Por Daniel Giovanaz/Brasil de Fato

Diego Pary Rodríguez atuou como embaixador da Bolívia na OEA e diz que a entidade teve um “papel nefasto” no golpe

Ministro das Relações Exteriores do governo de Evo Morales até o golpe de novembro de 2019 na Bolívia, Diego Pary Rodríguez esteve no Brasil entre segunda (25) e terça-feira (26) para se reunir com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e fortalecer o apoio internacional pelo restabelecimento da democracia em seu país.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o ex-chanceler disse que o Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Morales, aceita a realização de novas eleições mesmo que o presidente eleito em outubro não possa se candidatar. O objetivo é pacificar o país, marcado nos últimos dias pela violência das forças de segurança contra indígenas e apoiadores do MAS. Desde o golpe, foram mais de 40 assassinatos.

“Para nós, é importante, mais além de apenas recuperar um governo, manter um processo de transformação histórica na Bolívia. Não podemos deixar cair no esquecimento, não podemos perder 13 anos de grandes êxitos como os que tivemos na Bolívia. É importante preservar isso”, defende.

Nesse sentido, Rodríguez aponta que a saída seria a realização de novas eleições, para que o povo possa decidir democraticamente o futuro do país.

“O caminho é aquele que já decidiu a Assembleia Legislativa: convocar, o mais rápido possível, novas eleições, para que quem governe o país seja alguém que emana do voto popular, e não surgido da força, por imposição de algum setor”, completa o ex-chanceler. “O presidente, com o desprendimento e o carinho que sempre teve com a Bolívia, aceitou não participar das próximas eleições. O mais correto seria deixá-lo terminar o mandato que tinha até 22 de janeiro de 2020, mas lamentavelmente não há condições para isso”, analisa.

Atores do golpe

Liderança indígena, Rodríguez está percorrendo vários países da América Latina nas duas últimas semanas para denunciar o golpe na Bolívia. Para ele, elementos nacionais e internacionais devem ser analisados conjuntamente para se compreender a conjuntura do país.

“Primeiro, [o golpe] nasce como uma demanda local, porque talvez nunca se resolveu a questão de classe social na Bolívia. Ou seja, há uma cisão entre um setor da oligarquia boliviana, que de alguma maneira perdeu seu privilégio ao deixar a estrutura do Estado, e os operários, os camponeses, os indígenas, os trabalhadores, que haviam chegado ao governo”, relembra, ao citar a primeira eleição de Morales, em 2005.

“A oligarquia boliviana sentiu que perdeu um espaço de poder. No governo, tentamos articular, criar pontes, mas hoje nos damos conta que não foi suficiente. Havia uma oligarquia, um setor conservador que estava esperando há muito tempo e, quando viu a oportunidade, reagiu e deu o golpe de Estado”, relata.

O ex-chanceler interpreta que a renúncia de Morales é resultado da atuação orquestrada de diferentes atores. “Participou a direita boliviana, extremista, fascista. Participou a polícia nacional, que fez a diferença. Participaram as Forças Armadas. E participaram também atores internacionais, neste caso, a OEA [Organização dos Estados Americanos]”.

Captura de video Brasil de Fato

De 2011 a 2018, antes de assumir o Ministério das Relações Exteriores, Rodríguez foi embaixador da Bolívia na OEA. Ele critica a atuação da entidade no processo de auditoria dos votos da última eleição presidencial.

“Foi um papel nefasto [desempenhado pela OEA]. A auditoria em si era positiva, mas a forma como se manipulou essa auditoria para favorecer alguns setores não foi correta. Ao selecionar a amostragem, a OEA selecionou as atas onde o MAS obteve mais votos, e disse que essa tendência colocava em dúvida o processo”, explica. “Há regiões em que cerca de 100% dos eleitores votam por Morales, e não se pode anular a eleição por isso. Eu acho que faltou a precisão técnica, que requer um trabalho profissional, por motivações políticas”.

Parênteses

Sobre as perspectivas para a retomada da democracia na Bolívia, o ex-chanceler aposta na solidariedade internacional e mantém o otimismo.

“Este é um tempo conjuntural, um momento em que se abrem parênteses nos avanços que a Bolívia teve na área de relações internacionais”, pondera. “Mas acredito que, quando terminem as eleições e haja um novo governo, as relações internacionais da Bolívia estarão no mesmo ponto que havíamos deixado, com capacidade de dialogar de igual para igual com qualquer país do mundo, com capacidade de posicionar a Bolívia na dinâmica internacional”, completa.

Rodríguez deixa o Brasil na manhã desta quarta-feira (27) satisfeito com o resultado da visita. Sobre o ex-presidente Lula, afirma tê-lo encontrado “mais magro” do que antes, mas “extremamente bem informado sobre o que acontece na Bolívia e na América Latina”. Além de Lula, o líder indígena também se reuniu com Fernando Haddad (PT), ex-ministro da Educação e candidato nas eleições presidenciais brasileiras de 2018.

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