Por Rodrigo Gomes/RBA
Trabalhadores do sistema prisional dos Estados Unidos relatam inúmeros problemas no modelo e recomendam manter controle público
A privatização dos presídios vem sendo proposta pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), desde a campanha eleitoral. Como modelo, ele aponta o sistema prisional dos Estados Unidos, que há mais de 30 anos utiliza, em parte, esse modelo. Mas servidores públicos norte-americanos que atuam no sistema penitenciário vieram ao Brasil mostrar que o modelo é falho, não poupa recursos e não melhora a segurança. Eles participaram de audiência pública na Assembleia Legislativa paulista na manhã desta quarta-feira (13).
Elizabeth Parisian, pesquisadora da Federação Americana de Professores (AFT, na sigla em inglês), entidade que reúne servidores públicos de diversas áreas, é direta ao classificar o sistema como um fracasso. “O que aprendemos em 30 anos é que as empresas não economizam dinheiro e não aumentam a segurança. Elas simplesmente cortam serviços de reabilitação oferecidos aos presos, reduzem funcionários e cortam o atendimento de saúde e educação nos presídios”, afirmou.
Segundo ela, em média, os presos no sistema privatizado custam três vezes mais que os presos no sistema público. Além disso, o controle de casos de violência acaba sendo feito por agentes do Estado e muitos processos de detentos contra esses centros, por violações de direitos humanos, acabam onerando os governos, que são os responsáveis pelas concessões. “É um sistema totalmente ineficiente”, garantiu.
A pesquisadora também explicou como as empresas que detêm a gestão de presídios atuam para facilitar a prisão de pessoas por motivos cada vez mais banais, além de agirem para dificultar a progressão de pena e a saída dos detentos. Os presos de penitenciárias privatizadas ficam encarcerados, em média, três meses a mais que os do sistema estatal. “As empresas fazem lobby no Congresso e financiam campanhas. As duas maiores – CoreCivic e GEO Group – doaram 500 mil dólares à festa de posse do presidente Donald Trump. Meses depois ele implementou a mais dura política de punição a imigrantes da nossa história”, afirmou. As ações das duas empresas dobraram de valor no governo Trump, segundo Elizabeth.
Os presídios privatizados são responsáveis por cerca de 120 mil presos nos Estados Unidos. Eles estão presentes, também, em 75% dos Centros de Detenção de Imigrantes. Cerca de 4 mil empresas atuam direta ou indiretamente no sistema privatizado, tanto na gestão como fornecendo alimentação, cuidados de saúde e outros serviços. “Todas essas empresas buscam apenas lucro. O resultado é que têm mais fugas, maior índice de violência entre presos e contra funcionários, penas mais longas e maior reincidência”, concluiu Elizabeth.
A audiência pública foi convocada pelo deputado estadual Carlos Giannazi (Psol), que disse já ter ingressado com representação no Ministério Público contra a privatização dos presídios proposta pelo governador. “Doria não apresentou projeto de lei, o que impede a atuação do Legislativo. Ele partiu direto para o edital de concessão e nós estamos questionando a legalidade disso junto à OAB, Defensoria Pública e sindicatos de trabalhadores do sistema penitenciário”, explicou.
Proposta “imoral e inconstitucional”
Embora Doria afirme se pautar no modelo dos Estados Unidos, o Brasil já conta com algumas experiências de presídios privatizados. No Amazonas, em Minas Gerais, no Espírito Santo e no Maranhão há unidades sob gestão privada. Em todas elas há relatos de violações de direitos humanos, custo elevado, falta de fiscalização e, em alguns casos, massacres de presos. Foi o caso do Complexo Anísio Jobim (Compaj), no Amazonas, e do Complexo Prisional de Pedrinhas, no Maranhão.
Membro da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado Rafael Custódio destacou que a proposta de Doria esbarra em três problemas principais: “Não funcional, é imoral e é inconstitucional”. Ele participou de inspeções em presídios privatizados como os do Compaj, de Pedrinhas e o do Centro de Detenção Provisória da Serra, no Espírito Santo. E em todos os casos, a constatação é de que não há justificativa para a concessão dos presídios.
“Muitas dessas empresas sequer existiam meses antes da licitação das unidades. São apenas ajuntamento de interesses em nome do lucro. Em Pedrinhas, um funcionário relatou ter sido contratado para atuar na área administrativa, mas foi colocado para trabalhar junto aos presos. No de Serra, havia um controle absoluto sobre os presos, que ficavam 22 horas na cela. Isso é mais rígido que o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), a maior punição do sistema penitenciário”, relatou Custódio.
Além disso, o advogado afirmou que essa proposta é inconstitucional. “O poder de punir é claramente restrito ao Estado. Isso está definido na Constituição Federal. Não se pode concedê-lo a outro”, ressaltou. “Evidentemente, é preciso reformar o sistema penitenciário brasileiro. Mas deve se fazer isso pensando em reduzir o número de presos, ampliar o controle social. Do contrário, apenas vai se fortalecer as organizações criminosas, um sistema que não recupera ninguém e viola direitos”, concluiu.