Por RBA/Rede Brasil Atual

Em pronunciamento considerado agressivo, presidente diz que o Brasil se reergueu da ruína, pinta um país descolado da realidade e chama de ‘falácia’ afirmação de que Amazônia é patrimônio da humanidade

O presidente Jair Bolsonaro afirmou, entre outras declarações inconsistentes durante discurso que abriu a 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (24), que a Amazônia brasileira “não está sendo devastada nem consumida pelo fogo”. Segundo ele, trata-se de uma mentira propalada pela imprensa internacional, para atender aos interesses de potências “colonialistas”, que se utilizam de ONGs e lideranças indígenas para dominar a floresta e impor seus interesses contra a soberania brasileira. Em 32 minutos, o presidente apresentou a chefes de Estado do mundo inteiro um Brasil descolado da realidade, que cresce economicamente, reduz a criminalidade e combate a corrupção.

Ele afirmou que as queimadas são “espontâneas”, favorecidas por ventos e pelo clima seco, mas também são realizadas por “índios e populações locais”. Citou que há as queimadas “criminosas” sem, contudo,  identificar possíveis autores. Segundo ele, os ataques movidos por “grande parte da mídia ocidental” ao denunciar a devastação da floresta pelo fogo despertaram no seu governo um sentimento “patriótico”. Também afirmou que é uma “falácia” dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um “equívoco” atribuir à floresta a condição de “pulmão do mundo”, contrariando o grande volume de pesquisas científicas que atribuem à região a principal fonte de oxigênio do planeta.

Ao anunciar o que pretende estimular na Amazônia em relação à exploração de suas riquezas naturais e minerais, bem como às populações indígenas, Bolsonaro leu uma carta que atribuiu a “lideranças” dos povos originários em que afirmam total apoio às suas políticas. O documento ataca o “ambientalismo radical” e “indigenismo ultrapassado” como responsáveis pelo atraso, a marginalização e a completa ausência de cidadania para as populações indígenas. Ao encerrar a leitura, soltou de improviso: “Acabou o monopólio do senhor Raoni”, acusando o líder indígena de ser apenas uma “peça” utilizada no tabuleiro internacional por governos de outros países.

Bolsonaro afirmou também que não pretende ampliar as demarcações de terras indígenas, dos atuais 14% do território, para 20% das áreas totais, “como alguns chefes de Estado gostariam”, numa crítica implícita ao presidente francês, Emannuel Macron e, por tabela, à premiê alemã, Angela Merkel.

“Pessoas apoiadas por ONGs teimam em tratar nossos índios como verdadeiros homens das cavernas”. Segundo a carta que leu, os povos indígenas não querem mais ser “latifundiário pobre em cima de terras ricas”, o que legitima os planos de seu governo de avançar a exploração econômica sobre a floresta.

Socialismo

Bolsonaro afirmou que durante os governos Lula e Dilma o Brasil esteve à beira do socialismo, ideia à qual atribuiu a ocorrência de corrupção, altas taxas de criminalidade, além de ataques a valores cristão e  religiosos. Classificou o programa Mais Médicos como “verdadeiro trabalho escravo”, ainda que, segundo ele próprio, o acordo fosse respaldado por entidades ligadas à ONU. Os médicos de Cuba, segundo ele, seriam impedidos de trazer ao Brasil cônjuges e filhos, e eram obrigados a enviar 75% dos salários para a “ditadura cubana”.

Ele também teve seu momento de ironia ao dizer que o socialismo está “dando certo” na Venezuela – “Todos estão pobres e sem liberdade” – e prometeu colaborar com outros países, em especial os Estados Unidos, para restabelecer, segundo ele, a democracia no país vizinho. Sobrou também para o Foro de São Paulo – entidade que partidários das ideias do presidente identificam como a grande ameaça vermelha para o mundo “livre”. O presidente fez um “alerta” de que o órgão de cooperação entre movimentos e partidos de esquerda criado em 1990 ainda hoje “continua vivo” e “tem que ser combatido”.

Ele também acusou levianamente que seus antecessores “compraram a mídia e o Congresso”, em nome de um suposto projeto de poder, acusando-os, sem nominar, de terem desviado recursos para outros países. E destacou o ministro da Justiça, Sergio Moro, como “símbolo do combate à corrupção”. O “doutor Moro”, como se referiu Bolsonaro, é hoje contestado por grande parte da comunidade jurídica brasileira e internacional pela sua atuação nos julgamentos da Lava Jato, por ter ignorado provas, sugerido testemunhas, em conluio montado com procuradores, dentre outras ações ilegais reveladas pela série de reportagens da Vaza Jato.

Ideologia

Bolsonaro afirmou ao mundo que o Brasil se deixou seduzir por um “sistema ideológico de pensamento”, que dominou a cultura, a educação e a mídia, que também “invadiu” os lares brasileiros para “destruir a inocência das crianças”, pervertendo a suas identidades “biológicas”. O “politicamente correto”, segundo ele, expulsou a “racionalidade”, que foi substituída por “clichês e palavras de ordem”.

Ele afirmou que a ONU adota práticas para combater a disseminação de suposto “ambiente materialista e ideológico” que comprometem os princípios básicos da dignidade humana. “Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um interesse global abstrato”, acrescentou, fazendo alusão à ideia de que as Nações Unidas funcionariam em prol da instalação de um governo global.

Economia

Segundo o presidente, a economia brasileira “está reagindo”, a partir da abertura econômica a outros países e da integração “às cadeias globais de valor”. “O livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil”, afirmou, destacando, em especial, o acordo firmado entre o Mercosul e a União Europeia. Ele também afirmou que o Brasil tem adotado “práticas mundiais mais elevadas em todos os terrenos”, inclusive na proteção do meio ambiente.

Por fim, Bolsonaro citou um versículo da Bíblia para reafirmar que seu governo representa “um novo Brasil”.

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