Por Marco Weissheimer/Sul21
Resgatar histórias de alimentos ameaçados de extinção no Brasil, mostrando a vida das comunidades que vivem em torno do seu cultivo. Esse é o tema central da série documental “Sementes do Amanhã”, que está sendo exibida todas as terças, às 23h15min, no Canal Futura. Dirigida por Alan Mendonça, com apresentação de Nanda Barreto, a série visitou, ao longo de 10 meses, diversas comunidades tradicionais nas cinco regiões do país. Essa jornada resultou em 13 episódios que contam a história de alimentos como o Buriti, o Açaí, a Castanha da Amazônia, o Butiá, o Pinhão, o Umbu e a Baunilha do Cerrado, entre outros, bem como a vida de comunidades de extrativistas, pequenos agricultores, pescadores e pesquisadores que trabalham para evitar a extinção desses alimentos.
Em entrevista ao Sul21, Alan Mendonça fala sobre o aprendizado que resultou dessa jornada pelo interior do Brasil, em especial sobre a grave ameaça que paira sobre todos os biomas do país e suas populações tradicionais. “O que percebemos é que a ameaça aos biomas brasileiros é imensa. Isso afeta diretamente as comunidades que se estabeleceram nesses lugares há muito tempo, mantendo a sua cultura e tradição”. Para o diretor, todos os biomas brasileiros estão ameaçados de extinção. “Todos, sem exceção. E com o governo atual a situação se tornou particularmente crítica. Não existe nenhuma política de preservação ou de recuperação de áreas degradadas, por exemplo. Nada. Muito pelo contrário. O que existe é incentivo maciço ao agronegócio, às mineradoras, à extinção das reservas indígenas, à caça, à exploração da Amazônia para gado, soja e cana. É muito triste o que estamos presenciando”, alerta.
A série #SementesDoAmanhã será veiculada por 13 terças, sempre às 23h15min, no Canal Futura. Em novembro, as reprises são nas quartas, às 17h, e nas madrugadas de sextas, às 03h. Os episódios também podem ser vistos via internet, pelo futuraplay.org. Após a exibição de toda a série, todos os episódios ficarão disponíveis na página do Canal Futura.
–Como nasceu a ideia de produzir essa série sobre alimentos ameaçados de extinção no Brasil?
–A ideia da série não é nova. Na verdade, a gente costuma dizer que fazer audiovisual é sonhar a longo prazo, principalmente na realidade de produção nacional. Creio que foi em 2015 que a Lara Ely, jornalista e amiga de longa data, falou sobre o assunto dos alimentos que estavam desaparecendo, isso numa perspectiva mais gastronômica, relacionada às tradições e culturas alimentares. Na época, a gente sequer tinha a ideia de fazer uma série sobre o assunto. Tudo ainda era um pouco vago, indefinido. Porém, a ideia foi amadurecendo. Percebemos que havia potencial quando ligamos as ameaças aos biomas brasileiros e o trabalho de comunidades engajadas na preservação de várias espécies. Ali encontramos o eixo narrativo da série. Então, em 2016 houve um edital do canal Futura que se encaixava perfeitamente na proposta. Fomos selecionados em 2017, mas estávamos gravando uma série para o History Channel e então somente no ano passado, 2018, é que começamos a trabalhar na série Sementes.
–A série divide-se em 13 episódios, cada um dedicado a um alimento em particular. Como se deu a escolha pelos alimentos e pelas comunidades visitadas?
–Existem várias listas de espécies animais e vegetais que estão, em algum nível, ameaçadas de extinção. Para a definição dos alimentos da série foram consultadas as listas do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Ministério do Meio Ambiente, Slow Food Brasil, World Wide Fund for Nature (WWF), Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) e Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul.
Os alimentos que foram escolhidos deviam obrigatoriamente cobrir uma diversidade de biomas, regiões e culturas no país, isso de norte a sul. A gente queria mostrar um Brasil distante, escondido no tempo, que não está acessível aos espectadores. Claro, há biomas, como o Cerrado, onde a lista de espécies ameaçadas é imensa, e, portanto, é natural que a gente gravasse mais de um episódio lá. A mesma coisa a Amazônia. O mundo inteiro observa estarrecido a destruição da Amazônia atualmente, sem as devidas atenções do atual governo. Portanto, era crucial falar da Amazônia, relembrar mais uma vez que sem ela não há vida no planeta, e assim temos quatro episódios lá.
Por outro lado, a gente tinha que ter uma comunidade, uma cooperativa e/ou pessoas engajadas na preservação das espécies. Isso deu muito trabalho para encontrar. Não foi nada fácil. Sem contar que estamos falando de alimentos que se enquadram na economia de base extrativista, que respeita os ciclos da natureza. Então, um ano pode ter; outro, não. Isso causava muita pressão na nossa produção porque a gente tinha que montar um cronograma de gravação ao longo de um ano e tínhamos que ter os alimentos para mostrar. Um exemplo. A tainha está ameaçada de extinção. Os cardumes diminuem a cada ano. Fizemos contatos com várias comunidades de pescadores, mas a coisa não andava: não tinha peixe e a temporada de pesca estava terminando. Não teve jeito, fomos obrigados a mudar e colocar a castanha de baru no lugar.
Também tem o fato da comunicação. Na cidade todo mundo tem e-mail, celular, WhatsApp, etc. No meio da caatinga também se usa celular, mas olham uma vez por dia, às vezes ficam dias sem olhar; o ritmo é outro, não existe essa urgência de resolver tudo rápido como a gente faz aqui. Então, a gente teve que ter calma. Ligar uma vez. Esperar. Ligar de novo. Esperar. Até que acontecia. Foi uma grande experiência.
–Como definiria a realidade que encontraram ao longo da produção da série?
–O que percebemos é que a ameaça aos biomas brasileiros é imensa. Isso afeta diretamente as comunidades que se estabeleceram nesses lugares há muito tempo, mantendo a sua cultura e tradição. É preciso lembrar que a extinção das espécies não é um fenômeno novo na história do planeta. Contudo, o que presenciamos hoje é radicalmente diferente: pela primeira vez, um processo de extinção em massa é causado pelo homem, e num ritmo muito acelerado. Desde o início do século XX, por exemplo, 93% das variedades de alimentos foi extinta em pouco mais de 100 anos. No geral, este processo é uma face das alterações globais da biodiversidade que atinge a todos. É a nossa relação destrutiva com o planeta. Nós destruímos, somos uma espécie que destrói, e fazemos isso o tempo todo. Acreditamos que planeta tem força para se recuperar sozinho, mas essa força está acabando.
Quando um alimento desaparece, seja de origem animal ou vegetal, ele não leva consigo apenas seu sabor e valores nutricionais, mas leva sobretudo uma parte da biodiversidade, essencial a uma cadeia maior da vida e ao ecossistema no planeta. E leva também a sua tradição, um patrimônio imaterial da humanidade, que enriquece e define a cultura de uma sociedade, uma região ou etnia.
Mais do que nunca, nos tempos atuais a produção de alimentos, uma importante atividade econômica, terá de encontrar uma equação sustentável para satisfazer as mais básicas necessidades humanas e do meio ambiente. Esta é uma questão central, uma vez que a comida, tal como o ar que respiramos e a água que bebemos, é essencial à vida. Porém, quem vem primeiro? O ser humano ou a natureza? Será possível alimentar as próximas gerações e ao mesmo tempo preservar o meio ambiente? Como recuperar a biodiversidade diante da extinção de animais e plantas? Levamos adiante projetos que possam garantir melhorias sociais ou nos esforçamos para resguardar os recursos naturais? Essas foram questões que nos acompanharam ao longo de toda série.
Todos os biomas brasileiros estão ameaçados de extinção. Todos, sem exceção. E com o governo atual a situação se tornou particularmente crítica. Não existe nenhuma política de preservação ou de recuperação de áreas degradadas, por exemplo. Nada. Muito pelo contrário. O que existe é incentivo maciço ao agronegócio, às mineradoras, à extinção das reservas indígenas, à caça, à exploração da Amazônia para gado, soja e cana. É muito triste o que estamos presenciando. O Cerrado, por exemplo, está sendo destruído numa velocidade assustadora. Só para se ter ideia, a velocidade de desmatamento desse bioma é mais rápida que a da Amazônia. Só entre 2000 e 2014, a área destinada a plantar soja em estados como Bahia, Piauí e Maranhão cresceu 87%. Hoje, infelizmente, 50% da cobertura original do cerrado deu lugar a plantações. Isso é terrível. O Brasil corre o risco de se transformar numa espécie de deserto, onde a única paisagem seja plantações de soja ou campos para boi.
–Qual é, na tua opinião, o grau médio de conhecimento do brasileiro que vive em cidades, dessa riqueza alimentar e de práticas tradicionais?
–Não sei se tenho informações suficientes para responder com propriedade essa pergunta, mas vou tentar. Olha, eu creio que uma marca da era industrial é nos afastar dos processos de produção e suas etapas. Você simplesmente “não vê” como as coisas são feitas. Na cidade, não sabemos de onde vem o alimento, temos apenas uma vaga ideia da sua cadeia produtiva. Sabemos onde comprá-lo, quanto custa, a cor da embalagem, validade e só. Por outro lado, este Brasil que conhecemos durante as gravações da série nos levou a lugares distantes, de difícil acesso, muitas vezes levávamos dias para se chegar. E lá você conhece um outro mundo.
Na cidade você não sabe quanto trabalho dá para fazer o extrativismo no meio da floresta, no mangue ou na caatinga. São formas ancestrais de produção; é trabalho feito a mão, sem máquinas, tem que caminhar, acordar cedo, tomar chuva, sol. Mas tem um outro aspecto: essas pessoas que conhecemos são guardiões das florestas, dos rios, do cerrado e de tradições que se perdem no tempo. E na cidade ignoramos isso.
As comunidades tradicionais cumprem um papel essencial na preservação dos alimentos, na conservação da biodiversidade e no manejo dos recursos naturais. O conhecimento das comunidades locais, em harmonia com os ecossistemas que as rodeiam, oferece não apenas uma nova perspectiva de desenvolvimento sustentável, mas também valoriza a cadeia produtiva evitando a extinção dos alimentos, da cultura que os cercam e, sobretudo, reafirmando o compromisso com as futuras gerações através de uma perspectiva pedagógica.
–A exibição dos episódios será acessível em algum outro espaço além das exibições no Canal Futura?
–Os episódios da série também estão disponíveis para qualquer pessoa no Futura Play neste link: http://www.futuraplay.org/serie/sementes-do-amanha/