Por Roberto Andrés
Combate às mudanças climáticas não pode ser adiado: ou revemos nosso consumo predatório ou o planeta entrará em colapso. É hora de reconstruir esfera pública corroída e aprender com iniciativas instigantes de jovens como Greta Thunberg.
Viemos ao mundo no entardecer do século passado. Alguns antes, outros depois da passagem do cometa Halley.
Éramos adolescentes, crianças ou bebês quando caiu o muro de Berlim e quando colapsou a União Soviética. Junto com o “socialismo de Estado” acabava a tal Guerra Fria – a disputa entre potências que pareciam dispostas a destruir o planeta para vencerem uma à outra. Na América Latina, encerravam-se ditaduras sanguinárias, várias delas patrocinadas pelo governo americano em sua busca por hegemonia.
Anunciou-se então o fim da história. O capitalismo vencera e agora bastava ajustar a rota, rumo a um mundo globalizado de mercados integrados. Não havia outra alternativa, disse uma primeira ministra britânica: chegara a vez da ordem neoliberal.
Barreiras econômicas foram caindo para garantir o fluxo de capitais e mercadorias. Tratados de livre comércio, abertura de capitais, empresas transnacionais – este o novo léxico que nos levaria rumo ao progresso econômico e social.
Passamos a comprar computadores, a acessar a Internet, criamos contas de email, entramos no Orkut e depois no Facebook. Então vieram os smartfones, a explosão do acesso a redes sociais e a promessa da emancipação da grande mídia pela pulverização das redes.
Até que veio a crise econômica de 2008 e o véu começou a cair. Começou-se a perceber que o bolo crescia, mas não era dividido. A desigualdade econômica aumentou escandalosamente desde os anos 1980, como mostraram os estudos do economista Thomas Piketty. Em muitos lugares, a desigualdade retornou para patamares do início do século 20. No Brasil, o país mais desigual do mundo, hoje o 1% mais rico tem quase 30% da renda.
A globalização serviu também para estressar os limites ambientais, com a intensificação sem precedentes da exploração de recursos, produção e consumo de produtos globais, tudo à base de muito combustível fóssil. Para se ter uma ideia, mais da metade do carbono dissipado na atmosfera em toda a história da humanidade devido à queima de combustíveis fósseis foi emitido nas últimas três décadas, como apontou o jornalista David Wallace-Wells.
A falta de regulação levou à bancarrota indústrias locais, incapazes de competir com produtos fabricados em lugares como a China – onde os baixos custos são viabilizados por jornadas de trabalho extensas, salários miseráveis e pouca proteção ambiental. As novas tecnologias permitiram aplicativos e serviços não enquadrados nas legislações trabalhistas existentes, criando um enorme precariado urbano de motoristas, entregadores, telefonistas.
A insatisfação social gerou os protestos indignados na primeira metade desta década e abriu espaço, em seguida, para uma onda eleitoral de demagogos autoritários, que construíram suas campanhas em torno de teorias conspiratórias e notícias falsas – potencializadas pelas novas mídias que prometiam nos emancipar da velha imprensa.
Assim, quando chegou o momento de nossa geração atuar na esfera pública, encontramos um mundo com desigualdade de renda abissal, proteções sociais flageladas, democracias fragilizadas e condições climáticas catastróficas.
Nosso desafio é tremendo, porque as fórmulas conhecidas não servem mais. Resolver o problema distributivo com crescimento econômico, como foi feito razoavelmente no pós-guerra europeu, levará à catástrofe climática. Se a atividade econômica na Terra nas próximas três décadas tiver a mesma intensidade das últimas três, regiões inteiras se tornarão inabitáveis devido ao aquecimento que gera tragédias ambientais, desertificação, inundação, migrações. Isto é consenso entre cientistas do clima.
Em suma, o desafio é nada menos do que dividir o bolo sem aumentá-lo, enfrentando um cenário de descrença na política, esfera pública corroída e contrato social esfacelado.
Há ainda mais um desafio. Nossa geração ainda leva pouco a sério a questão climática, como se fosse um problema a ser tratado posteriormente. Urge uma mudança de postura e um aprendizado com a geração que nasceu neste século, da ativista Greta Thunberg. Será preciso ler e aprender, mas antes disso nos sensibilizarmos. A casa está em chamas. Recomendo muito o último artigo da jornalista Eliane Brum: “A potência da primeira geração sem esperança“.