Precisamos falar sobre as anomalias no cenário político brasileiro. E aqui, não me refiro somente  ao presidente da república, mas a todos os artistas e o roteiro que o conduziu ao principal cargo político do Brasil.  E essa saga começa na reeleição de Dilma Roussef em 2014. É impossível desassociar, o primeiro ato, do então senador Aécio Neves, na tribuna do Senado Federal, logo após ser deflagrada sua derrota nas urnas. O tom do discurso era de ódio e a sua principal tônica, a oposição intransigente.

E foi a intransigência da social democracia tucana que nos trouxe até aqui. Com seus bicos grandes e famintos, aliados de primeira mão dos “lavajatistas” e, quase sempre protegidos por Sérgio Moro e pelos  organismos de comunicação quê,  aos poucos foram atraindo mais atores para o roteiro que viria em 2016, interrompendo o mandato de Dilma Roussef, através de um golpe parlamentar e preparando um terreno fértil para a tomada do poder.

A partir daí o tom novelesco foi sendo construído com muito pastelão e jogo sujo. Michel Temer cumpriu seu papel e costurou um grande acordo nacional com o Supremo, com tudo.

Sérgio Moro, travestido de mocinho foi a mão da justiça que inviabilizou  a participação de Lula na eleição de 2018, passando por cima de todo saber jurídico com a anuência dos tribunais  em todas as instancias. Mas, o que a direita não sabia é que  o grande público, também tinha seus caprichos e se recusou a engolir o picolé de chuchu que ela apostava como o salvador da pátria. Geraldo Alckmin, candidato do PSDB, emporcalhado por escândalos de corrupção, ainda carregava a pecha de ladrão de merenda.

Fascistas

Sem saber para onde correr, a extrema direita fechou os olhos de vez para a democracia e à prática republicana e se associou ao discurso fascista de Bolsonaro, às milicias  e uma fábrica de robôs foi se montando através das fake news, contagiando todo o país com ódio e a intolerância.

Capitaneado por grandes empresários e associado ao poder das igrejas neo pentecostais e sua pauta moralista e, livre de Lula, trancafiado pelas mãos de  Moro, Bolsonaro chega, enfim, ao poder.

E muitos acreditaram que esse era o fim daquele roteiro  chamado o Grande Golpe, mas ninguém esperava que o bufão tinha lá seus delírios psicopáticos e pretendia tocar fogo na república.

E assim o fez, deixando na mão, milhões de viúvas e as saúvas devoradoras   aos cuidados da sua mal criada família. Zeroum, zerodois e zerotrês não perderam tempo e começaram a espalhar a pólvora por todo canto onde houvesse oposição à loucura do pai. Até o zeroquatro  quê,  até então, era figurante no processo, foi alçado pelo capitão ao papel de dom Juan do condomínio na Barra da Tijuca de onde partiu o comando para a execução da vereadora Mariele Franco.

A novela virou minissérie e a cada capítulo mais espanto e terror. A sujeira da família começou a vir à tona em cada episódio. Isso, sem contar a pandemia que tomou conta do mundo, deixando os brasileiros numa nau sem comando, assistindo passivamente a morte tombar milhares de pessoas.

Mas, por mais desumanos e grotescos que sejam os dramas, eis que as peças do tabuleiro começam a se mexer. E, na última semana veio a público, através de uma entrevista do empresário Paulo Marinho, ex- aliado de Bolsonaro, que, inclusive, cedeu sua casa na zona sul do Rio de Janeiro para ser o quartel general da campanha do capitão, a mais grave denuncia contra o clã Bolsonaro e, de quebra, colocou em xeque, a atuação da Policia Federal nas investigações revelando a atuação de seus membros no campo político partidário.

Agora a história é outra. Saem as mamadeiras de piroca, kit gay, e entra na trama a participação da Policia Federal, através de um de seus representantes que passou informações sigilosas sobre investigações que envolviam os filhos de Bolsonaro e, quê, diretamente influenciaram no resultados das eleições. A trama passa por uma reviravolta e não há cloroquina ou outros placebos que possam tirar a importância e a gravidade dessa revelação.

Detalhes

Todos os detalhes narrados pelo empresário à jornalista Mônica Bérgamo, no Jornal A Folha de São Paulo, mostram claramente que foi cometido um crime de conspiração e a Polícia Federal passa de investigadora a investigada.

Marinho,  suplente de Flávio, no senado, afirmou que o filho de Bolsonaro contou que recebeu informações sigilosas de um delegado da Policia Federal numa investigação que envolvia o assessor dele, Fabrício Queiroz.

O relato teria sido feito logo depois do primeiro turno das eleições gerais e revelou ainda que os integrantes da Superintendência  da PF no Rio de Janeiro iriam adiar a Operação Furna da Onça para não prejudicar Bolsonaro na disputa do segundo turno contra o PT. A trama revelada por Marinho vai ainda mais longe, pois os membros da PF teriam prestado uma espécie de serviço de consultoria a Flávio, orientando ele a demitir Fabrício Queiroz de seu gabinete na Alerj, o quanto antes. E, no dia 15 de outubro,  Queiroz e a filha dele, Nathalia, que era lotada no gabinete de Jair Bolsonaro, em Brasília foram exonerados. A operação da PF só foi deflagrada alguns dias depois do segundo turno das eleições que elegeram Jair, presidente do Brasil.

Paulo Marinho afirmou na entrevista que todo o contexto foi narrado para ele pelo próprio Flávio Bolsonaro numa reunião com advogados em sua casa, no Jardim Botânico,  até então, o principal QG da campanha bolsonarista.

Nesse capítulo, é bom lembrar que a midiática  Operação Furna da Onça, a cargo do braço da Lava Jato no Rio, nasceu de um relatório do  Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), numa outra investigação, batizada de Cadeia Velha, comandada por Alexandre Ramagem, o delegado escolhido por Bolsonaro para comandar a Diretoria da polícia federal e que foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal.

Essas operações da Policia Federal levaram empresários e políticos para a prisão, mas atuaram para proteger o clã Bolsonaro e é essa a pergunta que precisa de respostas – Por quê?

Nesse momento, o Brasil vive na incerteza e aos poucos vai se transformando no epicentro da pandemia do Covid-19 com milhares de mortos e sem uma politica sanitária clara de proteção à população, principalmente, os mais vulneráveis.

Na Câmara Federal estão mais de trinta pedidos de impeachment engavetados pelo presidente da casa, Rodrigo Maia. Não se sabe o que vai ser feito, pois as negociações com o chamado Centrão estão de vento em popa. O chamado baixo clero, debaixo das barbas da opinião pública, barganha cargos políticos em troca de se criar um  cinturão de proteção contra um eventual processo de afastamento de Bolsonaro. E o custo dessa proteção é, evidentemente, muito mais alto do que podemos imaginar. Os sangue sugas da república velha, criticados na campanha  presidencial de Bolsonaro, agora podem ser a salvação da lavoura que arde em chamas.

A república brasileira está na UTI. E o povo confinado em suas casas assistindo com medo e passivamente a máfia miliciana destruindo tudo o que encontra pela frente. Precisamos de oxigênio para as vítimas da Covid-19, mas precisamos também e, urgente, de um medicamento para manter viva a nossa democracia. Isso não é um bilhete é um pedido de socorro.