Por Rodrigo Borges Delfim
A avenida Paulista, mais famosa via de São Paulo e palco das principais manifestações políticas recentes no Brasil, também serviu de palco para reivindicações dos imigrantes que vivem no Brasil ao receber a 10ª edição da Marcha dos Imigrantes, no último domingo (27).
A Marcha já é um dos mais tradicionais atos políticos relacionados com a temática das migrações no país. Ela reúne organizações e pessoas de diferentes nacionalidades, culturas e vivências em torno de bandeiras como o fim da discriminação e da xenofobia, acesso à justiça e às políticas públicas. Cada Marcha conta com um lema diferente, e o deste ano foi “Dignidade para os imigrantes no mundo”.
“Quanto mais nós internacionalizarmos nossa visão de mundo, teremos menos nacionalismo e maior integração. Somos membros da mesma família, de uma mesma casa, e devemos perceber que o mundo não precisa de muros, nem barreiras para atrapalhar o ir e vir das pessoas nessa casa que é o planeta Terra. Com isso, geramos dignidade para as pessoas”, aponta Roque Patussi, coordenador do CAMI (Centro de Apoio ao Migrante), um dos organizadores da Marcha, sobre o lema deste ano.
Imigrantes presentes na Marcha lembraram o ato de migrar como um fenômeno humano, ao contrário do que costumam pregar grupos contrários à livre circulação de pessoas. “Tudo isso [a Marcha] é sobre seres humanos, humanidade. Não apenas para imigrantes, mas para todas as pessoas que vivem neste mundo”, sintetiza Edwin Eason, de Gana, que vive em Brasília e veio a São Paulo acompanhar o ato. “Na história da humanidade as pessoas sempre migraram”, reforça o jornalista Christo Kamanda, da República Democrática do Congo.
Novo local, novos desafios
Um dos destaques dessa décima edição foi justamente a mudança de local, da região da Praça da Sé, no centro da cidade, para a avenida Paulista, por seu caráter de referência geográfica, cultural, social e política para São Paulo.
“Como todos os grupos e manifestações vêm para a avenida Paulista, por que os imigrantes não poderiam vir também? Por que não entrar também neste espaço e mostrar as pautas dos imigrantes para o público brasileiro que já frequenta esse espaço?”, questiona Patussi.
A designer e militante boliviana Jobana Moya, integrante da Equipe de Base Warmis e da Frente de Mulheres Migrantes, aprovou a mudança de local da Marcha. “Foi uma ótima escolha, porque a Paulista é o cenário de grande parte das manifestações da cidade hoje. E ocupar a Paulista é mostrar também que somos parte dessa cidade”.
Essa visão já é compartilhada por brasileiros que acompanham e apoiam a Marcha. “Acho que os imigrantes têm de ter os mesmos direitos dos brasileiros, de serem tratados com humidade e respeito”, opina a designer Marcela Fedulo. “Acho que todo mundo tem direito à livre circulação, se não está bom em uma lugar a pessoa deve ter o direito de migrar mesmo”, reforça a publicitária Patrícia Vieira, amiga de Marcela. Ambas souberam da Marcha pelas redes sociais.
Bloco das Mulheres “chegou para ficar”
Pelo terceiro ano seguido a Marcha dos Imigrantes contou com o bloco da Frente de Mulheres Imigrantes e Refugiadas, formado por um conjunto de coletivos e mulheres ativistas, que luta contra situações como a violência doméstica, assédio sexual e dificuldade no acesso a serviços de saúde, entre outras pautas.
Desta vez o destaque no bloco foi para o Grupo Lakitas Sinchi Warmis, que tocou músicas tradicionais de países andinos como Bolívia, Chile, Peru e Colômbia durante toda a Marcha. O grupo, também formado por mulheres migrantes, é uma iniciativa da Equipe de Base Warmis, um dos coletivos que fazem parte da Frente.
“As mulheres estão ocupando espaços nessa manifestação e a Frente de mulheres também está começando a se articular de forma mais organizada. Com certeza chegou para ficar”, opina Jobana.
Patussi também vê o bloco das mulheres já consolidado como parte integrante da Marcha. “Elas chegam com seu estilo próprio, grupo, músicas e animação, com uma consciência do que é a Marcha. Esse grupo é o grupo que dinamiza boa parte daquilo que acontece no ato”.
Superando temores
Há imigrantes que preferem não ir à Marcha por temerem algum tipo de punição baseada no Estatuto do Estrangeiro, lei que rege as migrações no Brasil desde 1980 e que proíbe qualquer tipo de manifestação política por parte dos imigrantes.
Promulgado durante a ditadura militar no Brasil, o Estatuto tem a maior parte dos seus artigos considerados inconstitucionais perante a Lei máxima brasileira atual, mas ainda é usado como base para ações que elevam a burocracia, dificultam o acesso do imigrante a serviços públicos e ao processo de regularização migratória. Por isso, a mudança do Estatuto do Estrangeiro para uma nova Lei de Migração é uma das principais e mais antigas pautas dos imigrantes e da Marcha em si.
Patussi reforça que a Marcha se torna ainda mais importante em um momento político como o que o Brasil atravessa hoje, com tendência a retrocessos em direitos sociais, uma sociedade cada vez mais conservadora e com a manutenção de uma lei migratória ultrapassada. “Quanto mais pessoas participam da Marcha, maior é o número daqueles que estão lutando e mais fácil é conquistar os direitos”.
Pelo menos algumas centenas de imigrantes resolveram deixar os temores de lado e foram até a avenida Paulista. Seja em português ou em seus idiomas maternos, imigrantes bolivianos, paquistaneses, bengaleses, congoleses, peruanos, chilenos, angolanos, entre outras nacionalidades, expressaram suas reivindicações ao longo da Marcha.
“Sim, nós imigrantes existimos, estamos aqui e vamos nos colocar como visíveis”, completa Jobana.
Dados de migrações no Brasil
De acordo com a Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, entre 2006 e 2015 o número de imigrantes no Brasil em situação regular aumentou 160%, passando de cerca de 45 mil para 117 mil pessoas. Dados extraoficiais, no entanto, estimam um número bem maior de imigrantes, incluindo aqueles que estão indocumentados – em torno de 1,7 milhão.
Estimativas do Ministério das Relações Exteriores apontam que cerca de 2,5 milhões de brasileiros moram atualmente no exterior – ou seja, são imigrantes em outros países. Isso porque até meados da década de 2000 o Brasil era visto mais como um país de emigração do que de imigração ou de passagem para outros países.
Esse quadro começou a apresentar mudanças especialmente com o crescimento da economia brasileira no final da década de 2000, em contraste com o cenário de crise notado em outros países devido à crise global de 2008, atraindo de volta tanto brasileiros que estavam em outros países como imigrantes de todo o mundo.
Esse crescimento ajudou a dar visibilidade a reivindicações antigas das comunidades já estabelecidas, que tem pressionado o poder público para serem ouvidas e atendidas.
Apesar da crise econômica presente desde meados de 2015, o Brasil é considerado, ao mesmo tempo, um país de origem, de trânsito e de destino no cenário migratório.