por Bárbara Pelacani – bióloga e educadora ambiental
Mineiros morrem nos seus dias de trabalho. Carregaram nas costas anos de muita luta diária. Soterrados por sonhos e promessas. Uma vale de ouro na imaginação e uma corrente de rejeito químico invade os corpos. O destino dos trabalhadores na mineração sempre foi este: desrespeito e desumanização. Desde Serra Pelada, Mariana e Brumadinho a mineração tira vidas.
O crime da mineradora Vale no Brasil, em Brumadinho – Minas Gerais foi executado já nos primeiros dias do ano de 2019 com a Ruptura da barragem Mina do Feijão de rejeitos químicos da mineração. Em Boletim informativo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) divulgou que no 13º dia do massacre da Vale, dia 06 de fevereiro, foram encontradas 150 vítimas fatais; 134 corpos identificados; 182 pessoas sem contato/desaparecidos – entre trabalhadores e moradores de Brumadinho. O Corpo de Bombeiros afirma que as buscas serão ininterruptas e não têm previsão para acabar.
A morte do rio Paraopeba pode ser observada pela mortandade de peixes. O Rio morreu, assim como o Rio Doce. Todas as atividades relacionadas ao consumo da água, a pesca e a extração de animais e vegetais do ecossistema são suspensas devido à contaminação por metal pesado afetando a cultura, a economia e a vida de milhares de famílias.
A onda de rejeitos químicos deve chegar mais de 19 municípios atingindo especialmente grupos sociais já vulnerabilizados economicamente, populações tradicionais, indígenas e quilombolas explicitando uma situação de injustiça socioambiental. As zonas de sacrifício criadas pelo mercado ficam com os rejeitos tóxicos e o lucro internacional segue garantido independente do soterramento de comunidades inteiras.
Considerado um crime, por ser causado pelo descaso humano, e não um acidente ou desastre natural, o rompimento da barragem, de acordo com informações recentes, poderia ter sido evitado pela empresa mineradora Vale.
O estado de Minas Gerais concentra mais da metade das barragens de minérios do país com alto risco estrutural. A reincidência da Vale nos relembra a impunidade no assassinato do Rio Doce. Como a ruptura da barragem de Fundão em Mariana há mais de três anos, a Vale junto da empresa BHP Billiton, donas da Samarco. Em 2015 foram liberados 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração no território e deixou 19 mortos. Crime que chocou o mundo pela devastação social e ambiental provocada e até hoje as empresas não restituíram as suas vítimas.
Populações tratadas como resíduos de um modelo de desenvolvimento necropolítico. Sistema que invisibiliza seres vivos de diversas espécies, rejeita ciclos naturais, enterra os rios. Os crimes cometidos não atingem somente aqueles que sofrem diretamente os impactos da mineração, todas as comunidades que vivem próximas às barragens convivem com o medo diário da morte, a margem de suas próprias vidas. Uma perversa contagem regressiva para um crime que é periódico.
Ao lado dos atingidos estão movimentos que buscam junto a eles o reconhecimento dos seus direitos coletivos, como o MAB, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale. Manifestações e mobilizações são realizadas em todo país como forma de apoio.
Em Brumadinho terminou sem acordo a reunião entre integrantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragem, Defensoria Pública do Estado e a Vale. A ideia era firmar um Termo de Ajuste Preliminar (TAP) na Justiça para a empresa se comprometer com a compensação e restituição, uma ajuda humanitária de forma igual para todos os atingidos. Mas a Vale se recusou a assinar o TAP e alegou que necessita de mais tempo para analise técnica das medidas. A luta é por reparação integral coletiva
Em um país onde impunidade é lucro, quanto tempo mais a Vale necessita para repetir o descaso que impera até hoje em Mariana? Quem paga a conta dos atingidos sem água, sem energia, sem casa e sem família? Quanto Vale mais um Rio morto?
A ilusão da mineração foi enterrada e não adianta marketing que brinca com memória para esquecer crime. Serra pelada ta ali, mariana ta aqui e brumadinho grita desaparecido agora. Cidades que carregam no seu nome o peso de crimes socioambientais. E as empresas e seus investidores carregam os corpos em seus nomes? Quem carrega sangue e metal pesado em suas mãos?
Esperar que as águas e florestas lavem e limpem o dano é inocência mercadológica. Agora as políticas públicas precisam ser efetivas e eficazes.
Vidas seguem a espera de serem transformadas em rejeito. O Brasil não é o país que mais preserva o meio ambiente.
*imagens por Douglas Magno©