Por Muhammed Shabeer / Peoples Dispatch/Brasil de Fato
Presidente sancionou texto após vitória da luta das mulheres em referendo histórico e no parlamento do país
O presidente da Irlanda, Michael Higgins, sancionou hoje (20) o projeto de lei que legaliza e regulamenta o aborto, uma semana depois de uma votação histórica no Senado do país, que aprovou a lei por 27 a 5. Agora, o sistema de saúde irlandês passará a oferecer aborto gratuito a partir de 1º de janeiro de 2019.
O comitê do Partido Comunista da Irlanda em Dublin afirmou ao Peoples Dispatch, site parceiro do Brasil de Fato, que, ao mesmo tempo em que celebra a legalização do aborto no país, “não é o suficiente, porque ainda existem restrições”. “Apoiamos o direito de escolha das mulheres e o direito à autonomia sobre o próprio corpo. Deve haver aborto legal, gratuito e seguro disponível para todas as mulheres da Irlanda como direito, sem restrições”.
O projeto 105/2018 tramitou no parlamento em dezembro e propôs a criação de uma lei para estabelecer e regulamentar a interrupção da gestação até a 12ª semana de gestação, prevendo medidas para rever opiniões médicas a respeito da gravidez quando solicitado pela mulher ou por alguém que a represente, além de exigir a disponibilidade de serviços para as mulheres interromperem a gravidez sem nenhum custo.
A nova legislação também garantirá o direito quando houver risco à vida ou à saúde da mulher, em caso de emergência ou em situações que podem levar à morte do feto em até 28 dias após o nascimento.
A proposta do governo irlandês se seguiu à aprovação da 36ª emenda peloreferendo de 25 de maio de 2018, revogando a 8ª emenda constitucional, que proibia o aborto. Pela lei que vigorava até então, a interrupção da gestação só era permitida em caso de risco “real ou substancial” à vida da mulher.
A luta das mulheres do país pelo direito ao aborto legal e seguro já acontece há décadas, desde a proibição constitucional ao procedimento há mais de 150. Embora com algumas mudanças ao longo do tempo, a criminalização se manteve intacta nesse período. Em 2017, uma Assembleia Cidadã foi criada pelo governo, recomendando o acesso irrestrito ao aborto no início da gestação e convocando um referendo sobre o tema.
O ministro da Saúde irlandês, Simon Harris, considerou a aprovação da lei nas duas casas do parlamento “um momento histórico”.
A vitória para os direitos das mulheres foi celebrada também por grupos militantes da Irlanda. “A legislação é um passo na direção certa. É irônico que isso ocorra 100 anos depois da conquista do direito ao voto pelas mulheres. Temos um longo caminho pela frente até conquistarmos direitos iguais em todos os aspectos”, declarou o Partido Comunista da Irlanda.
Ao mesmo tempo, surgem também preocupações com relação à implantação de fato da lei. Embora o governo tenha garantido que o atendimento passará a ser oferecido em janeiro, hospitais importantes já alertaram que o cronograma está apertado demais.
Histórico
O aborto foi proibido na Irlanda em 1861. Em 1983, a 8ª emenda constitucional foi aprovada em referendo, reconhecendo o direito à vida do feto. Em 2010, o caso foi levado ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que entendeu que o Estado não esclarecia a disponibilidade legal do aborto quando há risco para a vida da mulher.
A campanha pela legalização ganhou força depois que a indiana Savita Halappanavar morreu em um hospital na cidade de Galway após sofrer um aborto espontâneo. A comoção com o caso levou cerca de 2 mil pessoas a protestarem em frente ao parlamento irlandês, em Dublin, exigindo uma reforma urgente na legislação do país.
Em 2016, a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas apontou que criminalização do aborto na Irlanda sujeitava as mulheres grávidas à discriminação e a um tratamento degradante, desumano e cruel.
Em maio deste ano, graças a uma imensa campanha e ao trabalho de base de mulheres de todo o país, 66% da população irlandesa votou em referendo histórico pela revogação da 8ª emenda constitucional.
A vitória abriu caminho para a proposta do novo projeto de lei sancionado hoje pelo presidente irlandês, depois de ser aprovado também na câmara baixa no início de dezembro por 90 a 15 votos e 12 abstenções.