Por Caroline Oliveira/Brasil de Fato
Baseado na Constituição, pedido contradiz intenção do governo federal de legalizar garimpo e mineração nos territórios
O Ministério Público Federal (MPF) solicitou o cancelamento imediato de processos que pedem a abertura de atividade minerária em 48 terras indígenas no Pará. À Agência Nacional de Mineração (ANM) foi solicitado que negue todos os processos em curso nessas áreas, assim como os que surgirem antes do estabelecimento de exigências legais para a autorização da atividade. Entre as condições, deve haver consentimento das comunidades.
Até o fim do ano, o governo deve encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta para regulamentação de mineração em terras indígenas. Até o momento, a legislação sobre o assunto é inexistente. Nesse cenário, a ANM abre os procedimentos minerários com base no Código de Mineração, que trata de áreas consideradas livres – ou seja, aquelas, por exemplo, que não estão destinadas à pesquisa –, mas não de terras indígenas.
Entre a ANM e os procuradores há divergências. Para a agência,a ausência de uma legislação regulamentadora não impede que os processos relacionados à abertura de atividade minerária sejam iniciados e colocados em espera. Por outro lado, o MPF acredita que isso contraria a Constituição Federal e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – a qual o Brasil é signatário –, que garante o direito das comunidades à consulta prévia, livre e informada.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos garante que a consulta deve ocorrer desde as primeiras etapas de planejamento da proposta, proporcionado aos grupos indígenas, no caso, a participação de todo o processo de abertura de atividade minerária.
“Mesmo que os procedimentos gerais do Código de Mineração fossem mantidos para a análise de pedidos relativos a terras indígenas, as normas hoje vigentes teriam que ser adaptadas ao estabelecido pela Constituição, tratando do direito à consulta livre, prévia e informada, à participação nos resultados da lavra e à reparação do dano ambiental”, complementa nota dos procuradores da República.
Garimpo ilegal
Os procuradores também citaram, na ação, o impacto político e ambiental de não respeitar todas as exigências. “Para além de estimular o lobby, o sobrestamento gera insegurança jurídica aos indígenas e transforma as terras indígenas em reservas minerárias”, abrindo espaço para garimpos ilegais.
No baixo Amazonas, por exemplo, foi encontrado um garimpo ilegal na zona de proteção integral da Terra Indígena Zo’é, noroeste do Pará. Uma investigação do MPF mostrou que a área explorada ilegalmente envolve quatro processos de abertura de atividade minerária. No ANM, os pedidos foram requeridos pelos autointitulados donos do garimpo.
“É certo que os processos minerários não produzem, por si sós, os danos socioambientais, mas integram um feixe de ‘documentos’ que conferem aparência de legalidade à atividade. Esses documentos são utilizados in loco para garantir a detenção sobre a área do garimpo, recrutar trabalhadores, contratar serviços e até mesmo ludibriar os indígenas”, relata nota do MPF.
De acordo como um levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA), solicitado pelo MPF, existem 2.266 processos minerários incidentes em terras indígenas apenas no Pará. Em outros seis estados da Amazônia Legal existem 3.347 processos, registrados em áreas de 131 terras indígenas.
A pesquisa também revelou que todos os processos no Pará foram abertos por apenas 495 titulares. “A concentração representa monopólio, reforça a existência do lobby exercido por grupos econômicos capitalizados com grande poder de pressão política e estimula a especulação e comercialização de títulos minerários”.
As ações que incidem nas 48 terras indígenas no Pará, citados pelo MPF, estão circunscritas aos municípios de Altamira, Belém, Castanhal, Itaituba, Paragominas, Redenção e Santarém.