Por Lilian Campelo/Brasil de Fato

56 presos foram mortos durante motim entre duas facções rivais; conflito em Manaus é o maior desde o Carandiru

O conflito entre as facções rivais Família do Norte (FDN) e Primeiro Comando da Capital (PCC) no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) em Manaus, que terminou com 56 detentos mortos, era uma tragédia anunciada, afirmou o advogado Glen Wilde do Lago Freitas, membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem de Advogados do Brasil (OAB).

“Uma coisa é certa: essa rebelião já estava prevista para acontecer há muito tempo. Há quase um ano que a facção local (FDN) ameaçava que iria matar a facção paulista (PCC)”, disse Freitas, que também informou que as duas facções estavam separadas por um pavilhão e aponta que o correto seria que o estado mantivesse ambas em presídios diferentes.

O Compaj está localizado no km 8 da BR-174, que liga Manaus, no Amazonas, a Boa Vista, no estado de Roraima. Desde o dia primeiro, presos das duas facções, FDN e PCC, se confrontaram dando inicio a rebelião que durou cerca de 15 horas. Além das mortes, a rebelião resultou em 112 foragidos, conforme informou a Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM).

O presídio tem capacidade para abrigar 454 detentos, mas 1.229 presos abrigavam o local no momento do conflito – o triplo da sua capacidade. Freitas destaca que todos os presídios do Amazonas estão superlotados e a situação no interior do estado é ainda mais alarmante.

“No interior, poucas cidades têm presídios, os presos ficam em celas de delegacia, sem assistência da secretaria de Justiça. Quem cuida dos presos são os policiais que deveriam estar na rua, garantindo a segurança. O estado demonstra sua incapacidade e incompetência absoluta em gerir os presídios no Amazonas”, diz.

O advogado revelou que está elaborando um relatório, que será encaminhado para a Comissão de Direitos Humanos do Congresso Federal e irá se reunir extraordinariamente para tratar do assunto, já que o caso é considerado o “maior massacre do país de presos contra presos”, afirmou.

Transferência

Após rebelião, o governo do Amazonas transferiu cerca de 130 presos para a cadeia pública Desembargador Raimundo Vidal. Além dos detentos da Compaj, a cadeia recebeu também presos do Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM), do Instituto Penal Antônio Trindade e da Unidade Prisional de Puraquequara.

A cadeia Raimundo Vidal estava desativada desde outubro de 2016.

O processo de identificação dos corpos feito pelo Instituto Médico Legal (IML) começou na manhã desta segunda-feira, 2. As impressões digitais das vítimas foram coletadas e na parte da tarde foi realizada a coleta de dados e informações dos familiares dos presos.

Inicialmente foram divulgadas pela SSP que haviam sido 60 mortes, mas houve uma atualização no período da tarde do dia 2 e a secretaria confirmou 56 detentos mortos.

Terceirização

A pesquisadora na ONG Justiça Global, Lena Azevedo, relatou que no final de 2015 a comissão do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura esteve em Manaus e elaborou o relatório publicado em janeiro de 2016. À época, quatro unidades prisionais foram vistoriadas, entre elas o Complexo Penitenciário Anísio Jobim.

Azevedo diz que o relatório já apontava para “a total ausência do estado nas unidades prisionais” e explica que o documento indicava que eram os presos que comandavam essas unidades e cita a figura do “chaveiro”, um preso que era responsável por abrir e fechar as celas.

“Diretores ouvidos, inclusive, disseram explicitamente que são os próprios presos que fazem o controle dos pavilhões, de modo que a direção só sabe de determinadas ocorrências, como agressões, depois dos fatos”, afirma.

O Compaj, inaugurado em 1999, é administrado por uma empresa privada desde 2014, responsável pela gestão prisional privada em um sistema de co-gestão. Além do Compaj, outros três presídios do Amazonas são privatizados. Os agentes responsáveis pelos detentos são prestadores de serviços contratados pela empresa.

A pesquisadora destaca que os agentes prisionais não atendiam aos requisitos da Lei de Execução Penal e a contratação desses funcionários contrariavam as normas nacionais e internacionais como as Regras de Mandela.

Ela ainda informa que no dia da visita da comissão em 2015, 153 funcionários trabalhavam no Anísio Jobim, quando o contrato firmado exigia 250. A empresa contratada recebe por presos, “então se põe um mínimo de efetivo, uma mão de obra não qualificada, não selecionada adequadamente, mantendo condições degradantes e se lucra com isso e o estado acha que privatizando, privatiza a sua responsabilidade. A responsabilidade por essas 60 mortes é do estado, individualmente e coletivamente”, afirma a pesquisadora.

O relatório também alertava para possíveis rebeliões e o clima de insegurança e tensão, ocasionado pela transferência de diversas lideranças da facção FDN para penitenciárias federais, algumas semanas antes da visita da comissão no Amazonas, como se verifica no trecho extraído do documento.

“Com isso, foram feitos relatos sobre a possibilidade de rebeliões ou motins nas prisões dominadas pela FDN. Consequentemente, não só os funcionários e os presos desta facção pareceram bastante tensos, como também as pessoas privadas de liberdade  não pertencentes à FDN”.

Nota

A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas-SSP informou que os órgãos de segurança irão investigar os homicídios e manter a ordem nas demais unidades prisionais, recapturar os presos foragidos e garantir a segurança da cidade e que ao longo de 2016 várias fugas e confrontos foram evitados.

Edição Brasil de Fato: José Eduardo Bernardes

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