Por Pedro Rafael Vilela | Brasil de Fato
Governo Bolsonaro publicou diretrizes que incluem eletrochoques e internação de crianças
O governo de Jair Bolsonaro quer retomar a lógica que estava em desconstrução no Brasil, que é internação de pessoas com transtornos mentais, inclusive crianças e adolescentes, em hospitais psiquiátricos, os chamados manicômios. Também voltou com força a perspectiva de priorizar comunidades terapêuticas, formada por grupos privados que recebem dinheiro público para tratar dependentes químicos por meio de uma lógica de abstinência e de isolamento social e familiar.
Com a aproximação do dia 18 de maio, que celebra o Dia Nacional de Luta Antimanicomial no país, especialistas e usuários dos serviços de saúde mental avaliaram os perigos da proposta do novo governo.
A assistente social Halina Cavalcanti, que atua na Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial (Renila), resgata o debate crítico em torno do tratamento asilar em hospitais psiquiátricos, no final dos anos 1970, que levou à luta antimanicomial. Um triste histórico de violência e isolamento. O Hospital Colônia, em Barbacena (MG), que funcionou entre 1903 e 1980, mais de 60 mil pacientes foram internados, submetidos a maus-tratos e tortura.
“A loucura era colocada como algo que justificava a anulação de qualquer outro direito, de circulação, de desejo, de habitar a cidade”, relembra.
O modelo hospitalocêntrico foi sendo substituído pelo tratamento comunitário, graças à luta do Movimento de Reforma Psiquiátrica. Um modelo baseado na construção de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como principal referência os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), mas gradativamente foi implementando Consultórios de Rua, Centros de Convivência, leitos de hospital geral para internações de curto prazo, a rede de acolhimento para cuidados em saúde saúde mental e uso abusivo de álcool e outras drogas, e a economia solidária, para que as pessoas consigam romper esse ciclo.
O Movimento da Reforma Psiquiátrica assegurou a aprovação da Lei 10.216/2001, conhecida como Lei Paulo Delgado, que trata da proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo de assistência.
Este marco legal estabeleceu a responsabilidade do Estado no desenvolvimento da política de saúde mental no Brasil, através do fechamento de hospitais psiquiátricos, abertura de novos serviços comunitários e participação social no acompanhamento de sua implementação.
“Muito mais do que tratar o sintoma de uma doença, é cuidar de um cidadão, alguém que está precisando de ajuda em vários pontos diferentes dentro do que um ser humano precisa”, explica Laura Fusaro Camey, usuária da rede psicossocial em Belo Horizonte. Laura também é vice-presidente da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental (Asussam) e conselheira municipal de Saúde da capital mineira.
Ameaças a partir do governo Temer
A Política Nacional de Saúde Mental e Política Nacional de Drogas já vinha sendo atacada desde 2017, quando o governo de Michel Temer (MDB) publicou resoluções e portarias suspendendo recursos utilizados para custeio de Caps, Serviços de Residência Terapêutica e ampliação do número de serviços no país.
“Houve implementação de fato dessas portarias e teve repercussões tenebrosas dentro do cenário da saúde mental do Brasil, principalmente uma falta de recursos para os serviços substitutivos, falta de ampliação desses serviços. A gente tem muito menos serviços do que se precisa”, aponta Laura Camey. Há cerca de 2,5 mil Caps no Brasil, o correspondente a 1/4 do que o país necessita.
Outro lado
O Ministério da Saúde informa que “ainda não há mudanças em discussão na Política Nacional de Saúde Mental e sim um trabalho para implementação e fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e implantação e qualificação dos serviços redefinidos na Portaria de dezembro de 2017”.
Conforme a nota encaminhada à reportagem, a pasta afirma que o objetivo é “promover uma melhor assistência em saúde mental de acordo com as necessidades das pessoas e suas condições de morbidade e/ou sofrimento psíquico em uma rede de assistência segura, eficaz e humanizada”.