por Giulia Villa Real Seabra
André Sturm, atual secretário da Cultura em São Paulo, foi um dos novos nomes em cargos públicos que vieram na leva do prefeito tucano João Dória. Já conhecido no meio cultural, Sturm conta com um currículo rechonchudo: produção de longas e curtas-metragens, a reabertura do Cine Belas Artes, na Consolação, que corria o risco de ser fechado na época e a direção do Museu da Imagem e do Som (MIS). Indicado por Dória no fim do ano passado, o nome não estava ligado, até então, a nenhuma polêmica muito alarmante. Era uma escolha segura, apontada por muitos como uma indicação que atenderia aos desejos tanto da elite quanto da periferia. Garantiria “diálogo”.
Parafraseio o próprio Sturm em entrevista ao programa “Provocações”, televisionado pela TV Cultura em 2014: “A gente tem na periferia uma produção cultural muito rica, autônoma, independente. Em São Paulo temos o fenômeno dos saraus de poesia. As pessoas vão do centro para participar. O que eu acho que a periferia está carente é de equipamentos culturais, centros, espaços para que elas possam usufruir onde elas moram”. Contudo, parece que Sturm se restringiu as belas palavras e nada mais que isso… decretou seu próprio fim em episódio acontecido em maio deste ano.
Em reunião na sede da Secretaria Municipal da Cultura no dia 29/05, Sturm ameaçou Gustavo Soares, agente cultural de 25 anos que faz parte do coletivo Casa de Cultura Ermelino Matarazzo dizendo repetidamente que “quebraria sua cara” como podemos escutar em áudio gravado pelo próprio Gustavo e divulgado pela página do Movimento Cultural Ermelino Matarazzo:
Após a divulgação do áudio Sturm até tentou se desculpar através do jornal Folha de S. Paulo dizendo que usou uma “linguagem inadequada para a posição” e completando “Por essa atitude peço desculpas ao rapaz e a todos os munícipes”. Mas, os movimentos culturais já não podiam aceitar mais uma atitude de descaso.
A ocupação da sede da Secretaria Municipal da Cultura, na Avenida São João, foi convocada pelos movimentos no dia 31 de maio e se iniciou através de uma passeata na mesma avenida, tendo como principal pauta a saída de Sturm e o descongelamento de verbas:
O ato recebeu o nome simbólico de “Não vão quebrar nossa cara” e marcou a história resultando em 30 horas de ocupação do edifício.
O episódio foi o ápice do desgaste da relação entre os movimentos e a gestão municipal liderada por Dória. Tudo começou com o congelamento de verbas e a modificação de editais da pasta de cultura. A verba foi cortada em 43,6%, ficando atrás somente do corte feito na secretaria de Gestão Ambiental que foi de pouco mais de 44%. É importante lembrar que enquanto essas verbas foram congeladas, juntamente com as destinadas a educação e saúde, Dória abriu licitação de R$ 100 milhões anuais para o marketing da Prefeitura.
Essas medidas mostram as reais preocupações da gestão tucana que prefere garantir uma boa imagem perante a mídia ao invés de, de fato, administrar a cidade de uma forma democrática e igualitária atendendo as necessidades da periferia. Apesar de parecer inteligente até certo ponto, já que mudanças positivas não precisariam de fato acontecer apenas aparentar estar em curso, mascarando outras negativas ao mesmo tempo, é uma estratégia muito frágil visto que presumem que os movimentos aceitariam essa realidade sem maiores transtornos. O que, é claro, não aconteceu.
Em março, devido essa medida, um ato foi organizado pelos trabalhadores da cultura na Avenida Paulista:
Com os ânimos já exaltados outras mudanças levaram a eclosão da ocupação da Secretaria Municipal da Cultura como sinalizado pelo movimento Periferia em Movimento em sua página:
“A tomada da SMC ocorre por uma série de motivos: sucateamento dos equipamentos culturais públicos, desmonte da Virada Cultural, cancelamento de aulas e oficinas nas periferias, perseguições e ofensas verbais à trabalhadores da cultura, apagamento de grafites, falas de cunho discriminatório e atitudes racistas (tal como a expulsão do agente cultural Aloysio Letra de uma reunião pública).
Entre as ações controversas constam ainda os cortes nas oficinas culturais nos CEUS e outros equipamentos (Programas Piá e Vocacional), o desmonte da Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA), a diminuição de 30% dos recursos destinados ao Programa VAI (política de incentivo à autonomia da juventude periférica) com a desclassificação arbitrária de cinco grupos selecionados para o programa, a suspensão do Programa Aldeias (destinado ao fortalecimento de aldeias indígenas da cidade), os cortes nos programas de fomento a grupos culturais (teatro, dança, circo, cultura digital e periferia), os atrasos de pagamento e abandono aos agentes comunitários de cultura e a demissão em massa de funcionários da SMC.”
As negociações com a prefeitura no dia da ocupação tiveram como interlocutor o secretário das Relações Governamentais, Milton Flávio. Os grupos saíram do edifício no dia 1º de junho para manter a segurança como dito em nota emitida “A decisão foi tomada, principalmente, porque os integrantes entendem que precisam defender sua integridade física e conhecem a capacidade de violência do Estado. Elas e eles sairão de cabeça erguida, e continuam lutando pelas suas demandas e pelos pontos colocados na construção da cultura da cidade de São Paulo” e no próprio momento de saída.
Os movimentos após a saída continuaram com passeata até a frente da Prefeitura. Na página da Periferia em Movimento se consideram vitoriosos: “O momento é de estarmos juntos, mesmo. Após passar por várias gestões sem represálias, agora trabalhadores e trabalhadoras da cultura – e da comunicação – que são fruto das migalhas dessas políticas públicas as quais tentam evitar o desmonte se tornam alvo ao mostrar potencial de mobilização (basta ver o editorial do jornal Estado de S. Paulo, que acusa o agente cultural Gustavo Soares de “violento” e classifica os movimentos como “radicais”). Novamente, não vão conseguir quebrar nossa cara”.
O prefeito João Dória, na terça-feira seguinte, como já esperado, tentou minimizar os acontecimentos caracterizando como uma “bobagem” e foi confrontado pelo movimento:
Até o momento Sturm continua gerindo a Secretaria de Cultura, mas capenga e se mantem apenas pelo título determinado por um governo que não tem o apoio dos movimentos dos trabalhadores e trabalhadoras culturais e que portanto é extremamente frágil. Quanto tempo aguentará sem o apoio do povo?
Foto: Wilson Oliveira/Periferia em Movimento