Por Renato Cortez
Parlamentares e entidades da sociedade civil publicaram carta-denúncia em que acusam o Governo de Brasília de impedir o livre direito à manifestação, com uso abusivo de aparato policial e violência contra manifestantes. Medida tem caráter ideológico.
O Governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg (PSB/DF) e a Secretária de Segurança Pública, Márcia de Alencar Araújo, foram citados em carta-denúncia publicada por parlamentares e entidades da sociedade civil organizada pelos excessos cometidos em manifestações ocorridas na Esplanada dos Ministérios recentemente. Em menos de 15 dias, dois atos contra a retirada de direitos empreendida pelo governo Temer foram duramente reprimidos pela Polícia Militar, que fez uso de violência e extrema truculência para dispersar manifestantes. Prisões arbitrárias e inexistência de provas contra pessoas acusadas de cometerem crimes durante os atos também são citados no texto.
Na última terça-feira (13), ato contra a aprovação da PEC 55 pelo Senado foi impedido de sair pela Policia Militar enquanto ainda estava no início. Com a alegação de terem ordens para revistar todas as pessoas que estavam na manifestação, um cordão policial foi erguido ao longo do Eixo Monumental, via por onde a marcha desceria a Esplanada dos Ministérios. De acordo com o documento, “um forte aparato repressivo impediu que aquelas pessoas, livremente, pudessem exercer o direito de ir e vir e se dirigir ao Congresso Nacional”. Outros pontos da esplanda também estavam fechados para o livre acesso, tornado-a um local sitiado pela polícia.
O inexplicável isolamento do espaço público, com fechamento de vias, é uma primeira ofensa a Constituição da República e, ao invés de contribuir para o livre e pacífico exercício de cidadania, termina por potencializar a indignação, dado se tratar de arbitrária e abusiva prática que só guarda relação com períodos de autoritarismo e suspensão dos direitos fundamentais, de trágica lembrança.
O acirramento da hostilidade entre as forças políticas tem entre seus patrocinadores o tratamento diferenciado dispensado pelas autoridades às manifestações e outras atividades dos movimentos sociais, organizados ou não, e seus militantes. O documento menciona os protestos pelo impedimento da Presidenta Dilma Rousseff e lembra que “não só era franqueado o acesso a toda a esplanada, como se permitia acampamentos”, em referência a um acampamento pró-intervenção militar levantado no gramado do congresso. E ainda cita notícia sobre a prisão de um destes acampados, policial militar reformado encontrado com “uma pistola 380 Taurus, 12 sprays de mostarda, 16 furadores de coco, 1 porrete e 1 soco inglês”.
Reiterando o “aumento de tensão” que as dúbias medidas provocam, questiona-se em qual dispositivo legal se apoia “a decisão de impedir o livre acesso à Esplanada dos Ministérios” e quantos agentes públicos foram deslocados para a função, bem como os custos de toda a operação. A denúncia também questiona “os parâmetros adotados no que tange ao uso da força: necessidade, proporcionalidade e eficiência na operação de isolamento da esplanada” e se o mesmo “procedimento de isolamento do espaço público foi adotado” em outras manifestações.
Abusos y violencia policial
Os relatos de abuso e violência policial não ficaram de fora da denúncia feita contra o Governo de Brasília. O documento afirma que “é possível perceber que a atuação das forças de segurança se deu muito além do local em que a manifestação ocorreu”, referindo-se a caçada empreendida pela PMDF a manifestantes ocorrida em pontos distantes da esplanada. Na quadra 303 norte, aproximadamente 3 Km de distância da concentração do ato, uma guarnição da tropa de choque foiflagrada em vídeo jogando spray de pimenta em clientes de um café e de uma barbearia que não tinham nenhuma participação na atividade que acontecia na esplanada.
Os vídeos juntados ao documento dão conta de um uso desmedido e desnecessário da força policial, inclusive contra cidadãos que sequer estavam se manifestando. Em um deles, um policial sem qualquer motivo joga spray de pimenta em várias pessoas que apenas questionavam os métodos empregados.
A tentativa de enquadrar manifestantes na Lei de Segurança Nacional, entulho ditatorial do regime militar, é duramente criticada na denúncia. Além de ser incompatível com o regime democrático, ainda lembram da recomendação de sua revogação feita pela Comissão Nacional da Verdade – encarregada de investigar os abusos cometidos pela ditadura contra ‘dissidentes’. O documento aponta a ilegalidade da prisão de manifestantes sem que as suas condutas fossem individualizadas e sem que pudessem se comunicar com advogados.
Na quarta-feira (14), a secretária de Segurança Pública do DF, Márcia de Alencar Araújo, disse que a Lei de Segurança Nacional não seria uma medida dura demais, pois “esta é uma cidade com dois chefes de Estado: o governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg, e o presidente da República, Michel Temer. Há assuntos de segurança pública ordinária, mas também de soberania nacional”, o que justificaria o enquadramento dos manifestantes presos em lei criada no apagar das luzes da ditadura.
No dia das prisões, uma comissão de parlamentares e ativistas pelos Direitos Humanos compareceu ao Departamento de Polícia Especializada (DPE) para conhecer a situação dos detidos e afastar a possibilidade de uso de uma lei da Ditadura Militar contra pessoas que apenas manifestavam pela retirada de direitos pretendida pelo governo de Michel Temer. Felizmente, a possibilidade de enquadrar manifestantes na Lei de Segurança Nacional foi temporariamente abandonada. Advogados e advogadas ativistas pulicaram nota contra essa tentativa de criminalização dos movimentos sociais. A carta pode ser lida aqui.
Esta é a segunda vez que o Governo de Brasília reprime violentamente protestos realizados na capital federal em menos de 15 dias. Em 29 de novembro, a Polícia Militar, em conjunto com a Polícia Legislativa, transformou a Esplanada dos Ministérios em praça de guerra, quando fez uso intenso de bombas de efeito moral, tiros de bala de borracha, spray de pimenta e gás lacrimogênio contra pessoas que protestavam por mais saúde e educação. Na ocasião, a selvageria policial durou ao menos 6 horas, com um saldo de muitos feridos e enorme destruição pelo caminho.
A carta-denúncia também sugere a criação de um protocolo cidadão para acompanhamento de manifestações, feito em conjunto com autoridades, movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil.
Assinam o documento a Comissão Pastoral da Terra, Conselho Indigenista Missionário, Articulação Justiça e Direitos Humanos, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Terra de Direitos, Instituto de Estudos Socioeconômicos, Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, Central Única dos Trabalhadores do DF, Justiça Global, Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos, Plataforma de Direitos Humanos – DHESCA Brasil, Grupo Tortura Nunca Mais – Bahia, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Centro de Direitos Humanos de Sapopemba, Rede Social de Direitos Humanos, Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Atingidos por Barragens, Central dos Movimentos Populares, Marcha Mundial das Mulheres, Levante Popular da Juventude, Frente Brasil Popular do DF, Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais, Rede Nacional de Advogados Populares, Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social, Rede Nacional de Negros e Negras LGBT, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social.
Também assinam os parlamentares Afonso Florence (PT/BA), Maria do Rosário (PT/RS), Erika Kokay (PT/DF), Wadih Damous (PT/RJ), Paulo Pimenta (PT/RS), Humberto Costa (PT/PE), Paulo Rocha (PT/PA), Lindbergh Farias (PT/RJ), Paulo Paim (PT/RS), Padre João (PT/MG), João Daniel (PT/SE), Nilto Tatto (PT/SP), Patrus Ananias (PT/MG), Valmir Assunção (PT/BA), Glauber Braga (PSOL/RJ), Chico Alencar (PSOL/RJ), Jean Wyllys (PSOL/RJ), Ivan Valente (PSOL/SP), Luiza Erundina (PSOL/SP), Edmilson Rodrigues (PSOL/PA) e Jandira Feghali (PCdoB/RJ).