Por: Elisa Campanario e Laura Simões

“Era o Hotel Cambridge” é fruto de uma criação coletiva. Foi realizado através da cooperação entre a Frente de Luta por Moradia (FLM), o Grupo Refugiados e Imigrantes Sem Teto (GRIST), a Escola da Cidade e a diretora Eliane Caffé, que escreveu o roteiro junto a Luis Alberto de Abreu e Inês Figueiró. É uma história real que não acaba nesse antigo hotel, mas que envolve centenas de pessoas, sendo elas imigrantes ou migrantes, que vêm principalmente a São Paulo em busca de melhores condições de vida. Já faz parte do ideário popular a noção de que o Brasil é um país de acolhimento. Será mesmo?

O filme levanta a discussão sobre luta por moradia em São Paulo, tema recorrente que necessita de atenção e debate. A grande mídia, junto à elite brasileira, reforça o já conhecido estereótipo de quem ocupa. Um estereótipo que caracteriza tais pessoas como vagabundas que tomam propriedades privadas de demais. Os imigrantes, que adentram esse movimento na busca por uma vivência digna, acabam por ter sua imagem prejudicada, dificultando ainda mais a admissão desses e a inserção na sociedade.

Nos dias de hoje, 10.418 pessoas estão refugiadas (incluindo os reassentados) no Brasil. Apesar de conseguirem o acolhimento burocrático, ao chegarem no país, não recebem nenhum tipo de assistência governamental. Desta forma, muitos não têm onde morar e arranjam trabalhos nada condizentes com o nível de escolaridade e qualificação que possuem. Os movimentos de ocupação tornam-se, por vezes, uma espécie de lar que acabam encontrando.

Muito bem trabalhado, o filme traz cenas de documentários como o “Blood in the Mobile”, com imagens do Congo, e “A Chave da Casa”, sobre a Jordânia, para abordar também a realidade dos países de origem de alguns refugiados no Brasil que moram nas ocupações. Além disso, utiliza tanto gravações feitas in loco, com os próprios moradores da ocupação, quanto realizadas com alguns (poucos) atores. As passagens, bem pensadas, mostram uma realidade de um grupo heterogêneo que se torna único durante a luta, e que reivindica seus direitos.

Em alguns momentos, é possível ser observada certa romantização do movimento, que muitas vezes faz uso da violência e não age de forma tão apropriada como mostra o filme. Porém, as cenas de confraternização e os diversos perfis mostrados, compõem a narrativa de forma a quase fazer o telespectador sentir o que cada membro do movimento sente, tanto nos momentos de luta e desespero quanto nos de relativa felicidade e alívio.

Um filme que gera reflexão sobre uma realidade que está tão próxima e é evitada pela maior parte dos cidadãos paulistas, que assiste às versões sensacionalistas que passam na televisão e não se dá ao trabalho de verificar a veracidade das informações apresentadas.

Considerando os recentes movimentos xenófobos e agressivos, dos quais os movimentos Direita São Paulo e MBL costumam tomar parte, esse filme se torna essencial para criar maior consciência do que existe fora das telas de televisão e dos jornais partidários. A recente Lei da Migração, sancionada dia 24/05, veio em substituição ao antiquado Estatuto do Estrangeiro, e mostra alguns avanços para a permanência do imigrante no país. Entretanto, esta foi vetada em muitos aspectos pelo presidente, Michel Temer, uma vez que a pressão popular e outros interesses políticos lhe pareceram demasiados.

Além dos imigrantes, a realidade de muitos nordestinos também é apresentada na obra. Eles vieram e ainda vêm (em menor quantidade que há dez anos) para o Sudeste com a crença de que aqui existem múltiplas oportunidades acessíveis. A forma que são tratados e marginalizados é um indício da mentalidade que permeia o Sudeste, como se o Brasil fosse, na prática, um conjunto de vários países, só faltando o passaporte.

Link da lei da migração:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm

Críticas:

Folha de S. Paulo:

“Da mesma forma que esses estrangeiros são refugiados do mundo, muitos por

razões involuntárias, os brasileiros vivem o mesmo status em seu próprio país,

como aponta o senhor palestino no diálogo mais incisivo do filme.”

Papo de cinema:

“Trata-se, no fim das contas, de um filme sobre empatia, sobre colocar-se no

lugar do outro. Mas não qualquer outro: interessa à diretora o marginalizado

que resiste à ordem hegemônica, ao poder financeiro e político.”

Preview:

“Rodado in loco, com direção de arte de Sandra Caffé e fotografia de Bruno

Risas, impecáveis, o filme denuncia, com humanidade, sensibilidade e beleza,

a realidade crua e tantas vezes ignorada dos desterrados de dentro e de fora

do País. Obrigatório.”