Os direitos humanos têm por objetivo proteger todos os direitos fundamentais da humanidade. No último 10 de dezembro celebramos 71 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que foi adotada pela ONU, como uma resposta à amarga experiência da Segunda Guerra Mundial. Os 30 artigos na Declaração dos Direitos Humanos marcaram um progresso civilizatório, mas seus conceitos não fazem parte do entendimento de vários grupos que compõe a sociedade brasileira. A ausência de entendimento propaga desinformação, desqualificação e difamação daqueles que lutam por direitos humanos no país.
Basta ler os comentários das notícias postadas nas redes sociais, para reconhecer narrativas que associam a defesa dos direitos humanos ao aumento da violência e da criminalidade. Frases que incluem “direitos humanos para humanos direitos”, “bandido bom é bandido morto”, “onde estão os direitos humanos para as vítimas? ”, reforçam que os direitos não são para todos.
Tais narrativas representam um ostensivo combate aos direitos humanos, considerando-os como privilégios de alguns em detrimento ao sofrimento de outros. Os ativistas da causa são atacados com frequência, principalmente nos casos da defesa daqueles que cometeram delitos e crimes. Segundo relatório de 2018 da Anistia Internacional, o Brasil é o país das Américas onde mais se matam defensores dos direitos humanos. Narrativas que desqualificam a conquista histórica dos direitos humanos, a busca e a luta por um mundo mais humano contribuem para esse cenário.
O ponto central nesse tipo de narrativa não é a justiça, mas a vingança. “Olho por olho e o mundo acabará cego” foi a frase que Gandhi utilizou para frisar que os princípios de retaliação que incitam a vingança e a crueldade do ódio não produzem justiça. Causar a outra pessoa um mal parecido ou maior ao que ela produziu, não anula o que já aconteceu. A vingança não produz reparação. Compete aos órgãos da justiça condenar casos de conduta criminosa e conforme a DUDH declara “todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
Para o pensador argentino Silo, é necessária uma compreensão mais profunda para nos opormos a vingança, “quando conseguimos compreender que nosso inimigo é um ser que também viveu com esperanças e fracassos, um ser que teve bonitos momentos de plenitude e momentos de frustração e ressentimento, estaremos colocando um olhar humanizador sobre a pele da monstruosidade”.
Quando a narrativa da desqualificação dos direitos humanos entra em cena, abrem-se as portas para a barbárie, anula-se a possibilidade de compaixão, empatia e trato digno com pessoa humana. Abre-se espaço para vingança, para o ódio, para a difamação, para a ausência julgamento digno, para a tortura e o linchamento em praça pública. Instala-se a selvageria. Comparam-se dores, elegendo qual das mortes é a mais importante. Nos desumanizamos, porque o humano seria lamentar todas as mortes, respeitando as dores dos que ficam.
Todos nós perdemos com a narrativa contra os direitos humanos. Perdemos Marielle Franco, mulher, negra, mãe e socióloga e defensora dos direitos de mulheres negras, dos moradores de favelas e periferias do Rio de Janeiro. Perdemos o professor Sandro Cipriano Pereira, ativista da causa LGBT em Pernambuco. Perdemos diariamente policiais civis e militares que defendem os direitos da população. O futuro nos exige uma profunda reflexão e uma atuação permanente sobre o desafio da defesa da igualdade, da tolerância e da justiça social, pilares da Declaração Universal dos Direitos Humanos, para não abrirmos brechas para a barbárie.
Cristiane Prudenciano, mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP. Membro do NIP PUC/SP (Núcleo Inanna de Pesquisa) sobre teorias de gênero, sexualidades e diferenças. Pratica e difunde a meditação da Mensagem de Silo. Professora nos cursos de Administração, Direitos Humanos, Cultura de Paz e Não-Violência. Escreve para a Agência Pressenza.