Paulo Henrique Amorim trabalhou na velha mídia, mas afastou-se dos poderosos. Na Record, foi desligado por denunciar atrocidades de Bolsonaro. Em época de “limpeza” em redações e jornalismo chapa-branca, fica seu exemplo de resistência.
Movimentos e Rebeldias | por Blog do Moisés Mendes
A morte de Paulo Henrique Amorim, com suas circunstâncias, o contexto político e todos os seus significados, deveria ser estudada já a partir de hoje à tarde nas escolas de jornalismo. Amorim foi morto pelo assassinato das grandes redações.
Já mataram muitas redações e continuarão matando. A imprensa brasileira sucumbiu ao golpe de agosto de 2016 e à Lava-Jato como não havia sucumbido nem na ditadura. Sob o horror do regime militar, parte da imprensa golpista deu-se conta de que seria engolida pelo golpe e reagiu para enfrentar a censura a partir de 68.
Hoje, não. Hoje, as grandes redações são esvaziadas de qualquer possibilidade de resistência, porque são cada vez mais orientadas para serem cúmplices do poder.
Amorim foi apenas um dos mais recentes expulsos do trabalho numa grande corporação por submissão do patrão às ordens da extrema direita.
Seu afastamento da TV Record ganhou manchetes porque ele era uma figura conhecida. Mas as redações passam por limpezas que a maioria não fica sabendo.
Enganam-se os que acham que Globo e Folha enfrentam os Bolsonaro pai e filhos porque são mobilizados por uma força atávica de proteção do jornalismo. Nada disso. Globo e Folha foram ameaçados de extinção por Bolsonaro. A briga dos dois com o bolsonarismo é uma batalha pela sobrevivência.
O jornalismo é apenas a arma de que dispõem para enfrentar um inimigo perigoso. Não há grandeza na luta de Globo e Folha contra Bolsonaro. Há profissionais fazendo o seu trabalho no campo de batalha de uma guerra política com feições inéditas, em que a direita tenta se livrar da extrema direita que ajudou a criar.
É essa mesma Globo que tem Crivella como inimigo, porque o poder financeiro dos neopentecostais se materializou também como poder na comunicação. A Globo e o Globo não querem concorrentes à direita. Mas também não querem, como até chegaram a ter um dia, pluralidade em suas redações. Ninguém da grande imprensa quer.
As grandes redações brasileiras continuarão sendo assassinadas todos os dias, com a expulsão de gente com o perfil de Paulo Henrique Amorim.
Na ditadura, as próprias redações tentavam conter esse massacre. Hoje, não mais. O jornalismo da grande imprensa resignou-se a fazer o que lhe cabe no latifúndio que sempre ocupou: trabalhar para o poder e para o público reacionário de rádio, TV e jornal, que cresce sem parar.
É um cenário de devastação fomentado pela manipulação das ignorâncias e criado também pela incompetência das esquerdas, que não construíram, como argentinos e uruguaios fizeram, redutos alternativos de jornalismo com declarado suporte político, como a grande imprensa sempre fez. A imprensa precisa ser de esquerda, ou se contentar em fazer assessoria para a direita.
É um défict que vai sendo corrigido pela bravura de jornais digitais que se fortalecem em meio ao bolsonarismo, como os jornais nanicos fizeram na ditadura. É preciso mais, porque esse já é o jornalismo do século 21. Fortalecer a resistência contra o fascismo será a melhor homenagem à memória de Paulo Henrique Amorim.