Por Débora Nunes
Diante do resultado das eleições do Brasil tem-se feito análises profundas, pertinentes e importantes para nossa história política e para nosso futuro. Mas a pergunta “por que a racionalidade saiu de campo e não nos defendeu do pior?” continua martelando sem uma resposta clara. Analisar a influência do campo sutil pode ajudar a ver como chegamos até aqui no Brasil e sobre o que nos aguarda, pois muito do que aconteceu não está no campo da racionalidade vigente. O paradigma holístico-sistêmico-ecológico traz o reconhecimento da dimensão imaterial do mundo como novo campo de conhecimento. Quando a dimensão material foi dissecada com competência pelo paradigma cartesiano e pelo materialismo histórico e dialético, que é parte dele, e mesmo assim restam tantas perguntas, é hora de ir além.
A racionalidade atual é baseada na capacidade de compreender a lógica dos eventos com números, comparações, relações hierárquicas entre conceitos e entre dados e com a noção da necessária “prova material”. Ela não está sendo suficiente para compreender a realidade porque esta é composta também pelos fenômenos sutis, cuja compreensão necessita de outra ordem de racionalidade. Uma forma de interpretação desses fenômenos é trazida pela noção “campos morfogenéticos”, propostos por Rupert Sheldrake, um biólogo inglês, que os concebe como um campo universal formado por ações, pensamentos e sentimentos ao longo da História individual e coletiva. Para entender esse campo é necessário trazer à mente o fenômeno do “entrelaçamento quântico” no qual elétrons, fótons e mesmo moléculas mantêm-se interligados independente do espaço-tempo e comportam-se de maneira relacionada. Outra noção importante do novo paradigma é a compreensão sobre o fenômeno do “salto quântico”, ou seja mudanças de estado descontínuas e inesperadas, quando as condições são dadas. Essas e outras noções da visão de mundo quântico-holística ajudarão a que nossas observações, deduções e generalizações sobre a realidade sejam mais completas e assim, mais competentes.
O modelo explicativo das “constelações familiares” será usado para compreender o que aconteceu no Brasil nessas eleições e, embora existam muitas outras possibilidades de abordagem do campo sutil, esta parece particularmente fecunda para inspirar a necessária ação no campo energético. Essa ação, de conteúdo novo, será apresentada mais adiante e complementa à ação política humanista, ecológica e emancipadora que já se conhece bem, o tal “ativismo” que a extrema direita quer extinguir e não conseguirá nunca. O ativismo se traduz em educação popular de muitos tipos, que estimula o pensamento crítico, em organização cidadã em movimentos, sindicatos, ONGs e partidos, em articulação entre diferentes grupos em uma grande rede progressista, em ações concretas da sociedade civil no campo da justiça social, da ecologia e no rico universo da economia solidária, das ecovilas etc. Ações no ambiente parlamentar, as manifestações de rua e aquelas feitas nas redes sociais etc são outro tipo de ativismo. A combinação dessas ações com aquelas que atingem a dimensão sutil será vital para tirar o Brasil da situação em que se encontra.
Bert Hellinger, o criador do método das constelações familiares, defende que o comportamento humano está relacionado com a existência de algo que seria como uma “alma universal”, ou um campo morfogenético, que se alimenta de nossas histórias e que se ativa quando suficientemente repetido para se “fixar”. Ele propõe que nossas emoções e nossos conflitos têm relação com lealdades ancestrais e também que emoções negativas antigas, não curadas, podem ser novamente vividas por pessoas em uma família, em um grupo, em uma nação. Hellinger viveu na África do Sul e aprendeu muito com xamãs sobre como lidar com os ancestrais e com a teia de relações que nos une para além do espaço-tempo. Em seu método, ele desenvolveu o insight original da Virginia Satir, que organizava grupos de cura onde pessoas estranhas interpretavam personagens do drama vivido por alguém e elas se sentiam como as pessoas interpretadas, imitando até gestos ou repetindo palavras comuns do seu vocabulário.
Nas sessões de constelações familiares, as pessoas do grupo de cura acessam a “alma universal” ou o “arquivo akáshico”, em que tudo está “escrito” e que, portanto, permitiria que uma pessoa pudesse sentir o que a outra sente ao conectar-se com ela. Por sua vez, as pessoas interpretadas, como se estivessem quanticamente entrelaçadas com quem as interpreta, sentem os efeitos da sessão de cura. Elas podem passar a sentir-se de outra forma, mesmo sem saberem do trabalho do grupo, percebendo-se, por exemplo, como tendo sido escutadas, compreendidas e perdoadas, etc, quando o conflito é adequadamente interpretado. Esse método é amplamente utilizado no Brasil e no mundo, com grande sucesso psicoterapêutico e serve para a cura, inclusive, de conflitos ancestrais que se manifestam na vida das pessoas hoje.
Mas o que as relações sutis entre os humanos têm a ver com as eleições no Brasil? A história brasileira é permeada de memórias dolorosas de opressão a milhões de nossos ancestrais índios, escravos, quilombolas, mas também às mulheres, aos pobres, aos gays, etc. À iníqua desigualdade de nossa sociedade, ao racismo e ao preconceito, juntam-se os crimes das ditaduras que já vivemos, às torturas, mortes e desaparecimentos não adequadamente esclarecidos e punidos. Tudo isso junto com as dores de hoje, de jovens pretos das periferias, de prisioneiros, de humilhados em todos os horizontes . Esse imenso sofrimento e raiva reprimidos, ao não serem expressos para poderem ser superados, criaram um “campo” que até hoje não pôde se manifestar num sentido de cura e redenção.
Tudo isto está entalado na garganta do Brasil. É visível que nossa cultura está impregnada desse passado, mas nossas “almas” também estão, e essas dores fervilham em nós inconscientemente, conduzindo a comportamentos de compaixão ou de ódio. Sem ajuda de um trabalho de cura, de perdão, essas energias estarão sempre latentes, prontas a fazer um “salto quântico” quando ativadas por situações externas detonantes.
Então, o que acredito que aconteceu no Brasil, além de tudo que já foi objetivamente dito em análises bastante apuradas, realistas e pertinentes, foi completado por um intenso movimento no campo sutil. Por razões que têm a ver com o que muitos chamam de mudança de era que vivemos atualmente (início da era de Aquarius, fim da Kali-yuga, fim do mundo do calendário maya, ativação coletiva do chacra do coração, etc), temos um grande movimento de luz e sombra no campo sutil. Algumas pessoas acessam mais o campo de luz, outras mais o campo de sombra, e isso está vinculado ao alinhamento do corpo, mente e coração e consequente sentimento de apreciação por si mesmo.a. Essa apreciação acontece quando estamos mais alinhados com o que o “propósito maior” quer para nós: a alegria de exercermos nossos talentos em prol da amorosidade uns com os outros, de nós mesmos e da evolução de todo.a.s.
Vamos ao movimento das energias negativas: toda essa herança no campo morfogenético brasileiro foi ativada nessas eleições pela intensa manipulação do ódio pelas redes sociais nas pessoas mais suscetíveis. Como se sabe, essas pessoas foram identificadas facilmente, através de suas postagens nas redes sociais, pelos algoritmos de inteligência artificial. A reação de ódio destas pessoas não podia ser combatida pelos nossos argumentos racionais, pelos dados e palavras coerentes que dizíamos, pois as pessoas estavam embotadas pelo campo sutil negativo. Por outro lado, o maravilhoso movimento feminino — Yin – que representa uma ação luminosa de cura, de equilíbrio das energias cósmicas Yin e Yang, também “assustou” e ativou o campo da dominação do Yang descompensado – masculino – que ainda domina o mundo. Diante do medo, o desejo de domínio sobre a escolha libertária do.a.s outro.a.s, junto com o desejo de proteção na busca de um “salvador da pátria”, abriu as portas para a extrema direita. Em outros termos, o cérebro reptiliano e límbico aciona o ódio e a racionalidade do neocórtex não funciona, e por isso os argumentos só adiantaram nas trocas com pessoas mais conectadas consigo mesmas, com seus corações, que responderam afirmativamente ao se afastar do ódio, que é a face mais visível das energias negativas.
O movimento “obscuro” se dava no campo sutil das pessoas mais fragilizadas, mas esses fenômenos também acontecem positivamente e isso também se deu no Brasil. Estimulados por ações generosas, por sentimentos e pensamentos amorosos na nossa história ancestral e pelo alinhamento espiritual de cada um.a de nós, o movimento da nova era que se baseia na horizontalidade e amorosidade dos coletivos se ativou. Em nossas conversas respeitosas com familiares, nas meditações e orações pela vitória de Haddad, nas práticas de perdão Hoponopono, no reconhecimento mútuo de valores humanistas e ecológicos partilhados, um movimento vertiginoso de energias positivas encheu as ruas para evitar o retrocesso. Sem que houvesse uma direção material objetiva (mas com direção amorosa no campo sutil, provavelmente) e em contato com o sentimento de responsabilidade de cada um.a com o destino de todo.a.s – a teia da vida quântica – nós fomos a campo aos milhões e o fenômeno vira-voto aconteceu.
Não deu tempo, mas as possibilidades de renovação da política por esses novos coletivos cidadãos continuam em nossas mãos. Saber usá-las será fundamental pra que os tempos difíceis que já estão aí sejam superados mais rapidamente.
É importante acrescentar outro elemento pra explorações futuras, outro dado no campo sutil que está agindo no mundo todo e que se relaciona com a ideia mais conhecida de inconsciente coletivo, de Gustav Jung. Trata-se de um tipo de conhecimento sutil que independe da cultura local, que chega como o ar, sem fronteiras, e ajuda a interpretar o mundo a partir do que Jung chamou de “arquétipos”. Entre esses arquétipos estão as ideias de que o céu está no alto e é luminoso e que o inferno está abaixo e é treva ou que a vida veio da lama (ou do barro, na acepção cristã), comuns na maioria das culturas. É provável que um novo arquétipo esteja se construindo nesse momento, relacionado ao colapso da civilização atual em termos ambientais, financeiros, políticos, na crise sistêmica que se vive hoje e que está se agravando. As pessoas estão cada vez mais informadas, mas negam a possibilidade de colapso sistêmico, não falam sobre o assunto e fazem de conta que nada está acontecendo. Mas o inconsciente coletivo está informado e se abre para um medo primordial e um desejo de sobrevivência. O medo sempre leva ao desejo de proteção e domínio e assim, tudo o que se falou antes sobre o Brasil se reforça e tem dimensão planetária.
A saída para a manipulação das mentes e das energias sutis pelas forças da extrema direita que manipulam o medo e o ódio já se esboçou no Brasil. A cidadania engajada do planeta inteiro está atenta, sabendo que cada país está ameaçado pelas mesmas armas que foram usadas nos Estados Unidos de Trump, no Brexit da Inglaterra e em outras partes. Muitos percebem que nossa virada eleitoral incompleta mostra o caminho a seguir. Reforçamos as forças democráticas com nossa clareza acerca do perigo iminente para a democracia, com nossa alegre união nas ruas e com o sentimento de responsabilidade individual com o destino de todos que tomou conta do Brasil. Nosso esforço vira-voto de diálogo e amorosidade foi um exemplo pro mundo.
Além disso tudo, algo novo aconteceu: nunca numa eleição brasileira houve tanta ação no campo sutil. Nunca se viu tantas meditações individuais e coletivas, tantas emanações de luz em direção ao nosso povo e ao nosso território feitas por gente do mundo inteiro. Nunca se viu tantas visualizações ativas da realidade a ser co-criada no campo sutil para se manifestar no campo material, como a imagem do candidato com a faixa presidencial ou da festa de sua posse. Haddad foi um digno representante de energias positivas que sempre se manifestam de forma cordial, serena e alegre. Movidos ele e nós pela coragem de sermos responsáveis pelo nosso destino, pela convicção de que só o amor pode vencer o ódio, fizemos o que foi possível no mundo material e no mundo sutil. O reconhecimento crescente da existência desse aspecto da realidade redobrará nossas forças humanistas, ecológicas e libertárias rumo a uma forma complementar de fazer política. Hare Om Tat Sat. O manifesto e o não manifesto fazem parte da realidade. Namastê.