Por Cida de Oliveira/Rede Brasil Atual

Pacto Federativo abre portas para que empresas levem às regiões mais pobres escolas privadas e de baixa qualidade

Depois de mirar no Chile como exemplo para diversas políticas, Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, agora pretendem se inspirar em países africanos, como Quênia, Libéria, Nigéria e Uganda, para ações voltadas à educação. Nesses países, escolas privadas cobram mensalidades de famílias pobres em troca da educação de baixa qualidade, em escolas precárias – o que provavelmente acontecerá em regiões brasileiras carentes, populosas e com déficit de vagas, se a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo for aprovada.

“Se passar, teremos escolas privadas de baixíssimo custo precárias, tal como ocorre na África”, alerta o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. Ele cita o exemplo da Bridge International Academie (BIA), uma rede de pré-escolas e escolas primárias – correspondente aos primeiros quatro anos do ensino fundamental – que, na propaganda, afirma oferecer “educação de qualidade e acessível para famílias e crianças desassistidas”. Segundo a campanha, a Bridge, com origem nos Estados Unidos, dirige cerca de 500 escolas no Quênia, na Libéria, Nigéria e em Uganda, além da Índia. E pretende ter 10 milhões de estudantes até 2025.

A atuação da rede no Quênia, entretanto, é alvo de uma manifesto internacional em que 112 organizações de diversos países que atuam na defesa dos direitos humanos e do direito à educação, entre elas a Anistia Internacional e a própria Campanha, exigem que investidores deixem de apoiá-la. A BIA tentou silenciar o principal sindicato dos professores e seu secretário-geral, com uma petição para obter uma ordem de mordaça. E processou e ameaçou organizações críticas à sua atuação.

Apesar da retórica de que ajuda crianças que de outra forma não poderiam frequentar a escola, as taxas cobradas são a principal barreira para a frequência de crianças, com custos inacessíveis aos mais pobres.

Inconstitucional

Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), trata-se de mais um ataque à Constituição de 1988. “Questionamos se o governo tem este poder. Para refazer o pacto federativo entendemos que o povo precisa eleger um novo parlamento constituinte”, afirma o presidente da entidade, Heleno Araújo.

O dirigente considera ainda tratar-se de uma “aberração”. “O impedimento de investimentos na educação para atender uma demanda social, que existe, negando o direito humano e social a educação do nosso povo, é uma aberração. Este é mais um motivo para a realização de grandes mobilizações do povo brasileiro contra este desgoverno Bolsonaro.”

Interesses privados

Enviada ao Congresso no último dia 5, a PEC, que entre outras coisas desobriga o poder público de construir escolas para suprir o déficit de vagas, aumenta a desigualdade educacional no país para favorecer o avanço do ensino particular.

O ministro Paulo Guedes estudou em universidade federal, fez pós-graduação no exterior com bolsa da Capes e defende o fim da educação e da pesquisa mantida pelo governo para os filhos dos trabalhadores. Seu interesse na privatização do ensino é direto.

Em dezembro, reportagem da Agência Pública informou que Guedes atuou com investimentos no setor educacional privado e a distância. E que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), ele captou R$ 1 bilhão de fundos de pensão, entre eles, Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa) e Postalis (Correios). Os primeiros aportes foram feitos em janeiro de 2009, com prazo previsto de seis anos de duração.

Suas atuações foram alvo da Operação Greenfield, para apurar pagamento de propina em fundos de pensão, com inquérito correndo em segredo de Justiça. Um aspecto que chamou atenção da promotoria foi a cobrança de uma taxa de administração de 1,75%, que somaria R$ 6,6 milhões em um ano, o correspondente a 19% do patrimônio líquido médio do fundo no período.

Elizabeth Guedes, irmã do ministro, é vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), que representa grandes grupos, como Anhanguera, Uninove e Pitágoras.

O artigo original pode ser visto aquí