Por Paula Dias | Rede Brasil Atual
A semente do Movi Femi-HR surgiu há três anos e se tornou uma referência de exercício da cidadania em uma escola municipal da zona leste paulistana.
Elas decidiram dar um basta ao tratamento desrespeitoso que recebiam no ambiente da escola, no Jd. Brasília, em São Paulo.
Brenda, Marcella, Larissa, Júlia, Isabela, Renata, Gabrielly, Caroline, Luana, Nathaly, Beatriz, Tainá, Laryssa, Bruna, Andrezza, 14 anos em média, decidiram dar um basta ao tratamento desrespeitoso que recebiam de alguns meninos, na escola de Ensino Fundamental, no Jardim Brasília, em São Paulo. A semente do Movi Femi-HR (movimento feminista – contra homofobia e racismo), nasceu há três anos da análise de textos nas aulas de Literatura. Machado de Assis, Clarice Lispector, Chico Buarque e Hua Mulan – personagem da cultura milenar chinesa, que inspirou o filme Mulan, da Disney – despertaram percepção e compreensão das desigualdades e preconceitos raciais, sociais e sexuais, que também se refletiam no dia a dia da escola.
“O Edu, professor de Literatura, falou sobre a luta das mulheres e a origem do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Aí começamos a entender o feminismo. Isso ocorreu no 6º ano”, lembra Brenda, animada a criar o grupo para defender os direitos das meninas. Mais meninas se juntaram e foi ficando claro: se fossem praticar algo, deveria ser de forma coletiva.
Dois anos depois, passaram a compartilhar ideias com o restante da escola. Fizeram cartazes explicando o que era o feminismo e o Movi Femi-HR. Na ocasião, tiveram cartazes rasgados. O grupo passou a entrar nas salas de aula e as campanhas contra o machismo, o racismo e a homofobia, acontecem abertamente na escola.
Eram comum os casos de meninos tocarem as meninas e tratá-las de forma desrespeitosa. O Movi Femi-HR conseguiu interferir. “A gente conseguiu conscientizar quase a escola inteira, eu acho! Agora as meninas sabem que se elas não quiserem uma coisa é só elas falarem ‘não’ e acabou, ninguém pode fazer nada sem o consentimento. Elas perceberam que podem decidir sobre o corpo delas e sobre tudo… a gente conseguiu empoderar as meninas”, acredita Marcella.
Hoje, meninas que sofrem assédio procuram a intermediação do grupo para conversar com os meninos e tentar resolver a situação. Se for necessário, o caso é encaminhado para a direção da escola. “O assédio é a questão que tem o combate mais difícil e necessário”, observa Brenda. As meninas são vigilantes para que os meninos sejam reeducados, interferindo no vocabulário e até mesmo na mudança de atitudes. Dois deles aderiram ao grupo e ajudam na propagação das práticas de respeito.
Uma atividade didática que chamou a atenção foi a análise de algumas letras de música funk. Elas constataram que quase todas depreciam a mulher e que muita gente adere à onda sem prestar atenção à mensagem por trás do ritmo.
Sexualidade e identidade
Nas conversas sobre sexualidade, orientação sexual e comunidade LGBTI – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais – elas compartilham dificuldades vividas por quem destoa “dos padrões socialmente aceitos”. As famílias, em sua maioria, são conservadoras. O grupo prega o respeito. “A partir do momento em que uma mulher quer ser chamada e tratada como mulher, mesmo tendo nascido homem, ela será respeitada, uma mulher trans é mulher assim como as outras”, defende Bruna.
“Quem se manifesta contra a liberdade de orientação sexual quer retirar o direito de amar, e todos têm esse direito”, acrescenta Renata. “O amor move as pessoas, então move a luta também. A partir daí começa uma nova luta: contra o preconceito, inclusive para adotar uma criança e compor família”, completa Isabela.
A conversa inclui a importância do uso de preservativos na prevenção a Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e a gravidez precoce, e do papel da participação da mulher nessa decisão. “Ele tem que saber que não tem só ele ali, são dois e é uma troca”, diz Renata.
As experiências de enfrentamento ao preconceito racial também fazem parte do dia a dia do grupo. “A primeira vez que aconteceu comigo, não tive reação, só sabia chorar. Depois que o Movi Femi-HR começou tive mais atitude e passei a denunciar”, relata Andrezza, destacando quanto a atitude fez bem a autoestima. “Por conta da escravidão, os racistas mandaram muitos negros para a senzala e, ainda hoje, acham que os negros estão a serviço deles”, critica Bruna.
“Estudamos juntas, militamos juntas, somos muito amigas, conversamos sobre tudo e aceitamos umas às outras independentemente de qualquer diferença ou opinião”, afirma Larissa. E assim atuam as meninas da Escola Municipal de Ensino Fundamental Eduardo Prado, na zona leste da capital paulista. Construindo para além dos muros da escola, em relações baseadas na amizade e no respeito, um caminho para a cidadania.