Por Gustavo Veiga*/Sul21
A palavra gato na Argentina tem uma concepção pejorativa. Chamam Mauricio Macri de gato, mas o presidente gosta. No ato de encerramento de campanha junto ao Obelisco – símbolo mais emblemático de Buenos Aires -, Macri voltou a sentir-se confortável com o apelido. Gato aqui significa subserviente, aquele que está na última hierarquia em um pavilhão carcerário. Os opositores ao empresário, que buscará a reeleição presidencial em 27 de outubro, cantam e gritam em público “Gato”. Mas ele brincou diante das 300 mil pessoas que foram lhe escutar na autoproclamada Marcha do Milhão: “Com Pichetto, agora tenho oito vidas”. Se referia ao companheiro de chapa, que o acompanhava no palco. Sabe-se lá porque.
Na realidade, Macri já gastou todas suas vidas na intenção de estender sua presidência quatro anos mais. Seus fracassos contínuos, um atrás do outro, e a economia como território minado por suas políticas, o deixaram às portas da sua despedida. Nem o primeiro debate que perdeu para o candidato opositor da Frente de Todos, Alberto Fernández, nem o segundo, quando passou à ofensiva com denúncias de corrupção contra o kirchnerismo, modificarão de modo substancial o comportamento eleitoral dos argentinos. Uma pesquisa realizada na área metropolitana de Buenos Aires pouco antes do confronto entre os seis presidenciáveis – somente Macri e Fernandéz tem chances de ganhar – revelou que 88% dos consultados não mudarão seu voto.
O candidato oficialista apostou suas últimas fichas em mostra-se como não é. Um político carismático e previsível, acessível à população. Se tem um núcleo duro que ainda sustenta sua aspiração de governar por mais quatro anos, é aquele que olha com espanto ao que denomina “um regresso ao passado”. Isto é, aos tempos em que Cristina Fernández ocupava a Casa Rosada e não o outro Fernández, Alberto. Sem mencioná-la na ambiciosa convocatória do milhão (que chegou a apenas 30 por cento desta cifra), Macri arrancou dos seus seguidores um estribilho contra a ex-presidenta: “que vá presa, que vá presa”, num coro entusiasmado.
O destino eleitoral quase irreversível deixado pelas PASO- Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias – de 11 de agosto, foi o último ato onde esteve em jogo a sobrevivência do Gato. O presidente cometeu demasiados erros mas um, o mais imperdoável, foi condenar à fome e ao desemprego milhares dos seus compatriotas. Assistimos agora às últimas horas de quem sabe que não poderá reescrever sua própria história. Cego por sua ambição e por conta dos negócios pessoais com seus principais amigos, nem sequer tem garantida sua vida política depois das eleições.
O peronismo, em sua versão do século XXI, voltará ao governo em um país chave para a região. Se ratificados ou ampliados os percentuais do primeiro turno, em que Fernández venceu por cerca de 16% de diferença, a Argentina deverá recuperar o tempo perdido durante quatro anos de políticas neoliberais. Não será fácil com o nível de endividamento deixado por Macri e sua gestão. Seus habitantes já deram o veredicto nas Primárias, que o governo tentou suspender. A verdadeira eleição só confirmará o que já ocorreu. As vidas de um gato não bastariam ao presidente que está saindo para remediar os males que ele mesmo deixou para trás.
*Tradução: Daniela Sallet