“…enquanto dormimos, lutam-se guerras sangrentas e quando queremos despertar a morte bate a nossa porta”.
Esta afirmação que se ouve no vídeo é tragicamente certa…mas ouve-se com uma voz clara e suave. É um recurso coerente com o contraste que propõe esta campanha desde o seu próprio nome: Poesia contra as armas.
Luz Jahnen, um dos promotores da iniciativa, convida a participar num um projecto que considera urgente: enfrentar a industria armamentista….com poesia.
Vocês assinam a campanha como “Comité para a defesa do sistema nervoso débil”. O que é esse comité e como vos ocorreu esta campanha?
Bom, somos um pequeno grupo de amigos localizados em três países, que participamos há anos no Movimento Humanista fundado por Silo, um grande pensador e escritor latino-americano, que foi a nossa fonte de inspiração. Num dos seus contos – “O dia do leão alado” – há um “Comité para a defesa do sistema nervoso débil”. Daí tomámos o nome como uma espécie de recordação e homenagem. Silo promoveu com força a luta por superar toda a forma de violência, mas é óbvio que ainda há muito por se fazer nesse campo, e por isso, podemos dizer que esta campanha surgiu por necessidade.
Especificamente, o ano passado cheguei a um acampamento de verão, depois de estar envolvido em estudos e actividades sobre violência e vingança. Acreditei compreender como as duas coisas são parte da nossa cultura e se expressam pessoalmente e socialmente. É claro que a violência tem muitas formas, mas em particular a violência armada tem-se tornado para mim cada vez mais evidente. Não preciso dar muitos exemplos, pois não? Todos os dias temos noticias de guerras, de atentados, de assaltos e mortes de umas pessoas por outras, e parece normal! Chegamos a toma-lo como natural e inevitável! Mas estou convencido de que é ao contrario, de que o futuro humano só será possível se superarmos a violência, então parti a cabeça a pensar no que fazer para parar a corrida armamentista que sofremos hoje.
E aí surgiu o recurso da poesia..
Sim, porque recorrer a fabricantes de armas ou governos, é impensável. As armas são um negócio que não só movimenta muito dinheiro, mas que é precisamente a economia de poder, que envolve desde os países mais ricos aos seus serviços secretos … O que se poderia opor a esses poderosos, a esses economistas sem moral, a esses negociadores sem sentimento nem compaixão? E ocorreu-me enfrentá-los com o seu oposto, com o mais sensível, o que não busca lucro, o mais delicado, o que expressa o melhor das pessoas, o mais humano: a poesia. E uma vez que esta ideia me ocorreu, começaram a surgir mais imagens. Então chamei dois amigos que se juntaram entusiasticamente: Tom, da Suíça, foi responsável pela programação da web e Bruno, de Buenos Aires, que coordenou com uma pequena equipa a produção deste lindíssimo vídeo promocional que já temos em vários idiomas.
Eles coincidem com a tua análise e o teu registro de urgência?
Sim, claro! Porque o armamento é cada vez maior, está cada dia mais sofisticado e está em mais mãos. Já não é só nos Estados Unidos, mas chega também a muitos grupos para-estatais que também consideram que têm algo a defender. Por uns ou por outros, estamos cada vez mais expostos! As armas nucleares, por exemplo, já são produzidas em tamanhos pequenos, que sejam fáceis de se deslocar. A pergunta já não é quem vai usá-las mas sim quando se vai usar, em que condições e quem serão as vítimas.
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Alguns dados
- 70% do comércio de armas vem dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.
- Entre os 10 principais fabricantes está também Alemanha, Espanha e Itália.
- De 2001 a 2014 a despesa militar mundial aumentou 50%.
- A violência armada afecta, a cada ano, a vida de cerca 508 mil pessoas, a maioria em contextos que não são conflitos armados.
- Mais de 1.000 empresas de quase 100 países fabricam armas pequenas e armas ligeiras.
Dados e a experiência diária sugerem que o problema vai mais longe, ou mais perto…
Isso mesmo, está certo. Na maior parte do mundo, temos uma cultura de ter armas em casa. Em alguns países, não é tão fácil obtê-las, mas em muitos outros, a venda de fuzis e pistolas a indivíduos é um negócio de milhões de dólares. Os Estados Unidos são, provavelmente, o caso mais conhecido, mas na América Latina há também muitos países onde se permite armas de fogo em casas e estão a ser usadas, e milhares de pessoas morrem todos os dias. No México, por exemplo, há 10 vezes mais armas per capita que nos Estados Unidos.Em última análise, não sabes o risco que corres, se te chateias com o teu vizinho … Além disso, também serve como uma “justificação” para que os governos armem a sua polícia como verdadeiros exércitos, preparados para reprimir qualquer tentativa de reclamação ou protesto.
Então …
Então, a todos nós nos falta uma compreensão profunda de como, se quisermos superar a violência, devemos superar essa “naturalidade” com que se aceitam armas. Eu acho que muitas pessoas não consideram esta questão porque estamos “habituados” a que haja uma policia, a que hajam pistolas, tanques, bombas … mas, o que significa uma arma? É um símbolo da nossa incapacidade de reconciliarmos, de compreender e resolver nossos conflitos de um modo não violento. Seja o Estado ou uma pessoa, quando é que pegas numa arma? Quando queres vingar-te, quando queres conquistar algo, quando não consegues o que queres ou quando te confrontas com outros e não sabes resolver o problema sem violência. Neste campo, como em outros, a tecnologia continua a avançar muitíssimo, mas as nossas condutas continuam a ser pré-históricas, não é assim?
Por outro lado, para além das mortes e do sofrimento que tudo isto implica, o orçamento envolvido é incrível: em 2015 apenas 1,7 bilhões de dólares foram gastos em armamento militar. É assombroso saber que com esse dinheiro em um ano poderiam construir-se diariamente 150 hospitais com pessoal qualificado e a melhor tecnologia. Pode-se dizer que a corrida armamentista nos impede de resolver os reais problemas urgentes: a fome, a educação, o bem-estar das pessoas, o desemprego, falta de democracia e o desenvolvimento de uma cultura verdadeiramente humana no planeta. Tudo está retardado por esta cultura violenta. E a resposta só pode vir de pessoas normais, todos os dias. Não podemos esperar soluções de mais ninguém.
Dizes então que devemos tomar consciência disto que nos acontece e assumir a responsabilidade.
Este é o objectivo desta campanha: criar consciência sobre a violência das armas no nosso mundo de hoje e convocar indivíduos e grupos a fazer a sua contribuição, a levantar as suas vozes e reconhecer que em outras partes do mundo há muitos como eles. Como se pode pensar que se é o único no mundo a pensar assim? Somos milhões! Precisamos expressar esta aspiração profunda que temos, expressar-nos com o melhor sentimento, e dar a conhecer a outros. E então, talvez, com esta conexão, com esta acção em comum, com esta campanha, faremos ver aos poderosos que “há uma forte oposição de pessoas em todos os lados, em todos os países, em todas as línguas, que não aceita a concepção de violência”. Todos podemos participar: criança, jovem, idoso, mulher, homem, grupo, partido, movimento … Cada um e todos podem participar.
E para isso, qual é a proposta?
A proposta é dupla. A primeira parte é muito fácil: levas uma poesia que gostes – pode ser tua ou de outra pessoa – pões-te em frente à uma instalação violenta no teu país – uma fábrica de armas, um monumento militar, uma delegacia de polícia ou o que pareça melhor – e lês esse poema enquanto um amigo te filma, com um telemóvel por exemplo. Então entras na página Web da campanha e envias o teu pequeno vídeo; lá diz-te como, e é muito fácil. Quando o tiveres feito, aparecerá um pontinho no mapa mundial com a tua contribuição.
A segunda parte é difundir a campanha entre os teus amigos, teus vizinhos, tua família, teus contatos de internet na tua escola ou trabalho, nas rádios ou jornais que tenhas em mão. Podes ver o vídeo, por exemplo, que já temos em várias línguas. Podes partilhá-lo nas redes sociais, no teu canal do YouTube, no teu blog, no teu site ou pedir a alguém para projetar no seu show ou no seu programa de TV … Precisamos de difundir a campanha e também o pedido de participação.
E se for algo diferente de um poema …?
Também! O campo poético é muito grande. Pode ser um texto, mas também uma canção, uma dança, algo que querias fazer com cartazes, uma representação coletiva com vários amigos … Tudo o que te passe pela cabeça e que gostes. O que importa é que rompamos esse isolamento em que estamos, os milhões que somos, e armemos um coro de milhões de vozes, um coro que cante com força pela superação da violência. Cada vez mais forte e mais longe, até que nos oiçam.
Para participar na campanha: http://www.poetry-against-arms.world/es/