Os políticos alemães estão considerando aumentar os impostos sobre a carne para promover o bem-estar animal, combater as mudanças climáticas e melhorar a saúde humana.
A reportagem é de Eliza Relman, publicada por Business Insider Itália, 10-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os políticos progressistas defendem um aumento do imposto na carne de 7% para 19% – nível de tributação de outros alimentos. O partido de centro-direita da chanceler Angela Merkel diz que está aberto a algum tipo de tributação.
Para os ambientalistas, isso é inevitável: os homens devem reduzir o consumo de produtos de origem animal para evitar as piores consequências das mudanças climáticas.
“Se quisermos ter uma chance mínima de evitar os níveis perigosos das mudanças climáticas … então temos que mudar a maneira como comemos”, disse um especialista ao Insider.
Mas os defensores dos agricultores e algumas associações de criação animal dizem que o imposto prejudicaria os agricultores, faria pouco para promover as condições dos animais e teria consequências desproporcionais para os consumidores de baixa renda.
Enquanto isso, as vendas de alternativas de carne à base de plantas estão crescendo em toda a Europa e nos EUA – e alguns afirmam que investir nesses alimentos é a melhor solução.
Nos EUA, os republicanos acusaram os democratas de querer proibir os hambúrgueres após a sugestão da parlamentar Alexandria Ocasio-Cortez de “livrar-se” das vacas para combater as mudanças climáticas.
Os especialistas dizem que hoje um imposto sobre a carne seria politicamente impensável nos EUA e sugerem uma série de outras medidas para diminuir o consumo de carne, incluindo a redução de subsídios à agricultura.
Paul Pollinger nunca refletiu muito sobre o quanto seria ético comer animais até completar 25 anos, quando viu “Earthlings”, um documentário de 2005 sobre crueldade e exploração animal. Sua reação: “Isso não pode acontecer em um mundo civilizado”.
Pouco tempo depois, o músico e consultor de Berlim se tornou vegano. Mas foi sua esposa, Sarah Pollinger, que alguns anos depois teve a ideia de abrir uma loja de substitutos veganos para a carne.
Em 2017, o casal abriu o Vetzgerei, um “açougue” sem carne no moderno bairro de Prenzlauer Berg, em Berlim, onde as famílias fazem compras no Veganz, a primeira cadeia de supermercados veganos da Europa e saboreiam cappuccinos de aveia em bares veganos com vista para as ruas arborizadas.
A Alemanha conta com uma das maiores taxas de vegetarianismo e veganismo no mundo ocidental. O movimento de alimentação ética cresceu nos últimos anos e está cada vez mais vinculado ao movimento contra as mudanças climáticas.
A taxa de consumo de carne no país diminui a cada ano desde 2011 e este ano, em uma pesquisa nacional realizada em maio, os alemães indicaram as questões ambientais como sua principal preocupação.
Mas os alemães – como os estadunidenses – continuam consumindo muito mais carne do que seria considerado saudável ou sustentável para o planeta.
Por isso, os políticos estão atualmente considerando aumentar os impostos sobre produtos à base de carne. O objetivo é melhorar o bem-estar animal, usando receitas para ajudar os agricultores a modernizar suas plantas, combater as mudanças climáticas e melhorar a saúde dos alemães, incentivando menos consumo de carne.
A ideia – inicialmente proposta pela Associação Alemã de Bem-Estar Animal – aumentaria o imposto sobre a carne de 7% a 19%, a mesma taxa aplicada aos outros alimentos. Assim como a “sin tax” sobre bebidas alcoólicas, cigarros e sacolas plásticas, a carne seria tributada por seus efeitos negativos.
Enquanto os ambientalistas argumentam que um imposto sobre a carne é inevitável devido à enorme pegada ecológica do setor agrícola e às metas acordadas no Tratado de Paris pela Alemanha, os defensores tanto dos agricultores como dos animais a questionam.
“Absolutamente insustentável”: impacto climático
Os ambientalistas dizem que a questão é inevitável: os homens devem reduzir o consumo de produtos de origem animal para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas.
“Realmente não há saída”, disse ao Insider Marco Springmann, pesquisador em saúde da população no Programa Oxford Martin para o Futuro dos Alimentos da Universidade de Oxford. “Se quisermos ter uma mínima chance de evitar níveis perigosos de mudanças climáticas … então temos que mudar a maneira como comemos”.
A agricultura e outros tipos de uso da terra representam cerca de um quarto de todas as emissões globais de gases de efeito estufa. Metade das emissões de metano provocadas pelos homens são provenientes da agricultura. E o metano é 30 vezes mais poderoso em termos de capacidade de reter o calor do que o dióxido de carbono.
No mês passado, o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas publicou um relatório que revelou que os seres humanos deveriam reflorestar grande parte das terras agrícolas da Terra e mudar para uma dieta baseada em vegetais para evitar a perigosa mudança climática.
Maria Lettini, diretora geral do grupo de investimentos Farm Animal Investment Risk and Return Initiative, argumentou que o custo da carne deveria refletir seu impacto ambiental.
“Os preços da carne não são um preço justo pela quantidade de terra, água e emissões sobre os quais exercemos um impacto para obter nossos 300 gramas de proteína semanais”, disse Lettini. “É absolutamente insustentável e precisamos encontrar um preço justo”.
Um ligeiro aumento no custo da carne é uma parte necessária da solução, defendem os promotores. Mas mesmo que o consumo não caísse muito, alegam que a medida ajudaria a dissipar a crença de que os produtos de origem animal devem ser alimentos básicos.
“Enviaria um forte sinal do estado de que não subsidiamos nenhum setor que prejudique o meio ambiente, algo realmente danoso para o nosso clima”, disse Lider van Aken, ativista alemão do Greenpeace, ao Insider. “[Poderia] contribuir para mudar a mentalidade das pessoas”.
No setor agrícola, acredita-se que existem melhores maneiras de torná-lo mais eco sustentável.
Bernhard Krüsken, secretário geral da Associação Alemã de Agricultores, admite que os níveis ocidentais de consumo de carne não são sustentáveis para a população global, mas afirma que, em vez de reduzir drasticamente o consumo, a Alemanha deveria ser pioneira nos métodos de produção mais compatíveis com o clima.
“Não podemos absolutamente ter os níveis de consumo de carne dos argentinos e estadunidenses para todos os 9 bilhões de pessoas que existirão em 2050, mas isso depende da maneira como a carne e os laticínios são produzidos”, disse Krüsken ao Insider. “A chave é a eficiência climática”.
Reduzir o consumo de carne para salvar vidas
Enquanto o consumo de carne continua a crescer nos Estados Unidos, as vendas de carne sem carne e outras alternativas aos produtos de origem animal estão crescendo na Europa e nos EUA.
Redes de fast-food como Burger King e KFC propuseram hambúrgueres da Impossible Foods e ofertas da Beyond Meat. As vendas de produtos lácteos líquidos caíram significativamente nos EUA, enquanto a demanda por alternativas à base de leite vegetais aumentou 9% em 2018.
A Alemanha é a primeira no mundo em alternativas à base de plantas e produtos veganos. Berlim sozinha possui mais de 600 estabelecimentos de comida vegana e vegetariana.
Um dos streetfood mais famosos da capital alemã, o “currywurst” – bratwurst mergulhado em ketchup de curry – é agora quase tão popular em sua versão vegana.
Tereza Roshofa, Reinis Alulle e Robert Schleier experimentaram o currywurst vegano no Imbiss de Konnopke, uma das mais antigas barracas de currywurst de Berlim, alguns dias atrás. Segundo eles, a linguiça vegana era digna, mas “não é a mesma coisa” em comparação com aquela verdadeira. Nenhum deles é vegano, mas todos são a favor do movimento vegano, no mínimo pelo bem do meio ambiente.
Roshofa, que é da Letônia, disse que está tentando reduzir o consumo de carne. Todos os três gostaram da ideia de aumentar os impostos sobre a carne.
“Algo deve acontecer, certo? Não podemos simplesmente deixar tudo continuar assim”, disse Schleier.
Existem ligações bem documentadas entre carne vermelha e processada e as doenças coronárias cardíacas, câncer, diabetes tipo 2 e enfarte.
Os promotores comparam um imposto potencial sobre a carne com o imposto sobre o açúcar do México, que significativamente reduziu o consumo nacional de bebidas açucaradas. Da mesma forma, França, Noruega e Grã-Bretanha introduziram impostos sobre bebidas açucaradas.
Embora muitas alternativas à carne à base de vegetais contenham tanto sódio e gordura saturada quanto a carne que substituem, os especialistas dizem que eliminam os riscos mais significativos associados à carne.
“A única coisa que é claramente evidente é que a ingestão de carne vermelha processada aumenta o risco de câncer”, afirmou Timothy Searchinger, membro sênior do World Resources Institutee pesquisador de Princeton, ao Insider. “Qualquer alternativa à carne vermelha processada deveria ser um benefício”.
Um imposto regressivo?
Uma das principais preocupações relacionadas a qualquer imposto sobre alimentos é o impacto desproporcional que teria sobre a população de baixa e média renda.
Os críticos dizem que um imposto simplesmente obrigaria as pessoas a comprar produtos de carne mais baratos e menos saudáveis. Os produtores de carne biológica estão pressionando por impostos mais baixos sobre os seus produtos para compensar o custo para os consumidores.
Mas os defensores do imposto argumentam que o custo relativamente baixo da carne na Alemanha incentiva os consumidores a escolhe-la entre outros produtos.
“No momento, a carne é tão barata que as pessoas a comem da mesma maneira que bebem água”, disse ao Insider Achim Stammberger, um líder do grupo de direitos animais ARIWA.
Uma ideia que conta com algum apoio de todos os partidos políticos alemães é aquela de reduzir o imposto sobre frutas, vegetais e outros produtos não animais para incentivar mais as dietas à base de vegetais.
A Associação de Agricultores pressiona para reduzir o imposto para 7% – o de produtos de origem animal – para todos os alimentos.
Os ambientalistas também estão pressionando para usar parte das receitas provenientes de uma possível taxa de educação, incluindo aulas de culinária nas escolas. Ensinar as pessoas a cozinhar refeições saudáveis reduziria seus custos com alimentos, disse Springmann.
Paul Pollinger, da Vetzgerei em Berlim, acredita que a educação deve ser a principal prioridade. Um imposto seria um incômodo, não um instrumento didático, disse ele.
“Mesmo que você torne as coisas mais caras, isso não faz as pessoas refletirem a respeito”, disse ele. “Talvez fiquem um pouco chateados … mas não chegam ao ponto de dizer: ‘Ok, é mais caro porque prejudica o meio ambiente e faz mal para mim”.
Preocupações com o bem-estar animal
Os grupos de interesse do setor agrícola e aqueles que apoiam o bem-estar dos animal concordam que os padrões das práticas de criação de animais devem ser melhorados na Alemanha. No continente, há uma crescente demanda por criar animais de forma mais respeitosa.
Os promotores conservadores do imposto sobre a carne desejam usar a receita adicional para subsidiar os esforços dos agricultores para melhorar as condições dos animais.
“A receita adicional do imposto deve ser usada para apoiar os agricultores na conversão”, disse à mídia alemã Albert Stegemann, porta-voz do partido de centro-direita da chanceler Angela Merkel, democratas-cristãos.
Os críticos dizem que o aumento do imposto não contribuiria para melhorar o bem-estar animal, porque o imposto prejudicaria os orçamentos dos agricultores e porque suas receitas não podem ser direcionadas concretamente a investimentos para o bem-estar animal.
“Precisamos realizar grandes investimentos para acompanhar as expectativas dos consumidores em relação ao bem-estar animal”, disse Krüsken, da Associação de Agricultores. Mas defendeu que o imposto “não é adequado … para fornecer financiamento de longo prazo para esse processo”.
Stammberger, o defensor dos direitos dos animais, diz que o aumento do imposto daria aos consumidores uma falsa garantia de que os animais são tratados com mais dignidade, enquanto melhoraria apenas marginalmente suas vidas.
“Investir esse dinheiro em bem-estar animal faria as pessoas se sentirem melhor a respeito”, disse ele. “Isso teria um efeito estabilizador no consumo de animais, que é exatamente o que as pessoas que defendem o aumento do imposto sobre produtos de origem animal não querem”.
A Deutscher Tierschutzbund, a Federação Alemã de Bem-Estar Animal, é a favor da tributação sobre a carne, que permitiria que as receitas fossem direcionadas especificamente aos esforços voltados ao bem-estar animal, e não aos cofres do Estado.
Um imposto estadunidense sobre a carne?
Nos EUA, o debate político em andamento sobre o consumo de carne indica que um imposto não seria bem recebido.
Desde que, em um documento controverso que descrevia sua resolução sobre o Green New Deal no início deste ano, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez e seus aliados admitiram que não estariam em condições de “se livrar completamente das vacas que soltam gases”, os republicanos insistiram que os democratas estavam planejando eliminar as vacas e a carne bovina.
Agora, alguns democratas sustentam que o debate climático deve parar de falar sobre o consumo de carne e sobre o plástico e outras questões de menor importância, e se concentrar em preocupações de tipo industrial e estrutural.
“É exatamente disso que a indústria dos hidrocarbonetos quer que falemos” disse a senadora Elizabeth Warren no encontro entre candidatos democratas sobre mudanças climáticas transmitido pela CNN. “Eles querem provocar um monte de controvérsia sobre lâmpadas, canudinhos e cheeseburgers, quando 70% da poluição, do dióxido de carbono que colocamos no ar, provém de três setores”.
Os especialistas ambientais dizem que, no momento, a ideia de um imposto sobre a carne dos EUA é ridícula. Segundo alguns, o conceito só pode se tornar viável quando as alternativas à carne forem mais desejáveis que a própria carne.
“Seria um erro terrível para todos tentarem fazer isso agora”, disse Searchinger sobre o imposto. “A oportunidade para fazer coisas desse tipo só surgirão quando houver um amplo consenso sobre a existência de substitutos igualmente bons”.
Searchinger prevê que alternativas à base de vegetais acabarão se tornando mais econômicas e saborosas que a carne.
Os ambientalistas dizem que existem várias medidas que os EUA poderiam adotar antes de pensar em um imposto. Por exemplo, o governo poderia simplesmente reduzir seus subsídios aos agricultores. Segundo os especialistas, os subsídios desencorajam o setor agrícola a diversificar seus produtos, o que o prejudicará a longo prazo.
“A simples reversão do papel hiperativo do governo na proteção do setor poderia fazer muito antes de pensar em um imposto”, disse ao Insider Matthew Hayek, professor de ciências ambientais da NYU. “Limita os riscos a tal ponto que os agricultores não percebem e deixam de entender os sinais evidentes vindos do mercado”.
Hayek disse que uma política ideal deveria incluir a promoção do consumo de legumes e grãos integrais, além de frutas e verduras, como alternativa à carne. Ele ressaltou que alimentos como legumes e cereais são muito mais econômicos e fáceis de distribuir, mais que a carnes e os vegetais frescos.
“Essas são coisas que podem ser produzidas e servidas de maneira tão econômica quanto a ração que atualmente usamos para sustentar o nosso sistema alimentar de alto consumo de carnes e laticínios”, disse ele.