Por Marco Weissheimer/Sul21
A decisão do presidente Donald Trump de ordenar a morte do general Qasem Soleimani , comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária iraniana, representa o segundo maior erro estratégico que os Estados Unidos cometeram neste século, depois da invasão do Iraque em 2003. A ordem para assassinar o general iraniano deve ampliar o isolamento e a desconfiança que pairam sobre os EUA no Oriente Médio, além de poder alimentar uma escalada militar de conseqüências imprevisíveis. A avaliação é do professor Hugo Arend, Doutor em Sociologia pela PUC/RS, professor convidado do curso de pós graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor do espaço Ideias e Saberes.
Em entrevista ao Sul21, Arend avaliou algumas das possíveis implicações a partir do assassinato do general Soleimani, destacando que uma escalada militar entre EUA e Irã acabaria arrastando a Europa também, em função das cláusulas que regem a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e outros países como Síria, Rússia e China. Quanto à posição do Brasil diante deste cenário, o pesquisador diz que, pela primeira vez, nos últimos 30 anos, ela é irrelevante. “O Ministério das Relações Exteriores está nas mãos de uma pessoa que não sabe absolutamente nada a respeito do que está acontecendo no mundo. Hoje, na cúpula do Ministério, não temos recursos humanos capazes de lidar com essa crise. E também não temos nenhuma credibilidade junto aos europeus e aos árabes para ter alguma atuação relevante”, afirma.
– Quais os riscos de a atual situação evoluir para uma situação de conflito militar aberto entre Estados Unidos e Irã, envolvendo outros países também?
– Já sabemos que o Irã prometeu uma resposta à altura e acho que devemos esperar isso. Ainda vivemos uma incógnita a respeito dessa resposta. Penso que devemos ler essa ação dos Estados Unidos como o segundo maior erro estratégico que esse país comete no século. O primeiro foi a invasão do Iraque em 2003. Em função dela, os EUA perderam o Oriente Médio que lhe restava.
Ninguém mais confia nos Estados Unidos na região e a Rússia vem se apresentando como um parceiro mais adequado, não apenas na Síria, mas também em países como Líbano, Irã e Afeganistão. Os Estados Unidos estão isolados, apenas com seus dois aliados históricos, Arábia Saudita e Israel, que não tem relações diplomáticas entre si.
Também é bom não esquecer das tensões entre Estados Unidos e Turquia, que é membro da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a respeito dos curdos e do conflito que está em andamento. É improvável, mas a Turquia pode usar essa situação para exigir uma posição firme dos EUA em relação ao apoio que vêm dando aos curdos, caso queira usar suas bases em um futuro conflito com o Irã. E a perda do apoio dos EUA aos curdos aumenta a vitória da Síria sobre esse grupo e, por conseguinte, aumenta o poder da Síria, aliada do Irã. Os Estados precisarão resolver essa questão com a Turquia muito em breve.
A escalada do conflito não implica uma polarização Estados Unidos x Irã, mas sim Irã x OTAN. A Europa seria obrigada a entrar no conflito devido a cláusula quinta do Tratado. Ou seja, teríamos uma guerra entre Europa e Estados Unidos versus Irã, Síria, milícias do Iraque e um potencial apoio russo e chinês. O Irã é o primeiro país com Exército, Marinha e Força Aérea expressivos que os Estados Unidos e a Europa podem enfrentar desde a Guerra da Coréia. Nem os EUA nem os europeus enfrentaram nenhum país com forças militares efetivas desde aquele conflito. Um conflito nesta escala implicaria bilhões de dólares em perdas muito rapidamente. O cenário futuro é de muito perigo, mas ainda é um incógnita. Precisaremos aguardar as repostas do Irã para a ação americana.
– Que posição é possível esperar de Rússia e China nesta conjuntura?
– Acredito que esses dois países não devem se envolver militarmente caso um conflito direto entre Estados Unidos e Irã ocorra. Ambos já devem estar envolvidos na “turma do deixa disso” e nos esforços para minimizar a resposta do Irã. Russos e chineses já devem estar conversando com a Europa para minimizar as ações do iranianos e para garantir que o conflito não sofra uma escalada. Certamente o europeus também já devem estar em contato com setores do Exército e do Congresso dos Estados Unidos que se opõem a uma escalada deste conflito. Não tem como iniciar um conflito com o Irã da mesma forma que se iniciou o conflito com o Iraque, sem um plano de saída. Vencer uma guerra contra o Irã significaria o que mesmo? Acredito que muitos militares do alto escalão dos Estados Unidos e da OTAN, bem como membros do Congresso, devem estar envolvidos nestes esforços.
Caso o conflito ocorra, Rússia e China devem entrar com apoio logísitico e de inteligência para o lado iraniano e em alguns teatros desse conflito, onde não existam forças da OTAN em solo, devem contribuir militarmente, especialmente os russos, assim como aconteceu na guerra na Síria.
– Até o início da tarde desta sexta-feira o governo brasileiro ainda não havia se manifestado oficialmente sobre o episódio. Considerando que o presidente Jair Bolsonaro é um fã entusiasmado de Donald Trump, o que é possível esperar da posição brasileira?
– Pela primeira vez nos últimos 30 anos, desde a redemocratização praticamente, a posição do Brasil é irrelevante. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, o Brasil tem uma atuação mundial pífia, para dizer o mínimo e ser educado no adjetivo usado. O Ministério das Relações Exteriores está nas mãos de uma pessoa que não sabe absolutamente nada a respeito do que está acontecendo no mundo. Faltam adjetivos para qualificar o nosso atual ministro de Relações Exteriores. As credenciais que o Brasil construiu como mediador em defesa da resolução pacífica de conflitos poderão ser substituídas por um alinhamento irresponsável com os Estados Unidos.
Talvez as Forças Armadas limitem um alinhamento aberto e direto, fazendo com que o país se manifeste oficialmente como neutro ou algo assim. O fato é que, em termos internacionais, o Brasil não vai ter uma atuação relevante, como se poderia esperar de um Ministério de Relações Exteriores nas mãos de um Celso Lafer, de um Celso Amorim, de um Antonio Patriota ou de algum outro nome com essa envergadura diplomática que já tivemos. Hoje, na cúpula do Ministério, não temos recursos humanos capazes de lidar com essa crise. E também não temos nenhuma credibilidade junto aos europeus e aos árabes para ter alguma atuação relevante.