Por Nadine Nascimento/Brasil de Fato
Mais da metade das denúncias registradas foram feitas por seguidores de religiões de matrizes africanas
Em outubro de 1999, o jornal Folha Universal estampou em sua capa uma foto da iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, em reportagem com o título “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A casa da Mãe Gilda foi invadida, seu marido foi agredido verbal e fisicamente; seu terreiro foi depredado por integrantes de outro segmento religioso. Mãe Gilda morreu em 21 de janeiro de 2000, vítima de um infarto. Para combater atitudes discriminatórias e prestar homenagem à Mãe Gilda, foi instituído, em 27 de dezembro de 2007, pela Lei 11.635, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado neste sábado 21.
Dez anos após a criação da lei, casos como o de Mãe Gilda não são isolados. Até setembro de 2016, o Disque 100 registrou 300 denúncias de discriminação religiosa no país. Quase um terço (29,08%) delas ocorreu no estado de São Paulo e 16,84%, no Rio de Janeiro. O número representa um crescimento de 19% em relação ao total de registros em 2015, quando foram contabilizadas 252 denúncias até o mês de dezembro.
Segundo o relatório Intolerância Religiosa no Brasil 2016, realizado em parceria pelo Centro de Articulação de Populações marginalizadas (CEAP) e a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, o segmento das religiões afro-brasileiras é o mais vulnerável. Cerca de 60% das denúncias registradas foram feitas por seguidores do candomblé e da umbanda.
“Muitos não falam que seguem religiões de matriz africana com medo de sofrer discriminação. O Dia de Combate à Intolerância Religiosa vem para dizer que a nossa religião é como qualquer outra. O dia vem para destruir essa concepção de que temos que ficar escondidos”, diz mãe Luciana d’Oyá.
Para ela, a discriminação das religiões de matriz africana está diretamente relacionada ao racismo. De acordo com os dados do Disque 100, no ano passado, 35,39% das vítimas eram negros. Os brancos corresponderam a 21,35% e os indígenas, a 0,56%. Os demais não informaram. “Tudo o que vem do povo negro é demonizado. Isso tem a ver com a falta de conhecimento sobre nossos ritos e com a ideia de que as religiões de matriz africana usam sacrifícios de animais”, diz Luciana.
Redação do Enem
O respeito às religiões vem ganhando a atenção da sociedade. Em 2016, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) abordou o assunto na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que teve como tema: “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”.
Os resultados das provas foram divulgados nesta quarta-feira (18). O Ministério da Educação informou que apenas 77 candidatos tiraram nota máxima na redação e 291.806 pessoas tiveram sua prova anulada ou receberam nota zero. Destas, mais de 46 mil por fugirem ao tema – um dos piores resultados da história do exame.
Resistência
Como forma de protestar contra a intolerância, no próximo dia 21, religiosos, movimentos sociais, coletivos artísticos e culturais, marcharão na Avenida Paulista. O ato acontecerá neste sábado, às 15h, com concentração no vão do MASP, pelo direito à crença e por uma sociedade de respeito ao próximo, à natureza e à diversidade.
“Nós só queremos poder existir. Só queremos praticar e honrar a nossos saberes ancestrais africanos”, diz o doutor em Semiótica e Linguística Geral e babalorixá Sidnei Barreto Nogueira. Para ele, o ato dá visibilidade às religiões de matriz africana e contribui para a autoestima de seus seguidores.
“O candomblé é um espaço cultural de resistência, pois somos marginalizados até hoje. É um espaço de acolhimento para os marginalizados. É um espaço de fortalecimento identitário da população negra. O candomblé é minha vida, meu refúgio. É um espaço de resgate e de evolução”, diz Nogueira.
Edição Brasil de Fato: Camila Rodrigues da Silva