Por 61 votos a 20, Senado aprova afastamento definitivo de Dilma. Crise política se agravará com medidas do novo governo
Por Pedro Rafael Vilela/Brasil de Fato
Numa votação que ficará marcada na história por ter colocado em xeque a democracia do país, o Senado Federal afastou de forma definitiva a presidenta Dilma Rousseff (PT) nesta quarta-feira (31). Por 61 votos a 20, num resultado já esperado, Dilma perde o mandato presidencial por acusações, no mínimo, duvidosas. Responsabilizada pela edição de três decretos de suplementação orçamentária e atrasos nos repasses a bancos públicos, a petista apenas repetiu medidas tomadas por praticamente todos os seus antecessores, como Lula e Fernando Henrique, além de dezenas de governadores e milhares de prefeitos.
Apesar de ter perdido o cargo, Dilma manteve os seus direitos políticos. Apenas 42 senadores votaram para que Dilma perdesse os direitos políticos durante oito anos e ainda ficasse proibida de exercer qualquer função pública no período. Com isso, ela sai do cargo de presidente, mas poderá ter outras ocupações profissionais, como dar aulas e consultorias, o que já disse que pretende fazer a partir de agora.
O vice-presidente Michel Temer, convertido em titular, abandonou a base de governo de Dilma há nove meses, e tem agora como principal aliado o PSDB, partido derrotado nas eleições de 2014. Em debate promovido peloBrasil de Fato na última segunda-feira, a historiadora Joana Montaleone, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembra que parte da elite brasileira e os partidos de oposição nunca aceitaram a quarta vitória eleitoral do PT para a Presidência da República.
“Eles não esperavam perder. Quando viram o que ocorreu, rapidamente foi articulado um plano B. Após um mês do resultado eleitoral, já havia pessoas pedindo impeachment. Aquilo foi fomentado pela mídia. Foi inaceitável para eles, que também perceberam que poderiam perder a próxima. A opção foi partir para um golpe parlamentar”, afirmou Joana.
Desde que o Brasil reconquistou sua democracia, em 1985, apenas dois presidentes eleitos pelo voto direto conseguiram terminar seus mandatos: Lula e Fernando Henrique. A força do poder econômico e da mídia para a deposição de Dilma remete ao golpe de 1964, acrescenta Joana. “A atuação dos empresários em 64 foi muito evidente. [Hoje], a força do empresariado em cima do Congresso se dá através do dinheiro para as campanhas”, declarou.
Mundo fala em golpe
O afastamento de Dilma, tida por seus aliados e até mesmo por seus opositores como uma mulher honesta, foi questionado na imprensa internacional essa semana. Matéria do jornal The Washington Post, um dos principais dos Estados Unidos, descreve que adversários políticos “se uniram pela retirada de Dilma sabendo que era injusto” . O The Guardian, da Inglaterra, fala em desejo de barrar a operação Lava Jato. O Le Monde, da França, fala em “golpe encenado”. Na Argentina , Espanha, Portugal, Rússia e até no Oriente Médio, a repercussão foi parecida.
O programa do golpe
Para Luiz Carlos Bresser-Pereira, economista, cientista político e ex-ministro do governo FHC, a população brasileira e classe política pagarão caro pela destituição de Dilma Rousseff, no que ele chama de “farsa jurídica”. Ele alertou, em publicação nas redes sociais, para o retrocesso da agenda conservadora prometida por Temer às elites econômicas do país que apoiaram o impeachment. O governo prepara para as próximas semanas o anúncio de um plano de privatizações que vai incluir, segundo disse o próprio Temer, “tudo o que for possível vender”, especialmente empresas do setor elétrico e de infraestrutura.
Além disso, já tramita no Congresso uma proposta de emenda constitucional que congela por 20 anos o crescimento dos gastos públicos. Na prática, a medida vai reduzir, ao longo dos anos, recursos públicos para áreas como saúde, educação, meio ambiente, saneamento básico, ciência e tecnologia, entre outros. A proposta, por outro lado, não mexe no pagamento de juros da dívida pública para banqueiros e rentistas. Outros dois projetos que devem ser apresentados ainda este ano é a reforma na previdência, que poderá aumentar a idade mínima e tirar o salário mínimo como piso do INSS. A mudança na legislação trabalhista também está prevista, e pode flexibilizar direitos da CLT, como férias, 13º salário e aumento de jornada.
Para a socióloga Eliana Graça, o impeachment vai agravar a crise política no país, justamente porque virá acompanhado de uma agenda de governo que não foi eleita nas urnas. “Trata-se de aprofundar a crise e não solucioná-la. As propostas do Temer são tão regressivas e neoliberais que já não são mais recomendadas nem pelo próprio FMI [Fundo Monetário Internacional]”, opina.
Edição: José Eduardo Bernardes