Em 10 de Setembro de 2016, durante a Fête de l’Humanité em Paris, Yanis Varoufakis deu um discurso memorável que nós publicamos aqui, na íntegra:
“Ano passado, eu vim ao La Fête com uma mensagem da Grécia. A Primavera de Atenas havia sido esmagada pela Troïka, pois o Establishment europeu pretendia trazer a Troïka à Paris. Desde então, a Troïka tem vindo à Paris. As leis trabalhistas têm sido aprovadas por decreto presidencial. As liberdades civis têm sido reduzidas. E o povo magnífico de Paris respondeu com o Nuit Debout.
Sim, é verdade, a Grécia foi o laboratório da misantropia. E a França há de ser o campo de batalha onde a misantropia será derrotada.
Por que estamos aqui? Estamos aqui porque somos humanistas na era da misantropia.
Estamos aqui porque o povo francês está sufocando. Os gregos estão sufocando. Os austríacos, os alemães, os espanhóis, os portugueses estão sufocando. Toda a Europa está sufocando.
Estamos aqui porque nosso povo está sufocando numa Europa que está se desintegrando.
E nosso povo continuará sufocando enquanto a Europa continuar a se desintegrar. E a Europa continuará a se desintegrar enquanto nosso povo estiver sufocando.
Então, nós estamos aqui para parar com a asfixia de nosso povo, para pôr um fim à desintegração da Europa. Uma desintegração que se alimenta da besta da Grande Inflação de nossa era que, como na década de 1930, gera a xenofobia, o racismo e o nacionalismo.
Nós estamos aqui para minimizar o custo humano dessa gestão estúpida da crise inevitável desta Europa. É somente isso que nos traz aqui: uma necessidade. Um dever: minimizar o custo do sofrimento humano. Nossa tarefa é simples: nosso dever consiste em fazer o que for preciso para que os rostos das pessoas percam as rugas de preocupação.
Nós não nos iludimos. Encontramos-nos perante adversários bem organizados e determinados que não colocam a humanidade em primeiro plano. Adversários que querem somente uma coisa: manter as coisas como estão e produzir dinheiro à vontade, se servindo do resto da humanidade como se fossemos um instrumento para atingir seus fins.
Esses adversários não se deixam convencer por argumentos racionais. Eles não são sensíveis ao modelo ético. Eles desprezam a democracia. Eles sabem que podem intimidar a grande maioria da humanidade. Mas na sua arrogância, como um vírus estúpido, seu desejo de “manter as coisas como estão” destrói o organismo do qual eles dependem.
Seu desejo de “manter as coisas como estão” é responsável pela desintegração da Europa.
Seu desejo de “manter as coisas como estão” é responsável pela lenta agonia ecológica da Terra.
Seu desejo de “manter as coisas como estão” é responsável pelo medo e o ódio que estão se tornando novamente, como nos anos 1930, a força política dominante neste planeta.
É por isso que estamos aqui. DiEM25, o movimento nascido do esmagamento da Primavera de Atenas, antes de se espalhar por toda a Europa, está aqui. Nós estamos determinados a pagar qualquer preço, a carregar qualquer fardo, nos opor a qualquer inimigo das esperanças da humanidade. Nós estamos aqui para defender os ideais franceses de liberdade, fraternidade e igualdade e juntar a eles, a esperança, a racionalidade, a diversidade, a tolerância e, certamente, a democracia.
Mas não devemos ser complacentes. Não devemos nos apaixonar por nós mesmos. Nós estamos longe da vitória. Nós estamos bem no meio da pior crise do capitalismo desde 1929. E no entanto, as forças do progresso, a Esquerda, os liberais autênticos, os Verdes, estão derrotados por toda parte.
A derrota da nossa Primavera de Atenas teve importância mundial. O movimento Podemos está desacelerando na Espanha. A Direita misantropa domina um pouco em cada lugar. Novas cercas elétricas surgem por todo o continente. O vento glacial do nacionalismo faz tremer a vela da esperança. Em 2017, a menos que façamos um milagre, uma pessoa ainda mais reacionária que o já deplorável M. Hollande assumirá a presidência da França.
Por quê? Por que os europeus não elegeram progressistas num momento de crise? Minha resposta é: por culpa nossa. É igualmente culpa dos progressistas, da Esquerda, dos democratas, liberais e Verdes.
Reflitam: enquanto um grande espasmo abala o capitalismo, a Direita se torna ardorosa, vibra com um fervor antiestablishment que, ainda recentemente, era a salvaguarda da Esquerda. O Trump se volta contra a APT, os conservadores britânicos e Orbán, na Hungria, contra as práticas antidemocráticas da União Europeia, Le Pen sai em defesa de uma classe trabalhadora abandonada pelo Euro falido e uma Esquerda ausente.
A política não sofre um tamanho estremecimento desde 1930. Uma Grande Inflação está invadindo pelos dois lados do Atlântico, reavivando forças políticas que estavam inativas durante 80 anos.
A paixão retorna à política, mas não da forma que esperávamos. A paixão alimenta a misantropia. E detê-la é nosso trabalho. É nosso trabalho sustentar a paixão para o bem do humanismo.
Para fazer isso, primeiramente devemos compreender a situação. A Direita contra a Esquerda, a distinção do trabalho em relação ao capital são conceitos, evidentemente, pertinentes todavia. PORÉM, a Europa está dividida atualmente em dois blocos que não tem nada a ver com a Esquerda ou com a Direita.
Um bloco representa a antiga Troïka da globalização, da financeirização e do neoliberalismo. Ainda está no poder, mesmo esse poder enfraquecendo rapidamente, como François Hollande, Angela Merkel e David Cameron podem confirmar. O governo grego pós-rendição, que agora está a serviço dessa mesma Troïka, pode confirmar isso igualmente. A Comissão Europeia. Eles estão no cargo, mas estão perdendo seu poder e legitimidade.
O outro bloco, oposto a Troïka Global da globalização, financeirização e neoliberalismo, é o que eu chamo de Internacional Nacionalista. Os brexiters britânicos, os governos da Polônia e Hungria, a Alternativ für Deutschland, o criptofascista desprezível que pode se tornar o próximo presidente da Áustria e, evidentemente, Marine Le Pen: um Muro de Nacionalismo Xenófobo se levanta contra a Troïka Global, explorando os impactos da nossa Grande Inflação.
O problema decorrente do conflito entre a Troïka Global e a Internacional Nacionalista é que ele é tão real como o é enganoso. O brexit provou que ele é real. Porém é enganoso, pois a Troïka Global e a Internacional Nacionalista são cúmplices, e não inimigos.
A Troïka Global e a Internacional Nacionalista não são nada além dos reflexos da nossa Grande Inflação, da crise profunda em que vive o capitalismo europeu.
Para romper essa aliança antinatural é necessário um internacionalismo progressista. Essa Internacional Progressista é o que o DiEM25 está construindo na Europa.
DiEM25 está aqui com um programa sólido para a mudança progressista.
DiEM25 está aqui para se opor a manter as coisas como estão, como nós fizemos em Atenas, como fizemos com o Nuit Debout, em cada povo e cidade da Europa.
DiEM25 está aqui para se opor aos apelos dos social-democratas por “mais Europa”. Sob o regime atual e as instituições da EU, “mais Europa” e reformas graduais resultarão na legalização da União da Austeridade Europeia.
Hollande e seus colegas pedem pelo que é, essencialmente, a aceleração do Plano Schäuble por uma falsa federação que transforma a Europa em uma jaula de ferro permanente.
DiEM25 está aqui TAMBÉM para se opor aos partidários da Esquerda que desejam adotar o objetivo da Internacional Nacionalista de desmanchar a União Europeia.
DiEM25 oferece o único antídoto autêntico contra esses que proclamam, falsamente, que não existe alternativa na União Europeia; o dogma do “não há solução”:
– Em escala nacional, um governo progressista francês, grego, espanhol ou italiano deve oferecer à população um Plano A exaustivo: verificar como, no atual sistema, é possível trazer a esperança de volta à nação.
– Paralelamente, um governo nacional progressista deve ter um Plano de Dissuasão em mãos, para o momento em que o Banco Central Europeu e a Troïka responderem ao Plano A da gestão progressista com ameaças de fechamento dos bancos, de restrições de liquidez, etc.
– E por último, um governo nacional progressista deve ter um plano em mãos para quando/se o “centro” engendrar uma expulsão da Eurozona.
Esses são os três Planos que eu tinha quando era Ministro das Finanças da Grécia: minha equipe os conhecia como Planos A, B e X. Agora, precisamos que todos os governos estejam dispostos a se ater a esses planos.
É isso que o DiEM25 propõe em escala nacional.
Em escala pan-europeia, o DiEM25 crê que devamos oferecer aos europeus um Plano A europeu para a Europa. Um programa progressista para a Europa. Um New Deal europeu: uma visão de como, em algumas semanas, será possível restaurar a esperança, o desenvolvimento e a democracia com os atuais tratados.
Ao mesmo tempo, o DiEM25 prepara um Plano para gerar, tão bem e suavemente quanto possível, a desintegração da Eurozona e da União Europeia.
Para concluir, o DiEM25 insiste que:
– Nós adotemos um Plano A em todas as partes, em escala nacional e pan-europeia: um Plano A ou New Deal europeu;
– Nós preparemos um Plano de Dissuasão para fazer frente às ameaças da Troïka;
– Nós preparemos um Plano Pan-europeu para gerar a desintegração da Europa, que provavelmente ocorrerá se o Establishment Profundo conseguir repelir nosso plano.
Meus amigos, meus camaradas,
A União Europeia será democratizada. Ou se desintegrará!
Nós, os membros do movimento Democracia na Europa, os bombardearemos com racionalidade, com propostas construtivas, com planos econômicos modestos, práticos e que possam ser postos em ação a partir de amanhã.
Nós os abarcaremos pela moderação.
Mas nós também os olharemos diretamente nos olhos, prontos a lhes dizer, quando nos ameaçarem assim como a Troïka me ameaçou em 2015:
“Vocês não passarão!
Atrevam-se!
Nós não recuaremos!
O futuro da Europa reside na nossa resistência ao seu autoritarismo incompetente.”
Se nos disserem “você deve aceitar que as coisas permaneçam como estão ou abandonar a União Europeia e o Euro”, nós responderemos: “Nós não iremos a lugar nenhum!” “SÃO VOCÊS QUE DEVEM PARTIR!”
Ao seu desejo de “manter as coisas como estão”, nós responderemos por meio de uma DESOBEDIÊNCIA CONSTRUTIVA. COM UMA COMBINAÇÃO DE PROPOSTAS MODESTAS E DESOBEDIÊNCIA. É isso que o humanismo requer de nós hoje.
Aos nossos camaradas que nos urgem a adotar a SAÍDA como objetivo, eu lhes pergunto:
Vocês realmente acreditam que, hoje, a Esquerda possa retomar a batalha pela hegemonia contra a Direita xenófoba, ao mesmo tempo em que sustenta as demandas da Direita para a construção de novas cercas e o término da livre circulação?
Mas isso é o suficiente por enquanto. É tempo de arregaçar as mangas.
O DiEM25 já começou a compilar um programa progressista para a Europa, um New Deal Verde para a Europa.
Um comitê de economistas eminentes já está a trabalho para isso. Na próxima semana, em nosso website, anunciaremos nosso trabalho em cima do Euro, dos investimentos, dos bancos, da luta contra a pobreza, da resposta à divida. E VOCÊS estão convidados a participar.
Em Fevereiro de 2017, o documento de orientação preliminar sobre o New Deal Verde para a Europa estará pronto. E nós retornaremos à Paris na última semana de Fevereiro:
– Para apresentar nossas propostas políticas pragmáticas, radicais e exaustivas ao povo da França;
– Para entregar nosso documento de orientação do New Deal para a Europa aos candidatos presidenciais;
– E lhes questionar: “Irão adotá-los?” E se não, “por que não?”
– É dessa forma que o DiEM25 trabalhará por cada país europeu;
– É dessa forma que o DiEM25 trabalha para criar uma Internacional Progressista; para criar uma aliança pan-europeia de democratas, socialistas, liberais, verdes, feministas e utopistas que compreendem que a única solução é uma distopia.
Meus amigos, meus camaradas:
Nós permitimos por tempo demais que a França, a Grécia, a Alemanha, toda a Europa, fossem governadas por “acidente e força”, ao invés de serem governadas pela “reflexão e livre-arbítrio”.
Nós permitimos por tempo demais o que outrora fora o Iluminismo, se esvanecer “na escuridão”.
É hora de os humanistas reconquistarem a Europa.
Carpe DiEM25.”
Traduzido do francês por Jaqueline Villagra Costa