ONU Brasil | Rio de Janeiro
Mulheres são maior parte das vítimas – 71% do total de pessoas traficadas em 2014 – e são frequentemente destinadas à exploração sexual; Brasil reportou cerca de 3 mil vítimas por ano, por crimes como trabalho escravo e forçado
Um total de 63,2 mil vítimas de tráfico de pessoas foram detectadas em 106 países e territórios entre 2012 e 2014, de acordo com novorelatório publicado nesta quarta-feira (21/12) pelo UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime).
As mulheres têm sido a maior parte das vítimas — frequentemente destinadas à exploração sexual — desde que a agência da ONU iniciou a coleta de dados sobre esse crime, em 2003. No entanto, essa participação caiu de 84% em 2004 para 71% do total em 2014, segundo o documento.
Por outro lado, o percentual de homens traficados para trabalho forçado aumentou. Cerca de quatro em cada dez vítimas detectadas entre 2012 e 2014 foram destinadas ao trabalho forçado, enquanto 63% dessas vítimas eram homens, de acordo com o relatório.
As crianças permanecem como o segundo grupo mais afetado pelo crime depois das mulheres, representando de 25% a 30% do total no período analisado. Isso representa uma queda de 5 pontos percentuais em relação a 2011 devido a reduções do número de meninos vítimas desse crime em 17 países.
“A exploração sexual e o trabalho forçado permanecem como as formas mais proeminentes desse crime, mas as vítimas também estão sendo traficadas para serem usadas como pedintes, para casamentos forçados, fraudes ou produção de pornografia”, disse o diretor-executivo do UNODC, Yury Fedotov, no documento.
O relatório concluiu que enquanto as mulheres e meninas tendem a ser traficadas para casamentos e exploração sexual, homens e meninos são frequentemente explorados em trabalhos forçados no setor de mineração, como carregadores, soldados e escravos.
Enquanto globalmente, em média, 28% das vítimas desse crime são crianças, em regiões como África Subsaariana, América Central e Caribe, elas chegam a representar de 62% a 64% das vítimas, respectivamente.
Fedotov enfatizou a ligação entre grupos armados e o tráfico de pessoas, explicando como esses grupos frequentemente se engajam no tráfico de pessoas em seus territórios, coagindo mulheres e meninas a casamento ou escravidão sexual, e pressionando homens e meninos a atuar como trabalhadores forçados ou combatentes.
“Pessoas que escapam de guerras e perseguições são particularmente vulneráveis a se tornar vítimas do tráfico de pessoas”, disse Fedotov. “A urgência da situação dessas pessoas pode levá-las a tomar decisões perigosas de migração. O rápido aumento do número de sírios vítimas de tráfico de pessoas após o início do conflito parece ser um exemplo do papel dessas vulnerabilidades”, acrescentou.
O relatório também mostrou que o tráfico de pessoas e a migração regular têm fluxo semelhante em alguns países de destino em diferentes partes do mundo. Fatores que aumentam a vulnerabilidade ao tráfico humano durante o processo migratório incluem a presença de crime organizado transnacional no país de origem.
“Cerca de 158, ou 88%, dos países criminalizaram o tráfico de pessoas, em linha com o Protocolo” Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, disse Fedotov. “É um enorme avanço desde 2003, quando apenas 18% dos países tinham tais leis. No entanto, como enfatizado no último relatório, as taxas de condenações permanecem muito baixas, e as vítimas nem sempre recebem proteção e serviços nos países que são obrigados a fornecê-los”.
O chefe do UNODC também enfatizou que mais recursos são necessários para identificar e ajudar as vítimas de tráfico de pessoas, assim como melhorar as respostas jurídicas para detectar, investigar e processar os criminosos.
Mais de 500 fluxos de tráfico de pessoas foram detectados entre 2012 e 2014. Países no Oeste e Sudeste da Europa detectaram vítimas de 137 diferentes nacionalidades. Áreas afluentes — como Oeste e Sudeste da Europa, América do Norte e Oriente Médio — detectaram vítimas de um grande número de países do mundo todo.
As vítimas de países na África Subsaariana e Leste da Ásia são traficadas para uma ampla gama de destinos. Um total de 69 países reportou ter detectado vítimas da África Subsaariana entre 2012 e 2014, principalmente em nações da África, do Oriente Médio e no Oeste e Sudeste da Europa. Há também registros de fluxos de tráfico de pessoas da África para o Sudeste da Ásia e para as Américas.
América do Sul
A maior parte das 5,8 mil vítimas detectadas na América do Sul cujo gênero e idade foram informados entre 2012 e 2014 eram mulheres. Enquanto a maior parte era adulta (45%), as meninas também foram vítimas frequentes. Cerca de um quarto das vítimas eram homens, com maior frequência de adultos.
Além disso, mais da metade das 4,5 mil vítimas que tiveram a forma de exploração informada no período foi traficada para exploração sexual na região. Cerca de um terço foi traficada para trabalho forçado.
O Brasil reportou um grande número de vítimas, cerca de 3 mil por ano, por crimes como trabalho escravo e forçado. No entanto, segundo o UNODC, não está claro quantas dessas vítimas estavam em situação de exploração como resultado do tráfico de pessoas.
O país também é citado no relatório com um caso de um português que traficou mulheres brasileiras para serem exploradas sexualmente no país europeu. As vítimas foram enganadas por um esquema de dívida conectado a uma suposta “taxa de migração” que teriam que pagar pela viagem, uma prática frequente nesse tipo de crime.
Os fluxos de tráfico entre fronteiras na América do Sul ocorrem principalmente entre países vizinhos. Entre 2012 e 2014, vítimas traficadas da Bolívia foram detectadas na Argentina e no Chile, e vítimas do Paraguai foram registradas na Argentina. Cidadãos de Paraguai, Peru e Bolívia também foram registrados ou repatriados do Brasil. Vítimas colombianas foram detectadas no Equador e no Peru.
Conselho de Segurança aprova resolução
Na terça-feira (20/12), o Conselho de Segurança da ONU aprovou resolução para combater o tráfico de pessoas, condenando a prática que enfraquece o Estado de direito e contribui para outras formas de crimes organizados transnacionais que aumentam a insegurança e a instabilidade.
Em pronunciamento aos integrantes do Conselho, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, destacou a necessidade de garantir justiça às vítimas e assegurar a responsabilização dos criminosos. “Se o conflito dá oxigênio aos traficantes de pessoas, os direitos humanos e a estabilidade os sufocam”, disse Ban.
“Precisamos de uma liderança estratégica para acabar com a guerra, para a prevenção de conflitos e para a manutenção da paz”, acrescentou, observando o compromisso da ONU em apoiar os Estados-membros através de ações precoces e diplomacias preventivas.
O dirigente máximo da ONU também sublinhou a necessidade de diminuir o financiamento do terrorismo, de modo a promover a segurança para todos. “O Estado Islâmico do Iraque e do Levante [ISIL / Da’esh], o Boko Haram, Al Shabaab e outros grupos estão usando tráfico e a violência sexual como armas de terror — e como importantes fontes de receita”, disse.
Atualmente, vítimas desse tipo de crime na Síria, junto com mulheres e meninas do Iraque, da Somália e de outros países em conflito, são encontradas na Europa, na Ásia e no Oriente Médio.
A resolução aprovada pelo Conselho de Segurança pede aos países que ainda não o fizeram que ratifiquem e implementem a Convenção da ONU Contra o Crime Organizado Transnacional e o protocolo para prevenir, impedir e punir os responsáveis por tráfico humano.