Por Débora Fogliatto/Sul21
Mais de cinco anos após ser vítima de violência doméstica, Barbara Penna ainda usa uma muleta para caminhar e apresenta cicatrizes no rosto e nas mãos, sequelas da agressão que a deixou com 40% do corpo queimado. As piores marcas são as psicológicas, deixadas pelo trauma e pela morte de seus dois filhos, causadas também no ataque perpetuado pelo ex-namorado em novembro de 2013. Mas o ocorrido a tornou um símbolo e a motivou a se tornar uma defensora dos direitos das mulheres, trabalho pelo qual ela foi homenageada na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, onde recebeu o título de cidadã.
Poucos dias antes desta segunda-feira (11), quando recebeu o título, Barbara esteve internada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) após passar por uma cirurgia relacionada a sequelas da violência, mas não deixou de comparecer ao Legislativo municipal para receber a honraria, proposta pela ex-vereadora e agora deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL). Também participaram da cerimônia a vereadora Karen Santos (PSOL), atual Procuradora da Mulher da Câmara, e a deputada Sofia Cavedon (PT).
“Eu não gosto de contar a história da Barbara porque é muito triste e muito emocionante, mas é importante que as pessoas saibam que ela é uma sobrevivente. Vítima da violência doméstica, que infelizmente perdeu seus dois filhos e teve 40% do corpo queimado, mas que está aqui conosco. Não só sobreviveu, mas se tornou uma defensora integral, cotidiana, dos direitos das mulheres. Uma mulher que usa seu exemplo para lutar para que outras mulheres não passem pelo que ela passou”, resumiu Fernanda.
A deputada citou ainda a gravidade da situação das mulheres no Brasil, onde 127 já foram mortas apenas durante os primeiros meses de 2019. “127 de nós já tiveram as vidas roubadas fruto da violência doméstica e familiar. Roubadas pelo machismo, pelo patriarcado, pela ideia de que a mulher é propriedade do homem, pelos feminicídios”, acrescentou Fernanda.
O título de cidadã à Barbara foi aprovado por unanimidade pelos vereadores em julho de 2018. Ela, que é goiana, vive em Porto Alegre desde os 4 anos de idade. Foi na capital gaúcha que aos 19 anos se tornou vítima de violência doméstica por parte de seu então namorado, João Guatimozin Moojen Neto. Desde então, passou por centenas de cirurgias, procedimentos – ela tem uma prótese no fêmur -, dores, episódios de depressão e síndrome do pânico. Além de seus filhos bebês, um vizinho idoso que tentou salvar a família durante o ataque também acabou morrendo.
“A cidade de Porto Alegre votou por unanimidade esse título através de seus vereadores e vereadoras, e precisa te ter como cidadã da nossa cidade, tu é motivo de inspiração, de orgulho”, afirmou Fernanda. Ao se pronunciar brevemente na tribuna, Barbara relatou ter estado internada recentemente e disse não se sentir “digna” de receber o título, que considera grandioso.
Agradecendo aos vereadores e classificando Fernanda como uma amiga, Barbara disse sentir que é “obrigada” a ajudar outras mulheres, justamente por não ter tido ajuda quando precisava. “Sei que a partir da minha voz muitas coisas acabaram evoluindo. Vai se completar 6 anos em novembro, mas eu sei que não posso parar, não posso desistir. É um trabalho que me sinto na obrigação de fazer para ajudar, porque muita gente sabe que é errado mas não tem coragem de denunciar. Então peço de coração se tem alguém aqui que tem alguém na família, alguma amiga, que esteja passando por isso, que não fechem os olhos, que consiga salvar a vida dessa mulher”, pediu.
“É difícil carregar esse peso”
Após a homenagem, Barbara falou brevemente com o Sul21 sobre as dificuldades de ser uma sobrevivente de violência doméstica. Para ela, receber a homenagem na Câmara é um estímulo para que não desista. “Esse carinho acaba fazendo com que eu não fique parada, apesar de muitas vezes eu me sentir cansada, é difícil carregar esse peso. Depois de mais de cinco anos, ainda tenho sequelas, deficiência, marcas físicas e aquelas que são as piores, que ninguém enxerga, de quando eu estou sozinha e tudo vem à tona”, relata.
Discreta sobre a sua vida pessoal por temer perseguições, Barbara atualmente tem um novo companheiro e uma filha. Ela faz acompanhamento psicológico, além de precisar de cuidados médicos, mas concilia as suas próprias necessidades com o auxílio a outras mulheres. Barbara relata que gostaria de ter uma sede física para atender mulheres sobreviventes, mas que isso ainda não foi possível. “Mas estou fazendo tudo que eu posso, mesmo que muitas vezes me doa. Eu optei por isso, mesmo que me machuque eu prefiro ainda assim falar e ajudar a vida de outras mulheres”, garante.
Barbara lamenta que esteja havendo uma grande quantidade de casos de violência contra a mulher no país, o que ajuda a banalizar essas agressões e mortes. “Como diariamente vemos casos de mulheres que morrem, isso faz com que a sociedade se acostume e não leve tanto em consideração, pense que é ‘só mais uma’”, avalia. Inclusive, ela teme que isso acabe influenciando no julgamento de seu ex-namorado – que ainda não tem data marcada para ocorrer -, por acreditar ser possível que os jurados considerem que há outros casos mais graves ocorrendo diariamente.
Mesmo com o agressor aguardando preso pelo julgamento, ela relata que já foi ameaçada por ele e pelo seu pai, contra o qual tem uma medida protetiva. “Eu tenho que continuar me cuidando, conviver com meus traumas, minhas sequelas, com tudo que eu vejo na nossa sociedade, com a saudade, cuidar da minha segurança. Realmente a vida da mulher é destruída e a mulher acaba sendo punida sempre, o ciclo não encerra. Por isso eu tento incentivar as mulheres a sair dessas relações enquanto tem tempo”, explica.