Por Laio Rocha
O Movimento está acampado na avenida há mais de duas semanas contra as alterações no programa Minha Casa Minha Vida
No último dia 15/02, após uma manifestação que reuniu 30 mil pessoas, que marcharam do Largo da Batata até a Av. Paulista, em São Paulo, os militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) levantaram acampamento em frente ao escritório da presidência, na mesma via. “Se for preciso vamos ficar aqui por tempo indeterminado”, avisou o coordenador do Movimento, Guilherme Boulos.
O aviso foi dado para os integrantes do escritório, que se recusaram a negociar os termos dos manifestantes. Após mais de duas semanas de ocupação, as conversas permanecem estagnadas, pois o Ministério das Cidades, comandado por Bruno Araújo (PSDB), se recusa a negociar as reivindicações.
No entanto, a revolta do Movimento contra as mudanças impostas pelo Governo Temer começou muito antes da ocupação.
Mudanças no Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV)
O programa de moradias populares, Minha Casa Minha Vida, criado pelo ex-presidente Lula no ano de 2009, categoriza o investimento na construção de casas a partir de faixas. Essas faixas se dividem por renda familiar. Por exemplo: na faixa 1 se enquadram famílias com renda de até R$ 1.700,00. Na faixa 1,5 estão as famílias com renda de até R$ 2.350,00.
Desde seu início, a faixa 1 teve prioridade nos investimentos, pois atende a famílias com maiores necessidades de moradia, uma vez que a renda menor fica comprometida com o pagamento de aluguel.
No último dia 6 de fevereiro isso mudou. Michel Temer (PMDB) anunciou alterações tanto no valor de renda de cada uma das faixas, quanto no foco do programa, que agora terá foco nas faixas 2 e 3, para famílias com renda de R$ 4 mil e 9 mil reais, respectivamente.
Com a mudança, quem passa a ter prioridade para a compra de casas são famílias com maior poder aquisitivo, e dessa forma o que era um programa de moradias populares, passa a ser projeto de venda de imóveis a juros mais baratos. A iniciativa tenta “impulsionar” o mercado, como afirmou o Ministro.
“As ações prometem impulsionar o setor da construção civil, além de impactar a economia, gerar emprego e, sem dúvida, conceder a oportunidade de incluir novas famílias brasileiras ao programa”, disse Araújo.
Contradições
A agência Lupa encontrou contradições no anúncio. O Ministério afirmou que deve contratar 600 mil moradias, no entanto, em respostas sobre as metas do programa os números são bem diferentes.
Os números são: 100 unidades para a modalidade empresas, 35 mil para o ‘Entidades’ e 35 mil para o ‘Rural’, somando 170 mil, muito abaixo dos número anunciado. Confira aqui o e-mail do Ministério para a agência.
O Ministério das Cidades rebateu as informações: “A meta para as demais faixas do Programa (Faixas 1,5, 2 e 3) totalizam 440 mil unidades (400 mil para as Faixas 2 e 3 / 40 mil para a Faixa 1,5), o que equivale ao total de 610 mil unidades”, disse em nota.
O que diz o MTST sobre as mudanças
O MTST reivindica investimentos na faixa 1, que atende as famílias mais pobres. O Movimento argumenta que priorizar faixas de renda mais elevadas só dá mais privilégios para a classe média, enquanto o déficit habitacional está composto por 84% da faixa 1 do programa.
Além disso, o aumento da verba para o programa Minha Casa Minha Vida Entidades, da qual diversos movimentos sociais de moradia participam, incluindo o MTST.
Nesta modalidade do programa, quem fica responsável pelas obras é o próprio movimento, fazendo com que as empreiteiras tenham lucros menores com a obra e os apartamentos tenham melhor qualidade.
Exemplo disso é o condomínio João Cândido, empreendimento coordenado pelo MTST. “Os apartamentos possuem 63m², com até três quartos e elevadores. As residências padrões do MCMV possuem 48m², e muitas vezes são entregues sem acabamento”, conta Josué Rocha, outro coordenador do Movimento.
Nos anos de 2014 e 2015, através do Entidades, foram entregues cerca de 700 casas neste formato para os integrantes do MTST.
Apesar disso, o Entidades representa apenas 1% do investimento da faixa 1 do programa. “Essa modalidade já se mostrou efetiva, precisamos aumentar mais a verba”, afirma Josué. “São os melhores investimentos do programa, mas foram congeladas pelo Temer assim que assumiu a presidência”.
Histórico de luta e ocupação no local
O MTST ocupou o escritório da presidência em 2016, assim que Michel Temer congelou as contratações já programadas pelo governo da presidenta eleita Dilma Rousseff (PT).
Durante 24h, os manifestantes, que realizaram um grande ato na Av. Paulista e sofreram grande repressão da Polícia Militar, levantaram acampamento e só saíram quando o Ministro Bruno Araújo negociou a retomada das contratações. No entanto, a promessa nunca foi levada a cabo. Confira aqui especial da Mídia NINJA sobre essa ocupação.
A ex-ministra de planejamento, orçamento e gestão da Presidenta Dilma, Miriam Belchior, falou para a Mídia NINJA sobre as mudanças
NINJA: –As mudanças anunciadas pelo governo Temer no programa MCMV no último dia 6, em que os investimentos vão ser prioritariamente nas faixas 2 e 3, devem significar o que no longo prazo?
Miriam Belchior: –As mudanças anunciadas implicam na redução do número de moradias para famílias com renda até R$ 2.600, que durante os governos Lula e Dilma sempre foram a prioridade, pois 84% do déficit habitacional do país se concentra nas faixas de menor renda.
Se comparamos o número de moradias proposto pela Presidenta Dilma para 2017 em relação ao proposto agora, as famílias nas faixas de menor renda terão uma redução de 130 mil moradias.
Mantido em 2018 o número de moradias anunciadas por Temer agora, as famílias com renda até R$ 2.600 serão muito prejudicadas, porque seriam contratadas apenas metade das moradias que a Presidenta Dilma anunciou em março de 2016.
Dilma propôs contratar 1 milhão de moradias para essas famílias e Temer 510 mil.
–O que levou o governo a aplicar essas mudanças estruturais no MCMV?
–Acredito que seja a falta de compromisso com a população que mais precisa de moradia no país. Essas medidas do Minha Casa, Minha Vida se somam à PEC de Teto dos Gastos, que reduzirá os recursos destinados a Saúde e a Educação; a Reforma da Previdência, que exigirá 49 anos de contribuição para benefício integral e a Reforma Trabalhista, que promete deixar de lado os direitos estabelecidos em lei em favor do negociado, entre outras maldades.
–Para a população de baixa renda, da faixa 1, quais devem ser os impactos dessa mudança?
–Os impactos já acontecem desde o ano passado. Em 2016, a Presidenta Dilma anunciou a contração de 110 mil moradias e foram contratadas apenas 35 mil. Na atual sanha de cortes na área social eu acredito que podem ser feitos mais cortes no programa durante esse ano.
–Os Movimentos Sociais vêm comparando o novo MCMV com o antigo BNH. Há semelhanças entre os programas?
–Eles têm razão sim, pois as medidas praticamente reduzem o MCMV às modalidades de financiamento, que exigem maior renda das famílias. Todos sabemos que a população de menor renda, sem os subsídios garantidos no Programa em nossos governos, não tem como se enquadrar nas modalidades de financiamento das faixas 2 e 3, logo serão privadas do direito à moradia.
–Qual a principal diferença entre o modelo Temer e os modelos de Lula e Dilma em relação ao MCMV?
–A diferença fundamental é que nós garantimos subsídio às famílias de menor renda, sem o qual elas não têm como ter acesso à moradia.
Eles estão restringindo brutalmente o número de unidades das faixas 1 e 1,5. A proposta de Dilma para 2017, previa que 67% do total de unidades fosse dessas duas faixas. Agora, essas faixas correspondem a apenas 38%.
–O programa MCMV Entidades deve sobreviver com essa nova estrutura anunciada?
–A primeira coisa que o atual Ministro das Cidades fez foi suspender às contratações do MCMV Entidades. Depois da pressão dos movimentos, ele reviu a decisão, mas contratou apenas 31 mil das 70 mil unidades previstas para os movimentos urbanos e rurais.
Ocupar, resistir e morar aqui
O MTST tem produzido programações diárias na ocupação, com aulas públicas, oficinas livres e shows ao vivo. Já palestraram no local o jornalista Leonardo Sakamoto, sobre escravidão moderna, e os professores Souto Maior e Laura Cardoso, sobre a reforma da Previdência. Entre os artistas, se apresentaram Chico Cesar e o rapper Ogi.