Por Shirley Campbell Barr
“Antes, o tema das empregadas domésticas se discutia entre empregadores em reuniões sociais, agora se fala no Ministério do Trabalho, na Corte Constitucional, no Congresso da República e nos meios de comunicação […] Os temas relacionados às empregadas domésticas eram sobre nosso caráter, nossa raça e o quão ágeis éramos para cozinhar […] Hoje, o tema principal são nossos direitos trabalhistas”.
Assim María Roa Borja resume alguns dos êxitos alcançados pela União de Trabalhadoras Afro-colombianas do Serviço Doméstico (Utrasd), fundada em 2013 e com pouco mais de 150 mulheres em serviço ativo. O objetivo geral da Utrasd é defender os direitos de quase um milhão de mulheres que trabalham como empregadas domésticas e que, em boa parte, vêm das classes sociais mais vulneráveis da sociedade colombiana.
Roa Borja, fundadora e atual presidente, afirma que a luta das empregadas domésticas colombianas não é apenas no âmbito trabalhista, mas também se estende à luta de gênero e da afrodescendência colombiana.
A organização começou seu trabalho em Medellín com 28 mulheres que se concentraram nos direitos das empregadas domésticas afrodescendentes. Este objetivo se deveu às condições sociais e históricas com as quais as mulheres desse grupo enfrentam, geralmente discriminadas por causa do gênero e da raça.
A localização da Utrasd na cidade de Medellín também é importante. Sendo próxima a El Chocó, uma das regiões com maior densidade populacional afrodescendente na Colômbia, Medellín recebe um importante fluxo migratório de pessoas desalojadas pelo conflito armado colombiano, que tem afetado quase 7 milhões de pessoas durante o período de 50 anos.
Atualmente, a adesão e as causas defendidas pela Utrasd abrangem as mulheres de diversos grupos étnicos sem nenhuma exclusão.
Em um artigo publicado no site El Malpensante, María Roa relata algumas das dificuldades enfrentadas pelas empregadas domésticas de seu país, que foi o ponto de partida de seu trabalho:
“Dos quase 53 milhões de trabalhadores domésticos que existem no mundo, cerca de um milhão estão na Colômbia. Vivemos nos cordões da pobreza, a maioria vítimas de conflito armado, a maioria desconhece nossos direitos, e a esfera em que esse trabalho ocorre só traz obstáculos ao acesso à justiça. Muitos empregadores dizem desconhecer a lei ou camuflam seu cumprimento com o pretexto de compensar as empregadas com afeição e bom tratamento”.
Uma voz para as mulheres trabalhadoras afrodescendentes
A missão de Roa Borja está aumentando e sua mensagem está sendo reconhecida dentro e fora da Colômbia em entrevistas, conferências e premiações. Em 2015, participou de um painel na conferência “Mulheres e Trabalho para a Construção da Paz” na Universidade de Harvard. No final desse mesmo ano, foi reconhecida como parte das 20 Melhores Líderes da Colômbia e como Personalidade do Ano pelo jornal El Espectador.
Mas Roa Borja também faz parte daqueles que foram deslocados pelo conflito. Chegou a Medellín aos 18 anos vinda de Apartadó, no município de Antioquia, uma região fortemente afetada pelas décadas de guerra que têm dominado a história recente da Colômbia.
A ida a Medellín ocorreu logo depois que sua irmã foi assassinada e um de seus irmãos foi vítima de um atentado. Com uma formação acadêmica escassa e a urgente necessidade de ganhar dinheiro, o trabalho disponível a ela para sobreviver em Medellín era o de empregada doméstica.
Durante os anos em que exerceu este ofício, viveu e foi testemunha dos abusos, dos maus-tratos e das precárias condições de trabalho enfrentadas por suas companheiras. A maioria delas eram também afro-colombianas deslocadas pela guerra e tinham que trabalhar 16 horas em pé sem receber sequer um salário mínimo.
“Você é negra, não vai doer”
O trabalho doméstico traz consigo uma série de abusos por parte dos patrões, e as mulheres afrodescendentes são as mais afetadas. Estas mulheres com frequência veem seus direitos serem ignorados e sofrem muitas discriminações, não somente por se dedicarem a um ofício historicamente estigmatizado, mas também por sua condição de gênero e origem social e étnica.
Estudos da Corporação Carabantú e da ENS (Escola Nacional Sindical) revelaram que a maior parte das 182 empregadas domésticas negras em Medellín recebem mensalmente menos de um salário mínimo (até o momento da pesquisa, 737.717 pesos – o equivalente a aproximadamente 260 dólares americanos). Os 85,7% dos contratos são verbais e as empregadas desconhecem seus direitos, sendo que os patrões se aproveitam disso para limitá-los ainda mais.
Em uma entrevista feita pelo site Afroféminas, Roa Borja ilustra parte deste problema:
“Os empregadores dizem “Você é negra, não vai doer. Você é negra, não vai se cansar”. Claro, nós demonstrávamos que sabíamos fazer nosso trabalho, apesar de estarmos trabalhando muitas horas. Era normal levantar às 4h da manhã e deitar às 22h, 23h ou meia-noite, para começar cedo novamente. Isso significava que podíamos chegar a dormir três ou quatro horas quando havia eventos como festas, casamentos ou aniversários. Víamos nossos filhos apenas no fim de semana, mas não chegávamos a tê-lo completo. Saíamos no sábado à tarde, chegávamos em nossas casas à noite e no domingo ao meio-dia tínhamos que voltar ao trabalho”.
Primeiras vitórias
Desde sua criação no ano de 2013, e com a liderança de Roa Borja, a Utrasd tem trabalhado arduamente pela regulação do trabalho doméstico na Colômbia. Como resultado, em 2016, ocorreu a aprovação da lei 1788, ou a “lei do bônus”, como é conhecida.
Esta lei estabelece um benefício social pago pelo empregador que corresponde ao pagamento de 30 dias de serviço por ano ou proporcionalmente ao tempo trabalhado, e que se dá diretamente ao trabalhador. A lei contempla também outras prestações como auxílio transporte, seguro-desemprego, férias, fundo de compensação, contribuições para a saúde, pensão e riscos de trabalho.
O sindicato continua a crescer e buscar a afiliação de mais e mais mulheres com a intenção de educá-las sobre seus direitos. Com o sindicato, María Roa Borja e suas companheiras trabalham para divulgar as informações e também empoderar cada vez mais as trabalhadoras domésticas para que possam exigir um tratamento mais humano e mais digno.