Chegada a final da maior competição continental de clubes, disputada entre dois times que protagonizam uma das rivalidades mais assíduas do futebol mundial, Boca Juniors e River Plate, a Taça Libertadores da América viveu, mais uma vez, um clima de caos e desorganização. Após um empate na primeira partida disputada em La Bombonera, o segundo jogo marcava um clima de tensão entre os dois rivais pela disputa do título do maior torneio sul-americano, clima esse que ultrapassou os limites da paixão futebolística e transformou-se em um ataque a pedras dos torcedores do River ao ônibus da equipe rival, que se dirigia ao estádio Monumental de Nuñez. O ataque não causou apenas danos ao veículo, como também feriu alguns jogadores que nele estavam. O motorista chegou a desmaiar ao ser atingido, e o vice-presidente do clube, Horacio Paolini, teve de assumir o controle do veículo para evitar que a situação piorasse.
Após o incidente, os jogadores do Boca Juniors afirmaram não ter mais condições de atuar naquela tarde, fazendo com que o jogo fosse adiado após horas de indefinição. Os torcedores do River Plate protestaram contra o presidente argentino Maurício Macri antes de deixarem as arquibancadas. A população argentina, em meio a uma das maiores crises que o país já viveu, busca no futebol uma distração. Um povo apaixonado, que ultrapassou os limites do bom-senso e demonstraram através de um show de horrores, na véspera de um dos maiores confrontos que o futebol Sul-Americano já viu, como a instabilidade política afeta também o esporte mais popular do país. É verdade que o histórico dos torcedores argentinos guarda em seu currículo alguns episódios de violência, mas isso não apaga as lindas festas que sempre fizeram. Mas é inegável que o caos assolou todas as instituições do país.
Esse não é o primeiro caso de uma crise política econômica que afeta o ambiente futebolístico. A Grécia, que vive uma crise econômica desestabilizadora há alguns anos, hoje vê seu futebol local em decadência constante, sem previsão de superação. As dívidas dos clubes aumentaram, e a violência no futebol do país vem crescendo a cada ano. O episódio mais recente que demonstra o limbo em que se encontra o futebol grego, foi a invasão de gramado pelo presidente do PAOK, um dos clubes mais tradicionais do país, com uma arma na cintura.
No Brasil, o momento político pode ser sentido também nas arquibancadas. Em 16 de Setembro de 2018, ainda nas vésperas das eleições presidenciais, parte da torcida do Atlético MG que esteve no estádio Mineirão cantou: “Cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar veado”. Tal cântico é apenas um dos reflexos causados pelos discursos preconceituosos feitos pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro. Semana passada ele foi convidado pelo atual campeão brasileiro, o Palmeiras, a participar da festa de entrega da taça do título. Um clube com uma história rica, time de italianos que imigraram ao Brasil, convidando um presidente que aplica em seu discurso palavras ofensivas à muitos imigrantes que vivem no país. O ambiente futebolístico é extremamente preconceituoso, isso desde o início de sua existência, e mesmo após mais de um século desde sua criação, permanece retrógrado. Apesar de ser usado como método de inclusão social, o futebol ainda guarda um clima de muita homofobia dentro e fora dos estádios, com muitas provocações aos rivais fazendo alusão à sexualidade alheia. O preconceito está enraizado e será muito difícil cortá-lo de forma definitiva. Um presidente que legitima um discurso opressivo às minorias, só tende a causar cada vez mais discordância entre os que lutam contra o preconceito e aqueles que o espalham.
Mas para quem pensa que o futebol não traz esperança, engana-se. Na Inglaterra por exemplo, vivia-se uma série de ataques e terror às diferenças no país. Após alguns episódios de intolerância, em que 11 fiéis muçulmanos foram atropelados próximos a uma mesquita em Londres, por um homem de 48 anos em uma van, e seguidamente o grupo extremista Estado Islâmico reivindicar um atentado a bomba no metrô da capital inglesa, os ânimos estavam a flor da pele. Eis que surge Mohamed Salah. O egípcio foi contratado junto ao clube inglês Liverpool, no início da temporada de 2017/2018. Em campo, o jogador foi um sucesso, sendo eleito melhor jogador da Premier League, a liga inglesa, naquela temporada. Ao fazer seus gols, Salah demonstra seu amor ao islamismo, ajoelha, agacha e reza em direção à Meca, cidade sagrada para os Muçulmanos. A torcida dos Reds (como são chamados os torcedores do clube inglês) empolgou-se de tal maneira que criou uma música em homenagem ao jogador. Inspirada na canção “Good Enough”, do intérprete londrino Dodgy, o cântico faz um ode à religião muçulmana. “Se ele é bom o bastante para você, ele é bom o bastante para mim. Se ele marcar mais alguns (gols), serei muçulmano também. Ele está sentado na mesquita, é lá que eu quero estar.”. Tal atitude, por mais simples que possa parecer, tem gerado uma onda de tolerância muito maior no país britânico, fazendo com que as pessoas entendam que os muçulmanos são seres humanos que tem apenas uma cultura diferente.
O conservadorismo voltou a crescer no mundo, e o futebol, ferramenta de extremo potencial de luta contra o preconceito, volta a acompanhar essa triste decadência. As torcidas vibram, apoiam, cantam e pulam, mas uma parte delas permanece fazendo gol contra. Que busquemos virar esse jogo.
P. Prado