Apesar do impacto gerado pela imagem do pai salvadorenho e sua filha, países seguem com políticas que tornam as rotas migratórias cada vez mais arriscadas
A imagem do salvadorenho Oscar Alberto Martínez Ramírez, 25, e de sua filha Valeria, de um ano e onze meses – mortos por afogamento no rio Grande, que divide México e Estados Unidos -, ganhou os jornais na última semana. E retomou debates quanto ao poder das mídias sobre a questão migratória e a situação cada vez mais precária dos deslocamentos humanos – neste caso, em especial, na América Latina.
Ainda que em menor escala em relação a repercussão e comoção, a foto de Oscar e Valeria tem sido comparada à do menino curdo-sírio Alan Kurdi, encontrado morto em uma praia na Turquia em setembro de 2015. Sua imagem viralizou no mundo todo, gerou debates na mídia sobre seu uso e chamou a atenção para o drama dos refugiados que se dirigiam à Europa na época.
No entanto, as tragédias no Mediterrâneo – e em outras travessias – não cessaram após a foto trágica do menino morto na praia turca. Uma tendência que também deve se repetir no caso envolvendo a família salvadorenha.
“A comparação entre as duas fotos [de Alan Kurdi e do pai e filha salvadorenhos] é válida quando nos perguntarmos o que a superexposição e compartilhamento à exaustão dessas duas imagens pelas mídias digitais ou redes sociais fez ou têm feito pela vida de crianças migrantes e refugiadas que diariamente são impelidas (e, possivelmente, não escolham) atravessar fronteiras – como a do Mediterrâneo para entrar na Europa, ou a do México com os Estados Unidos”, afirma a professora Denise Cogo, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP – que tem a temática migratória na mídia como um dos eixos de pesquisa.
Assim como continuaram os naufrágios e mortes no mar Mediterrâneo após a viralização da foto do menino sírio, a professora tampouco espera por mudanças em relação à situação migratória na fronteira México-Estados Unidos a partir da imagem de Oscar e Valeria.
“Essa predominância de uma ordem visibilidade e do imagético da sociedade digital, que parece ter um alto poder de denuncia e comoção públicas, parece não ter ou não desejar exercer o mesmo poder mobilizador em favor dos direitos migratórios ou de políticas migratórias de Estados nacionais que assegurem esses direitos, incluindo o das crianças”, complementa a professora.
De acordo com a OIM (Organização Internacional para as Migrações), ligada à ONU, pelo menos 32 mil imigrantes – incluindo 1.600 crianças – morreram em jornadas perigosas na busca por melhores condições de vida desde 2014, quando a entidade começou a compilar dados.
Triângulo Norte
Em comunicado distribuído à imprensa, o Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, afirmou que as mortes de Oscar e Valeria “representam um fracasso em lidar com a violência e desespero que leva as pessoas a trilharem jornadas perigosas pela perspectiva de uma vida em segurança e dignidade”.
“Isso é agravado pela ausência de caminhos seguros para as pessoas buscarem proteção, deixando-as sem outra opção senão arriscar suas vidas”, completa ele.
Os salvadorenhos, aliás, foram a sexta nacionalidade com mais solicitações de refúgio no mundo em 2018 – cerca de 46,8 mil, segundo o relatório Tendências Globais, do ACNUR. Considerando apenas a América Latina, ficaram atrás somente dos venezuelanos.
Ao lado de Honduras e Guatemala, El Salvador formam o chamado Triângulo Norte da América Central – os três países sofrem com a violência causada por gangues, além dos problemas sociais e econômicos vigentes. A violência é causada especialmente pelas “maras” – como são conhecidas as gangues nos três países, que mantêm seu poder por meio de sequestros, assassinatos, torturas e estupros. A recusa em entrar para alguma dessas organizações criminosas pode ter a morte como preço.
Por isso, a fuga para outros países, em especial México e Estados Unidos, cada vez mais se converte não em uma alternativa, mas na única saída possível. Não é por coincidência que salvadorenhos, gutatemaltecos e hondurenhos estejam entre os principais integrantes das caravanas que caminham pelo continente com objetivo de chegar aos Estados Unidos.
Em entrevista ao jornal O Globo, o demógrafo brasileiro Paulo Saad, um dos autores do Atlas de Migração do Norte da América Central, da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), afirmou que somente um plano de desenvolvimento nos países centro-americanos que reduza a pobreza, a violência e consequências das mudanças climáticas, tem potencial para ao menos amenizar os fluxos migratórios na região.