Por Catarina Barbosa/Brasil de Fato

Ano foi marcado pelo crime socioambiental de Brumadinho e pelas queimadas na Amazônia e no Pantanal

Jair Bolsonaro sempre deixou claro que a preservação do meio ambiente e as melhorias das condições de vida de camponeses, quilombolas e indígenas não seriam prioridade em sua gestão. Desde que tomou posse, em janeiro deste ano, foram registrados recordes de desmatamento e uma série de medidas alinhadas aos interesses da bancada ruralista.

Ainda em campanha, Bolsonaro mirou no que chamou de “indústria da multa” do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O capitão reformado disse também que não faria a homologação de terras indígenas e quilombolas e cogitou até fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura.

A ideia não deu certo, mas o presidente de extrema direita arrumou um jeito de colocar um ruralista na pasta do Meio Ambiente. Ricardo Salles é advogado e alvo de ações judiciais por improbidade administrativa, que culminaram na suspensão de seus direitos políticos por três anos.. Mesmo que o artigo 87 da Constituição Federal determine que os “ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos”, Bolsonaro manteve Salles no cargo, provando sua determinação em cumprir os interesses do agronegócio.

A primeira medida do ministro foi extinguir a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas. Salles disse à época que a secretaria havia se transformado em um ajuntamento de pessoas que “ficavam fazendo turismo internacional às custas do governo”, citando servidores que haviam viajado para a Polônia para participar da Conferência da ONU sobre Clima, a COP-25 – encontro anual dos países-membros, realizado a cada dezembro.

Lama

O primeiro grande crime ambiental registrado no período do governo Bolsonaro foi o rompimento da Barragem I do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro, deixando 248 pessoas mortas, 22 corpos soterrados e despejando 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração no Rio Paraopeba.

As 944 mil pessoas atingidas, que moram em 18 municípios atravessados pelo rio, tiveram suas vidas devastadas para sempre. A Vale, por sua vez, continua explorando o minério livremente na região.

Sabe-se que o crime de Brumadinho poderia ter sido evitado. O então superintendente do Ibama de Minas Gerais, Julio Cezar Dutra Grillo, ao participar de uma reunião extraordinária da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), em dezembro de 2018, disse que a barragem “não apresentava risco zero”. A reunião tratava da aprovação da licença para as operações da Mina de Córrego de Feijão. Grillo foi exonerado em 28 de fevereiro deste ano, com mais 21 superintendentes regionais do Ibama, sem motivo aparente.

Em abril, Salles mirou mais uma vez o Ibama, reduzindo em 24% os recursos do órgão. Com R$ 285 milhões destinados somente para as despesas da pasta, as fiscalizações contra o desmatamento ilegal foram praticamente extintas. Segundo dados do Observatório do Clima, as multas aplicadas pelo Ibama em 2019 são as menores em 15 anos.

Com o Ibama fragilizado, o contingenciamento seguiu para outras pastas ligadas ao meio ambiente. Em maio, foi a vez da Política Nacional sobre Mudança do Clima sofrer um corte de R$ 11,2 milhões, o equivalente a 95% do orçamento. Com isso, ficaram disponíveis R$ 500 mil para combater as mudanças climáticas durante todo o ano de 2019.

Mineração em Brumadinho. Foto Midia Ninja

Fogo

Em 2019, a Amazônia mais que nos sete anos anteriores. Fazendeiros ligados ao agronegócio foram os responsáveis pelo “dia do fogo”, em agosto deste ano. A série de queimadas orquestradas ao longo da BR-163, no sudoeste do Pará, geraram uma fumaça que chegou a ser vista em cidades como São Paulo, no sudeste do país.

Apoiados por Bolsonaro, os produtores anunciaram que a ideia era chamar a atenção do governo para dizer que “queriam trabalhar”. A informação foi divulgada pelo veículo local Folha do Progresso.

Os dados do desmatamento foram anunciados com preocupação pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), reconhecido mundialmente pela sua produção científica. Semanas antes do “dia do fogo”, o instituto divulgou um alerta. Bolsonaro não apenas disse que os dados do Inpe eram mentirosos, como também exonerou o presidente do órgão, Ricardo Galvão – considerado, pela revista britânica Nature, um dos 10 cientistas do ano.

Segundo dados do Inpe, foram mais de 90 mil focos de queimadas registrados no ano, uma alta de quase 30% em relação ao ano anterior.

O Pantanal também queimou acima da média – por ação do homem. Foram cerca de 1.730 km² devastados no Mato Grosso do Sul, só de 27 de outubro a 9 de novembro. A área devastada no mês passado é maior que a cidade de São Paulo (1.521 km²).

O avanço das queimadas ocorreu paralelamente a discursos agressivos de Bolsonaro contra Organizações Não Governamentais (ONG) brasileiras e estrangeiras que atuam na Amazônia.

Nesse contexto, foi encerrado o Fundo Amazônia, que financiava projetos de pesquisa essenciais para a fiscalização e combate ao desmatamento ilegal. O fim dos repasses se deu depois de Salles anunciar que usaria a verba para pagar indenizações a proprietários de terras em unidades de conservação. A proposta foi rechaçada pelos governos dos países doadores, o que colocou fim ao programa que nos últimos dez anos recebeu mais de R$ 3,1 bilhões em doações.

Guardiões do Litoral, Nordeste. Foto Matheus Morback/Mídia Ninja

Óleo

Os meses de outubro e novembro ficaram marcados pela inércia do governo Bolsonaro diante do óleo que se alastrava pelo litoral do nordeste brasileiro.

Salles tentou justificar a falta de assistência do Estado colocando a culpa em governos anteriores. O Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Justiça Federal em Sergipe que determinasse ao governo Bolsonaro a realização de uma reunião extraordinária para definir ações de proteção, recuperação e compensação dos danos sociais e ambientais, sob pena de multa de R$ 1 milhão por dia de atraso.

Por fim, foram voluntários os que realmente fizeram – ou tentaram – fazer a limpeza das praias. Entretanto, devido à alta toxicidade do óleo, muitas pessoas apresentaram ardência na pele (dermatite de contato), irritação nos olhos, náuseas e vômitos. O apoio prestado aos voluntários foi feito pelas prefeituras locais.

A COP-25, que poderia ser uma oportunidade para pactuar medidas de proteção ambiental em cooperação com outros países, terminou sem acordo. Salles, que foi ao encontro de mãos abanando, sem nenhuma proposta concreta, voltou ao menos com um troféu: o “Fóssil do Dia”, uma “homenagem às avessas” entregue aos países que mais contribuíram para as mudanças climáticas em 2019.

O ano termina com a MP da Regularização Fundiária – que, segundo especialistas, legitima a grilagem e contribui para a devastação da Amazônia – e com a perseguição a brigadistas em Alter do Chão (PA), acusados sem provas de provocar incêndios na floresta.

O artigo original pode ser visto aquí