Por Luciana Console
Desde a redemocratização, Brasil nunca elegeu tantos políticos ligados a carreira militar como no pleito de outubro
Exatos 30 anos após a promulgação da Constituição de 1988, que marcou o processo de superação da ditadura, candidatos ligados à carreira militar voltam a ocupar cargos eletivos por todo o país. Dos 1.636 candidatos, no pleito de 2018, 104 foram eleitos. O índice de sucesso foi de 6% – 4,3 pontos percentuais a mais que nas eleições de 2014.
A representação máxima dessa tendência é a figura do próximo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), capitão reformado do Exército, e seu vice, general Hamilton Mourão. A chapa ficou marcada por uma campanha eleitoral com discursos de ódio contra minorias e forte apelo ao autoritarismo.
Além da Presidência, o governo do estado de Rondônia elegeu o policial reformado Marcos Rocha. Em Santa Catarina, foi eleito o bombeiro militar Comandante Moisés. Já no Rio de Janeiro, quem venceu as eleições para o governo do estado foi o fuzileiro naval reformado, Wilson Witzel. No Senado, a figura de Major Olímpio ganhou por São Paulo.
Desde a época da ditadura, o Congresso não tem seus cargos ocupados por tantos militares em uma eleição: foram eleitos 79. Os dados são de um levantamento da EBC, que também aponta aumento de mais de dez vezes em relação à eleição de 2014.
Para compreender esse fenômeno, conversamos com o sociólogo especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, Robson Sávio Reis de Souza. Ele analisa que as propostas punitivistas, repressivas e violentas, que foram as principais bandeiras dos candidatos militares, aparecem como resposta a certo anseio de “ordem” por parte da população.
“Nós somos uma cultura que naturaliza, aceita e glamouriza a violência como solução para combater a própria violência. Com mais repressão, mais encarceramento, com leis mais duras. Isso se refletiu muito claramente nessas últimas eleições. Foi justamente a bancada militar, e principalmente do grupo mais conservador, que teve o maior êxito”.
A intervenção das Forças Armadas nas comunidades do Rio de Janeiro é um exemplo recente de protagonismo militar na Segurança Pública – e deu errado. Iniciada em fevereiro de 2018, com R$ 1,2 bilhão de orçamento federal do governo Michel Temer (MDB), a operação aumentou a violência nos morros, em vez de ajudar a combatê-la.
O resultado desastroso confirma a hipótese de Souza: utilizar a repressão como principal forma de tratar a violência é um equívoco. O especialista explica que pensar em Segurança Pública é pensar em políticas que combatam os crimes estipulados nos Códigos Penais, mas, principalmente, a violência estrutural da sociedade.
“No Estado brasileiro, nós temos uma lógica muito perversa, e isso é um pouco herança do modelo ditatorial, de trabalhar somente a questão ou de investir muito na repressão policial”. “Por isso que nós, muitas vezes, não conseguimos avançar nas questões daquela violência que se dá nas estatísticas criminais, porque a violência geradora dos crimes, que é essa violência da exclusão, do racismo, da xenofobia, do preconceito, do autoritarismo, misoginia, da LGBTfobia, não é combatida”, analisa.
Souza critica a falta de reforma policial, da Justiça Criminal e do Sistema Prisional após o fim da ditadura militar, como causas do não enfrentamento da “origem das violências”. Segundo Souza, estes três sistemas ainda operam em lógica seletiva de encarceramento e punição, e são a resposta “fácil” desejada pela classe média conservadora, que se sente protegida por este modelo de Segurança Pública.
“É uma Segurança Pública que protege o patrimônio dos ricos e dos poderosos, em detrimento de garantir uma segurança isonômica para toda a população”, completa.
Para uma política de Segurança Pública de qualidade, Souza finaliza lembrando que é preciso investir nas políticas de prevenção à violência e criminalidade, com atividades policiais voltadas para a investigação e não somente o combate ao crime. Não é na experiência militar, segundo ele, que se encontrarão as soluções para resolver a violência no Brasil.
Nos cargos não-eletivos, os militares também assumem cada vez mais preponderância. Há um mês, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) nomeou o general da reserva Fernando de Azevedo e Silva como assessor, por sugestão do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. É a primeira vez que ocorre uma nomeação desta natureza dentro da Suprema Corte desde a ditadura.