05 de junho de 2016 | Leonardo Miazzo
Por Enio Lourenço, exclusivo para O Cafezinho
No terceiro e último dia do II Salão do Livro Político, realizado no Centro Cultural São Paulo, a mesa de debates “Leituras do Brasil” reuniu dirigentes de cinco partidos de esquerda: Valter Pomar (PT), Jamil Murad (PCdoB), Luiz Araújo (PSOL), Edmilson Costa (PCB) e Zé Maria (PSTU).
Com o propósito de refletir a conjuntura política que culminou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff e apontar os desafios atuais para a reorganização desse campo político, os debatedores seguiram por quase três horas de discussões e proposições na noite de ontem (3 de junho).
O chamado “momento de autocrítica da esquerda”, ressaltado por muitos debatedores e pelo público do evento, foi levado à sério por uma participante, que, no momento das arguições, criticou os políticos e à organização do evento pela falta de mulheres entre eles.
“Fico muito feliz em participar desse evento, com uma mesa muito qualificada e um debate riquíssimo, mas não posso deixar de dizer que a composição dos escolhidos para o debate parece o ministério do Temer.”
Confira alguns trechos das reflexões dos dirigentes de esquerda, na ordem de exposição sorteada no debate.
Luiz Araújo (PSOL)
Quando a crise econômica acontece, ela mina as possibilidades de continuar o equilíbrio disforme dos governos petistas entre manter intacta a política estrutural econômica, que mantém altas taxas de lucro para o grande capital, em especial o capital financeiro, e ao mesmo tempo distribuir concessões sociais para os setores que sustentavam o governo. E a escolha que o governo Dilma fez, em tempos de vacas magras, foi secar a fonte dos setores sociais, numa tentativa de manter a credibilidade e sua base de sustentação entre os setores da elite (…).
A pergunta que fica é: como é que você reconstrói o sonho da riqueza no Brasil após o fim desse ciclo [petista]? Lutar contra o Michel Temer e inviabilizar que esse governo se estabeleça, garantir que nossos direitos não sejam atacados, vai exigir um grau de unidade da esquerda que nós não conquistamos até agora. Esse é o primeiro desafio mais imediato. Outro é saber como nós vamos reconstruir o sonho de esquerda no Brasil, sob novas bases.
Edmilson Costa (PCB)
Essa crise foi pedagógica para os trabalhadores, para os setores de vanguarda e para os setores organizados dos ativistas sociais. Ela veio demonstrar o fracasso e a desmoralização da política de conciliação de classes. Por mais que o PT tenha feito a política do grande capital, por mais que o PT não tenha incomodado a mídia, que depois se voltou contra ele, a burguesia não o perdoou nesse processo. A política de conciliação de classes demonstrou que só leva ao fracasso qualquer tentativa de reforma (…).
A tarefa nesse momento é unir o máximo de forças para derrotar esse governo [Temer]. E, no interior dessas forças, reorganizar a esquerda classista e socialista, de forma a não repetir os erros da conciliação de classes, buscando a construção de um grande bloco de lutas, que tenha a capacidade de colocar me movimento uma nova perspectiva para os trabalhadores e para a luta de classes neste país.
Valter Pomar (PT)
Não é um golpe contra a Dilma ou contra o PT, é uma movimentação mais ampla, que visa realinhar o Brasil aos E.U.A, nos afastando dos BRICS, nos afastando da integração regional, que visa rebaixar o nível salarial da classe trabalhadora para retomar às condições de lucratividade do grande capital. E também visa restringir ainda mais a democracia, como é clássico no nosso país.
O golpe implica em desfazer o que houve de avanço de 2003 para cá, em desfazer o que há de positivo na Constituição de 1988, em desfazer a CLT, é um processo de retrocesso generalizado. Não só o PT ou o Lula correm riscos nesse processo golpista, mas a esquerda como um todo vai ser alvo de uma brutal ofensiva de repressão policial, militar, política, cujo objetivo imediato é eleger um presidente de direita legítimo em 2018. Mas cujo objetivo de médio prazo é fazer o capitalismo brasileiro voltar ao seu modo normal, baseado na dependência, na desigualdade e na ditadura, porque nós somos um dos países do mundo com menos democracia.
As principais organizações de esquerda no Brasil, a começar pelo meu partido, têm que reconstruir os laços com a classe trabalhadora, em especial com essa nova classe trabalhadora jovem, feminina, que surgiu nos últimos anos.
Reconstruir os laços com a periferia, com uma série de lutadores e lutadoras que não se reconhecem em grande parte das organizações tradicionais dos movimentos sociais, sindical e popular. E isso supõe que a maior parte da esquerda brasileira modifique o seu programa e a sua estratégia, porque foram esses dois pontos, tendo como protagonista o meu partido, que criaram esse distanciamento. E chegando ao limite, de 2015 para cá, com o governo Dilma adotando um programa que não foi o vitorioso nas urnas. Portanto, agredindo seus eleitores e se afastando da base social. O golpe teve vitória, entre outras razões, porque uma grande parte da classe trabalhadora não se reconhecia e não se sentia motivada a sair às ruas para defender o governo, cujo saldo principal foi o desemprego expressivo.
Jamil Murad (PCdoB)
Desde 2014 existe uma oposição violenta, sem limites, ao governo Dilma, e nós enfrentamos esse processo o tempo todo. Existe uma oposição de ultradireita, dizendo: “fora, comunismo”. Militares reformados que fazem pichação, que se organizam para ser a tropa de choque das passeatas, da agressividade, que reivindicam a volta do regime militar.
É isso que estamos vivendo. Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo são porta-vozes disso, companheiros (…).
É hora de somar esforços. Surgiu a Frente Brasil Popular, que é uma organização política, com uma plataforma mínima, defesa da soberania, da democracia, das reformas estruturais democráticas, que demanda grandes investimentos e solução real dos grandes problemas que penalizam o nosso povo. E também tem a Frente Povo Sem
Medo, uma organização importante, representativa. Não podemos nos colocar contra [as frentes], temos que ir somando, costurando os pontos. Mas precisamos formar uma frente política de massas.
Zé Maria (PSTU)
Nós temos hoje 11 milhões de desempregados. O governo Dilma fez uma sucessão de ataques aos direitos da classe trabalhadora, de cortes nos investimentos nas políticas sociais, na educação, na saúde, na moradia. Avançou na privatização, como nós vimos no campo de Libra da Petrobras. Existe uma ampla ruptura da base social do PT com o PT. A classe operária desse país, em especial os setores mais pobres, queriam ver o governo do PT pelas costas antes do impeachment, porque acreditaram na campanha de 2014 e foram miseravelmente traídos depois das eleições. E essa ruptura está na base da crise política que o país viveu.
Nós não vemos um golpe da direita como o responsável pela situação que o país vive hoje. A direita brasileira estava, e está até hoje, dividida. Uma parte da direita sempre odiou o PT e a esquerda. Mas outra parte da direita estava dentro do governo do PT: Kátia Abreu, Joaquim Levy, Paulo Maluf, Fernando Collor de Mello, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, José Sarney, Michel Temer.
Se nós queremos defender os interesses da classe trabalhadora, deixemos de fora quem já está fora, e vamos lutar para botar o resto para fora. Vamos nos unir para derrotar reforma da Previdência, o ajuste fiscal, e tomando essa luta como luta da nossa classe. Da mesma forma que a classe operária não foi às ruas para defender o governo Dilma, não vai às ruas agora para defender a volta dela, isso devido à traição. Fora Temer, sim, mas volta Dilma, não. E pela convocação de eleições gerais neste país.
Fonte: O Cafezinho