por Francisco Rio Doce*
A recente vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos e o avanço desenfreado da ultradireita e dos ultraliberais na América Latina e na Europa levantam uma questão crucial ao futuro combativo dos setores progressistas.
De um lado, há aqueles que, entre outros motivos, defendem que a vitória do magnata nas eleições americanas e a expressividade galgada por candidatos de ultradireita e ultraliberais na Europa e na América Latina se deve, sobretudo, ao “eco” que os próprios setores progressistas concedem aos discursos emanados desses grupos de direita na tentativa desesperada de neutralizá-los. Quando não, melhor dos casos: desconstruí-los e combatê-los.
De outro, há quem defenda o contrário. Que lançar seus nomes ao esquecimento como estratégia de não disseminar ou frear a visibilidade de seus discursos não alteraria o devir dos acontecimentos. Aliás, agravá-los-ia. Uma vez que, sem qualquer resistência de denúncia ou de desconstrução nominal, o caminho estará plenamente aberto à capilaridade desses discursos e ao triunfo de seus emissores.
A estratégia adotada por Donald Trump e seus correlatos e correligionários de direita ou da extrema direita na Europa e América Latina apresenta-se a priori complexa. E essa complexidade pelo menos aparente serve a um propósito: o de confundir e lançar ao limbo qualquer tentativa de oposição. No âmago ela é simplória e frágil. E já velha conhecida dos politólogos norte-americanos. Pois, exaustivamente descrita nos manuais sobre Política e Sociologia dos Estados Unidos desde o século XIX. O que corrobora no caso da vitória de Trump o reconhecimento de que, ainda que apoiado por uma boa parcela da mídia corporativa, o Partido Democrata foi para a guerra eleitoral teoricamente despreparado, accionalmente fragmentado, e, ingênua e demasiadamente confiante.
A estratégia da “política de choque” não possui requintes. E, nesse início de século XXI, difunde-se a passos largos entre partidos e candidatos ultraconservadores e ultraliberais de todo o mundo. Ao desconstruir sem qualquer pudor a ideia-máscara tão disseminada pelas chamadas democracias do século XX, a de que “governos democráticos governam para todos”, os neopartidários da “política de choque” se agarram na premissa maquiavélica do dividir para governar. Ao apresentarem propostas e discursos de di-visão social e econômica não postulam se agarrar ao todo como mote de campanha. Quanto mais dividido e acirrado o eleitorado, melhor. E é no fortalecimento de seu eleitorado âncora e trabalhando no sentido de fragmentar ainda mais seus possíveis opositores que concentram seus esforços. Neste último caso, utilizando-se dos chamados golpes de efeito: denuncismo ácido; ataques verbais; supervalorização de escândalos; desclassificação moral; uso excessivo de ironias; bodes expiatórios; etc.
A “política de choque” é, infelizmente, uma realidade do século XXI e nele encontra um campo fértil. Pois, o século não da sociedade do espetáculo, como o antecessor, mas o da sociedade do simulacro. Em que, por mais ou menos cientes, os atores históricos são compelidos a participarem via curtidas, compartilhamentos e comentários em redes sociais e páginas web da “grande peça” que se coloca como suas próprias vidas. O que torna o jogo ainda mais ardiloso e perigoso. Principalmente, quando o capital humano que está à disposição possui excesso de informação, mas pouca ou quase nenhuma formação.
A única e possível saída para vencer e essa estratégia é a construção e valorização de uma educação verdadeiramente humanista. Em que o homem seja colocado como valor central das sociedades. E não o contrário, tal como operam e reforçam nossos sistemas educativos que preparam crianças e jovens fundamentalmente para o competitivo mercado de trabalho capitalista. Enquanto isso não ocorrer, o combate e a neutralização dos discursos e ícones da “política de choque” terão efeitos apenas paliativos.
No plano dos discursos a melhor tática de enfrentamento e resistência é compreender a motriz de sua força, que se encontra no poder de di-visão social. Isso não significa assumir uma postura idealizada sobre a realidade objetiva. Ninguém convencerá por meio das redes sociais um xenófobo convicto de que imigrantes não “roubam” empregos de europeus ou de brancos americanos. Mas, pode-se educar os olhares e os ouvidos de outros europeus e americanos para tal compreensão. E para o fato de que o desemprego em qualquer parte do mundo possui contornos muito mais complexos do que aquele que procura enfatizar o emissor do discurso de ódio, que sempre encontra um ou outro bode expiatório para todos os males. Assim, a melhor tática é a confluência de ambas as propostas apresentadas no início.
Deve-se combater e desconstruir os discursos, mas jamais nominá-los. Ou seja, os set
ores progressistas devem desconstruí-los, atuando de modo a denunciar suas incoerências, fragilidades e simplificações, mas sem promover o holofote nominal que o emissor tanto espera. Os emissores da “política de choque” sabem que para cada eleitor rechaçado, conseguem dois ou três apoiadores e possíveis eleitores entre os estratos mais conservadores, mais pragmáticos, ou então, mais descontentes da sociedade. Isso porque, infelizmente, em pleno século XXI as pessoas ainda esperam de líderes supostamente fortes e combativos a solução definitiva para todos os males.
Numa sociedade em que, como numa linha de produção, a educação tem como premissa a formação para o competitivo mercado de trabalho do mundo capitalista, nada mais naturalizado que tanto na esfera privada do universo empresarial quanto na esfera pública do universo político o ser humano busque na personificação de um grande líder a resolução de todos os problemas. O que é um grande equívoco e abre brechas para consolidações de lideranças autoritárias e que desprezam conquistas sociais básicas. O giro estratégico dos setores progressistas, portanto, deve cada vez menos apontar os holofotes para esses emissores e agir mais entre os possíveis receptores desses discursos. Ainda que uma medida paliativa, trata-se de um caminho possível.
* Francisco Rio Doce é articulista e colaborador do Pressenza – Português.