Algumas pessoas próximas me pediram uma síntese da situação da Venezuela. Com o jogo midiático pesado em cena, ficou difícil compreender os meandros do que realmente se passa.
Primeiro, a realpolitik. Temos que lidar com a política como ela é na realidade. Então, o fato determinante da crise venezuelana é a disposição guerreira dos Estados Unidos de se apossar da maior reserva de petróleo da Terra com cerca de 300 bilhões de barris, que está exatamente na Venezuela. Essa intenção foi dita claramente pelo próprio Trump e está no livro do ex-diretor do FBI Andrew McCabe, lançado recentemente. Quem abordar a questão da Venezuela e se recusar a olhar esse fato fundante, ou é politicamente ingênuo, ou age de má fé.
Segundo, a crise humanitária. Sim, há crise humanitária causada pelo desabastecimento de produtos básicos da população como remédios e comida. Porém, o desabastecimento não é só culpa do Maduro, ou ditador Maduro, como dizem seus adversários. É fruto particularmente do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos ao país. A questão é que a Venezuela tem uma indústria limitada e praticamente não tem agricultura familiar, aquela que produz alimentos. Então, importa até ovos e papel higiênico, tudo comprado pelo dinheiro do petróleo. Como os Estados Unidos prenderam 30 bilhões de dólares da Venezuela, o país está desabastecido. Cerca de 30% da população venezuelana está passando algum tipo de necessidade.
Terceiro, o ditador Maduro. Esse é pretexto para invadir a Venezuela. Mas, Maduro foi eleito e reeleito várias vezes pela vontade popular, ainda tem apoio de grande parte do povo e dos militares. Então, não será fácil removê-lo do poder.
Quarto, um grupo invisível dentro da Venezuela. Há um grupo de humanistas, democratas, religiosos, etc., que discordam de Maduro, mas também não aceitam a ingerência estrangeira para se apossar da Venezuela e suas riquezas. Entretanto, esse grupo representa mais uma postura ética que uma força política. Não tem grande interferência no processo em andamento, embora discorde de ambos os lados.
Quinto, o Brasil no caso. Sim, o atual presidente brasileiro apoia a política dos Estados Unidos. Porém, generais brasileiros, um pouco mais expertos, sabem que o Brasil não tem condições militares para invadir a Venezuela. Além do mais, os governos passam, uma invasão deixa cicatrizes para o resto da história. A última guerra que o Brasil fez contra um país vizinho foi em 1864 contra o Paraguai. Nesse momento a União Europeia não apoia uma intervenção militar na Venezuela, mas o vice dos Estados Unidos ameaça os militares venezuelanos para abandonarem Maduro e apoiarem Guaidó. A irritação do Vice dos Estados Unidos só prova que a situação não está conforme eles esperavam. Nem o tal grupo de Lima referendou a intenção dos Estados Unidos.
Sexto, há esse jovem deputado, formado pelas forças políticas dos Estados Unidos, chamado Juan Guaidó, que se intitulou presidente da Venezuela. Tem apoio dos Estados Unidos e outros países. Porém, quando pensou que iria entrar triunfalmente na Venezuela a pretexto de uma ajuda humanitária, não conseguiu sequer atravessar a fronteira. Não houve respaldo popular para esse golpe. Afinal, ele é apenas um deputado que os Estados Unidos nomearam presidente da Venezuela.
Particularmente, penso como Boaventura Souza Santos, isto é, só há saída dessa crise de forma democrática e com a mediação dos organismos internacionais. A via militar e da guerra só trará para a região o conflito que já se deu na Síria, isto é, Estados Unidos e União Europeia de um lado, China e Rússia do outro. Porém, os Estados Unidos perderam a guerra na Síria e agora deixaram os europeus falando sozinhos naquele país.
Finalmente, há interesses internacionais sobre toda a Amazônia. A reação ao Sínodo Pan-Amazônico mostra claramente que há ali outro projeto, do grande capital internacional, que além do petróleo venezuelano, quer também a biodiversidade, a água e todos os bens minerais que estão naquele imenso território.
Portanto, hoje a Venezuela, amanhã toda a Amazônia.