O levante feminista já é uma realidade, não só no Brasil mas em outros vários países e não podemos ignorar a onda, não só nas ruas, mas também em espaços muitas vezes impensados, como no ramo sertanejo.
“Já vai começar com as piadas de gordo, Faustão?”, foi assim que Marília Mendonça, 21 anos, respondeu neste domingo, 13, um dos mais conhecidos apresentadores da televisão aberta brasileira. Figurando no topo do trending topics enquanto a apresentava suas músicas, a “Rainha da Sofrência” ainda comentou sobre relacionamentos abusivos, em frente ao mesmo apresentador, que na última semana havia declarado que “tem mulher que gosta de homem que dá porrada”.
Vimos uma mulher, jovem, nascida fora do eixo Rio/São Paulo, combatendo o machismo e gordofobia ao vivo. Isso por si só já é uma vitória a ser celebrada, mas a melhor parte é que Marília não está só – além das milhares de mulheres em sua defesa no twitter, ela é uma das representantes do crescente consciente feminino que está protagonizando o sertanejo. Estaria o levante das mulheres atingindo mais camadas para além das redes e ruas?
Das Irmãs Galvão e Inezita Barroso à Roberta Miranda e Paula Fernandes, a presença feminina no sertanejo sempre se deu de forma esporádica, apoiada mais no talento individual do que numa busca coletiva por espaço.
De uns tempos para cá, porém, um movimento começou a tomar forma no interior do país e despontou nas paradas de sucessos. Na lista das 100 músicas mais tocadas no Brasil nos últimos meses, apurada pela Crowley Broadcast Analisys, cantoras/compositoras do gênero chamam a atenção entre as primeiras posições.
Segundo o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), Marília também é uma das compositoras que mais arrecadaram direitos autorais em 2015, com “Calma”, gravada por Jorge & Mateus; e “Faça ela feliz (Cuida bem dela)” e “Até você voltar”, ambas por Henrique & Juliano. Segundo ela, cantar para mulheres é sua missão, porque fazer música que fale para o homem “já é feito desde sempre no sertanejo”.
Assim como na nossa sociedade, há uma diversidade de mulheres nesses espaços de poder. Há mulheres como Maiara, que faz dupla com sua irmã gêmea Maraísa, que pensam que “Era difícil, no mundo masculino do sertanejo, achar uma música que falasse da nossa realidade, por isso começamos a escrever a nossa história. Quase sempre o que chegava eram letras enaltecendo os homens”.
Há também duplas como Simone e Simaria, da Bahia, que sustentam ideais moralistas, já que para elas, no quesito traição, existem mulheres piores que homens. Ao mesmo tempo cantam sobre violência doméstica – O título “Ele bate nela” é autoexplicativo e a letra encoraja claramente mulheres a denunciarem os abusos. Preconceitos musicais a parte, seria a balada sertaneja a versão universitária de Maria de Vila Matilde, de Elza Soares?
Assim como dá espaço para Paula Mattos, que compõe desde 12 anos, que pede cuidado para falar sobre sofrência por exemplo, já que quer retratar uma mulher feliz, valorizada, que se curta.
Ver um levante das mulheres num estilo musical que sempre foi representado por homens e teve expressão máxima popular no país, pode ser muito mais importante do que a gente pensa.
O levante feminista já é uma realidade, não só no Brasil mas em outros vários países e não podemos ignorar a onda – As redes foram tomadas pelo #MeuPrimeiroAssédio, as manchetes por pautas sobre o estupro, as ruas por mulheres buscando mais direitos, as cidades paradas pela luta pela defesa da democracia, os países latinos pelo #NiUnaMenos – e o mercado do sertanejo pelas cantoras no último ano.
Disputar e ocupar esse espaço no sertanejo, assim como no funk, parece dialogar com um problema antigo dos movimentos sociais – a chegada real na periferia, no “povo” e dá a jovens do interior do Brasil uma alternativa aos cansados temas proferidos por homens.