e cultural (não mercantilizada), da sociabilidade e da paz, valorizando o tempo compartilhado em comum. Finalmente, o trabalho deve ser sinônimo de igualdade de direitos, dignidade e liberdade.

Segunda proposta de ação

Agir em favor da ciência e da tecnologia a serviço da vida de todas e todos os habitantes da comunidade global de vida na Terra

CAMPANHA GLOBAL SOBRE O PROJETO, FABRICAÇÃO E USO DE UMA VACINA GLOBAL, COMUM, PÚBLICA E LIVRE CONTRA O COVID-19

A manipulação de organismos vivos para fins privados e lucrativos é imoral e inaceitável. Chegou a hora de construir uma sociedade (e uma economia) capaz de valorizar e promover o conhecimento (ciência) e sua aplicação (tecnologia) como um bem e serviço comum – res publica – sob a responsabilidade primária das comunidades humanas.

A vacina deve resultar da cooperação e solidariedade entre cientistas e os povos, e não de uma guerra competitiva entre rivais em busca do lucro e do poder. A humanidade não precisa de uma guerra de vacinas. Nada justifica que as futuras vacinas sejam de propriedade privada de empresas farmacêuticas por pelo menos 17 a 20 anos. Como é sabido, essas organizações estão claramente atuando no interesse dos proprietários de seu capital, produzindo e comercializando (por meio de subsídios e regulamentos públicos) medicamentos destinados principalmente a tratar pacientes que podem pagar o preço fixado pelas próprias empresas. O dinheiro continua a escravizar a saúde. Não é verdade que a ciência e a economia estejam a serviço do povo. Existem outros interesses que desconsideram a cidadania.

Por essas razões, a Rede Ágora das e dos Habitantes da Terra, ativa em diferentes países do mundo (da Argentina à Bélgica, Chile à França, Brasil aos Camarões, Quebec à Itália, Portugal, Alemanha, Índia …) propõe o lançamento de uma campanha transnacional destinada a adotar um protocolo global sobre uma patente pública comum para a vacina Covid-19.

“Ciência (e economia) para a saúde das e dos habitantes da Terra”.
Por uma vacina Covid-19 comum, pública e gratuita.

Por uma aliança de cidadãos transnacionais (planetários)

Propomos que a campanha seja concebida, planejada e liderada por uma rede global de associações, movimentos e instituições da sociedade civil. A rede será estabelecida durante o mês de maio para que o lançamento ocorra em junho de 2020. A multiplicidade e diversidade de iniciativas nesta área são fundamentais e desejáveis.

O objetivo indireto da campanha é impedir que a vacina Covid-19 seja outro ato de expropriação econômica, social e política da vida por poderes privados, com o apoio de autoridades públicas nacionais e internacionais. A ciência deve deixar de ser um instrumento usado principalmente a serviço da guerra, do poder e da desigualdade. O conhecimento é uma “res publica” (um bem público).

Este Manifesto é um convite a todas e todos que compartilham essas propostas para expressar seu apoio e adesão à campanha.

“Uma vacina comum, pública e gratuita contra o Covid-19 em todo o mundo”.

Agradecemos em solidariedade

Membros da Ágora das e dos Habitantes da Terra secretariat.audace@gmail.com

Primeiras assinaturas

Alain Adriaens (Belgium), Jean Paul Amadou Zigaou (Camerun), Marcos P. Arruda (Brazil), Guido Barbera (Italy), Marcelo Barros (Brazil), Fabián Bicciré (Argentina), Alberto Botto (Argentina), Jacques Brodeur (Québec), Bernard Cassen (France), Roberto Colombo (Italy), Alejandro Huala Canuman (Chile), Francesco Comina (Italy), Alain Dangoisse ((Belgium),Ina Darmstaedter (Germany), Armando Di Negri ((Brazil), Amadou Emanuel (Camerun), Anibal Faccendini (Argentina), Jorge Fandermole (Argentina), Alfio Foti and Emanuele Villa (Italy), Pierre Galand (Belgium), Philippe Giroul (Québec), Fatoumata Kane Ki-Zerbo (Sénégal – Burkina Faso). Felicien Illunga (DR Congo), Luis Infanti de la Mora (Chile), Miguel Lacabana (UK- Argentina)), Mady Ledant (Belgium ), Jorge Llonc (Argentina) , Gustavo Marini (Argentina), Eliane Mandine (France), Monastero del Bene Comune (Luca Cecchi, Paola Libanti, Silvano Nicoletto) (Italy), Maria Palatine (Germany) Alfonso Pecoraro Scanio (Italy), Riccardo Petrella (Italy), Jean-Yves Proulx (Québec), Roberto Savio (Italy), Roberto Musacchio (Italy), Anne Rondelet (Belgium), Bernard Tirtiaux (Belgium), Pietro Pizzuti (Belgium), Domenico Rizzuti (Italy), María Eugenia Schmuck (Argentina), Université du Bien Commun (Cristina Bertelli, Claire Dehove, Corinne Ducrey, Jean-Pascal Derumier, Annie Flexer, Gilles Yovan (France), Luiz Carlos Rena (Brazil), Philippe Veniel (France), José Vermandere (Belgium), Alejandro Vila (Argentina),

Brasil: André Lima; Claudio Vereza; Darlan Oliveira; Jonathan Félix; Júlia Rena; Roberto Malvezzi; Sarah Suzan; Terezinha Cravo; Wemerson Santos