Por Fabíola Hauch

Na quinta-feira, 30 de agosto, o resultado da escolha foi anunciado. Apesar da campanha mais popular já feita na Academia, Conceição recebeu apenas um voto. O eleito foi o cineasta Cacá Diegues, que recebeu 22. O segundo colocado, Pedro Corrêa do Lago, teve 11.

Fundada em 20 de julho de 1897 com sede no Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Letras (ABL) foi criada com objetivo de cultivar a língua e a literatura nacionais. O precursor da instituição foi o maior nome da literatura brasileira: Machado de Assis. Mesmo com um fundador negro, a ABL ainda carrega uma dívida histórica: desde sua fundação, em 121 anos de existência, nunca uma mulher negra foi eleita como imortal para ocupar uma de suas 40 cadeiras.

O cenário tem chance de mudar em 2018. Graças à candidatura da escritora Conceição Evaristo, 71 anos, apresentada à ABL em maio.

Na carta entregue à Academia, como cita o Literafro – Portal da Literatura Afro-brasileira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Conceição Evaristo “assinala o seu desejo e sua disposição de diálogo” e diz que “espera por essa oportunidade”.

Ainda em maio, em entrevista ao site Sul21, ela explicou porque decidiu apresentar candidatura:

“Para mim, foi uma surpresa, apesar de que algumas pessoas sempre falaram que meu próximo passo seria entrar na Academia Brasileira de Letras. Mas, como foi uma coisa muito dita entre nós, eu tomava como brincadeira e nunca tinha pensado nessa possibilidade. Há uns 10 dias, uma repórter me liga perguntando sobre isso e dizendo que, nas redes sociais, estavam citando que eu poderia ser uma das prováveis acadêmicas e eu comecei a me entusiasmar com a história. Comecei a pensar mesmo que é um direito nosso. Se a academia brasileira é um lugar, uma instituição de representação de uma nacionalidade literária, então, estou com vontade de me candidatar mesmo e vamos ver.”

Antes mesmo da apresentação oficial à Academia, uma petição online criada em apoio à candidatura da autora já contava com milhares de assinaturas. Se eleita, Conceição ocupará a cadeira número 7, que ficou vaga após a morte do cineasta Nelson Pereira dos Santos (1928-2018). Atualmente há quatro petições em campanha por ela: duas no Change.org, uma do Diálogos Insubmissos e outra do Movimento Nós. Juntas, elas somavam cerca de 40 mil apoios até o dia 6 de agosto.

Além das assinaturas, a hashtag #ConceiçãoEvaristoNaABL foi criada nas redes sociais, incentivada por organizações da sociedade civil como o Observatório de Favelas, Blogueiras Negras, entre outros.

Embora a votação seja fechada para membros da Academia, as campanhas por Conceição lançaram luz à falta de visibilidade para produções de mulheres e da população negra, em geral, na literatura brasileira.

Por que Conceição Evaristo?

Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1946. Viveu a infância e parte da juventude na extinta favela do Pindura Saia, na capital mineira, sexta cidade mais populosa do Brasil. Durante anos, teve que conciliar os estudos com o trabalho de empregada doméstica. Quando se mudou para o Rio de Janeiro, nos anos 1970, começou a estudar Letras e foi aprovada num concurso público para ser professora. Logo, se tornou também mestre e doutora na área.

Nos anos 1990, Conceição estreou na literatura publicando textos na série Cadernos Negros, do Grupo Quilombhoje. Anos depois, publicou o elogiado romance Ponciá Venâncio e, em seguida, a coletânea de contos, reconhecida como sua obra-prima,Olhos D’Água. Todas histórias seguindo o conceito que virou sua marca: a “escrevivência”, união da escrita com suas vivências.

Conceição Evaristo no Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha 2013. Foto: Cultura de red

O jornal de crítica literária O Rascunho, definiu suas obras dizendo que:

“as personagens que figuram em cada narrativa pertencem ao universo dos excluídos de nossa sociedade, isto é, são crianças de rua, prostitutas, mulheres pobres e humilhadas, homens que roubam, matam e são capazes de amar. Se a condição social por si só comprova que são pessoas discriminadas, mais ainda o são por serem afrodescendentes.”

Nascida longe de um ambiente de livros, o encontro dela com as palavras se deu através da literatura oral e da própria vida, como escreve a revista Carta Capital:

“Unindo simplicidade e refinamento literário, sua literatura aborda temas como a discriminação racial, de gênero e de classe, e suas obras dão voz às mulheres negras da periferia e as suas lutas, suas dores, suas afetividades, suas cores, suas inteligências.”

Representatividade

Conceição, candidata a uma Academia que nunca teve mulheres como ela, representa os 54,9% da população brasileira que se identifica como negra e parda, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E que, mesmo assim, sempre foi sub-representada na literatura e na História nacional.

Um levantamento feito pela jornalista Giovana Romano Sanchez, no site Gênero e Número, sobre representação de personagens em livros de História do Brasil, mostra que:

“De todos os personagens com raça definida, 83,7% são brancos e 13% são negros – indígenas e asiáticos são pouco mais de 1% cada. Dentre os homens, 84,7% são brancos, 12,3% são negros e asiáticos e indígenas são pouco mais de 1% cada. Entre as mulheres com raça ou etnia definida, 72,3% são brancas, 21,3% são negras e 4,3% são asiáticas. Apenas uma mulher indígena é nomeada em quase 900 páginas – 2,1%.”

Em um texto publicado no jornal Brasil de Fato, a poetisa e gestora cultura Débora Garcia defende que a mobilização espontânea pela candidatura de Conceição reflete um anseio “por representatividade social, étnica e de gênero” no espaço da Academia e a coloca em perspectiva:

“Em 121 anos de existência a ABL, que em sua primeira formação trazia indivíduos fortemente ligados à luta abolicionista, ao longo do tempo foi se distanciando das demandas sociais, tornando-se um reduto fechado de escribas da “literatura universal”.

O resultado desse distanciamento se reflete na pouca identificação da população brasileira com a instituição, bem como, na pouca diversidade na composição de suas cadeiras, configurando-se em uma instituição branca e masculina. Ao longo da história, somente oito mulheres ocuparam as cadeiras, nenhuma negra.

(…)

O apoio à candidatura de Conceição Evaristo vai muito além dos quesitos gênero e cor. Se o fosse, enquanto escritora e leitora, não poderia apoiar. Fala alto a qualidade técnica, uma carreira sólida, premiada e reconhecida internacionalmente, mas que não perdeu o compromisso, a simplicidade e a capacidade de dialogar com aqueles para quem escreve. Assim, a simplicidade e o refinamento literário são, a meu ver, as principais características de sua obra.”

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