No sábado (09), durante o VII Fórum Social Mundial das Migrações, a QuatroV – 4V e a agência de notícias Pressenza organizaram um debate sobre o jornalismo em zonas de conflitos com o objetivo de valorizar o trabalho dos profissionais da imprensa que arriscam a própria vida denunciando violações de direitos humanos em guerras e enfrentamentos civis.
Mediado pela jornalista e apresentadora da QuatroV – 4V, Renata Forné, o debate contou com a presença do fotojornalista, Joel Silva, e da jornalista da Folha de São Paulo, Patrícia Campos Mello.
Joel Silva, que já cobriu conflitos armados na América Latina, África e Oriente Médio, afirma que: “A nossa função é descer ao porão da sociedade e mostrar o que ela não quer ver”. “Quando a mídia entra em uma zona de conflito a visibilidade aumenta”.
Embora o trabalho enfrente inúmeras dificuldades, como risco à integridade física, insegurança jurídica e perseguições políticas, “o jornalista não tem direito a ter medo”, afirma Patrícia Campos Mello, que esteve na Síria e entrevistou um comandante do Estado Islâmico.
O fotojornalista destacou a importância dos cursos para profissionais da imprensa em zonas de conflito. Joel Silva realizou um treinamento com o exército brasileiro e outro em Israel. O conteúdo dos cursos é bastante diversificado e aborda desde direitos internacionais até o manuseio de armas de fogo.
Já Patrícia, ressaltou a importância do fixer (arranjador), contratado para auxiliar no trabalho de um correspondente internacional. “Mesmo que você fale o idioma, isso não dispensa o fixer, porque ele é um tradutor cultural”.
A lente detrás das balas
Ser atingido na cabeça por um tiro de raspão, no Egito, no auge da Primavera Árabe, não desencorajou Joel Silva. “O conflito mais pesado foi na Líbia”, comenta.
O fotojornalista iniciou o trabalho em zonas de conflito seguindo o roteiro das drogas nas periferias de São Paulo. Neste período, Joel Silva foi à Colômbia (maior produtor de cocaína do mundo) onde ficou 20 dias com narcoguerrilheiros.
As lentes de um fotojornalista precisam estar sempre atentas a todos os cenários da guerra. “Muitas vezes você não consegue acessar as zonas de conflitos então você consegue informações com quem veio de lá. Nos hospitais, por exemplo”, explica Joel.
Embora esteja próximo das batalhas, em meio ao fogo cruzado, o jornalista precisa se informar do que está acontecendo ao seu redor através de meios de comunicação internacional. “Quando você entra em uma zona de conflito fica isolado do mundo”, conta o fotojornalista.
A cidade do menino Aylan Kurdi
Em setembro do ano passado uma imagem chocou o mundo. A foto do menino Aylan Kurdi, 3, morto em uma praia turca acendeu o debate sobre a crise mundial dos refugiados, principalmente dos sírios que enfrentam a opressão do presidente Bashar al-Assad, o Estado Islâmico, rebeldes e constantes bombardeios de forças aéreas internacionais.
A jornalista Patrícia Campos Mello foi à Síria, na cidade onde Aylan nasceu (Kobani), para compreender por que muitos refugiados arriscam-se viajando em botes, em situação precária. “Kobani ficou 70% destruída”, comenta Patrícia. “Quando o Estado Islâmico invadiu Kobani, depois de dois meses os Estados Unidos invadiram e terminaram de destruir a cidade”.
Diante das ruínas, escassez de remédios e alimentos e conflitos armados, a maioria dos sírios que possuem os dois mil dólares pagos para o coiote (responsável por organizar a travessia pelo mar) prefere arriscar a vida no mar em busca da sobrevivência mesmo sabendo dos perigos.
“Na Turquia (país onde os refugiados sírios embarcam para o ocidente) abriram um cemitério só para quem morreu afogado. Já há mais de 500 pessoas enterradas e como não há identificação os corpos estão apenas com um número”, narra a jornalista.
Algumas pessoas se aproveitam da tragédia humana, Patrícia conta que: “na cidade de Izmir (Turquia) há muitas lojas vendendo coletes. Recentemente descobriram uma fábrica que vendia coletes feitos de papelão”.
Confrontos no Brasil
Em 2015, o Brasil ocupou a terceira colocação no ranking de países mais violentos para jornalistas, segundo o Comitê Para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Das 69 mortes de profissionais da imprensa no mundo, seis casos aconteceram no país e outros dois casos estão sendo investigados como assassinatos relacionados à atividade profissional da vítima.
O jornalista brasileiro não morre em confronto. Geralmente após fazerem denúncias “os jornalistas brasileiros são assassinados em execuções”, afirma Patrícia.
Joel também explica que diferente das zonas de conflitos, o jornalista no Brasil é refém de todos os lados: “Quando você está em um morro ou em uma manifestação qualquer um pode jogar uma garrafa em você”.
Durante o debate, os participantes levantaram a questão da violência do estado nas periferias brasileiras e em locais afastados o que inibe a atividade profissional do jornalista. No país, não é raro assistir a jornalistas serem agredidos por policiais civis e militares e até serem conduzidos à delegacia por exercerem a sua profissão.
Texto: Leandro Sena Lara
Foto: Leandro Sena Lara