País é o quarto maior exportador de armas leves do mundo, cuja indústria produziu 47.912 revólveres em 2015 (alta de 44%); bancada da bala ganha força com governo Temer.
por Ivan Ryngelblum
Véspera de Natal de 2015. Diego Santos, de 28 anos, visita a ex-namorada Valdenize Santos, 30 anos, no litoral de São Paulo e, após uma discussão, ela é morta a tiros. Segundo a polícia, a arma de Santos teria disparado sem querer. Dois meses depois desse episódio, outra família vive uma tragédia por motivos torpes. José Ferreira Júnior, 25 anos, foi assassinado por dois homens depois que ele se recusou a diminuir o volume do som do carro, no povoado de Areia Branca, em Alagoas.
Os dois casos são emblemáticos: revelam como uma discussão trivial pode acabar em tragédia pela simples presença de uma arma de fogo, colaborando para colocar o Brasil entre os países mais violentos do mundo. Com apenas 2,8% da população mundial, o país registra a 12ª maior taxa de homicídios do mundo – 25,2 pessoas por 100 mil habitantes, quatro vezes a mais que a média global (6,2).
Em 2014, 52.336 pessoas foram mortas de forma violenta – o equivalente a seis pessoas por hora -, com destaque especial para jovens negros. O Brasil abriga 21 das 50 cidades mais violentas do mundo.
O denominador comum das histórias de Valdenize e José, e da maioria dos homicídios no país, é a presença de armas de fogo leves (revólveres e pistolas) produzidas no próprio Brasil. Pistolas ‘made in Brazil’ teriam sido protagonistas de 42 mil homicídios no ano passado (80% do total). Levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz mostra que três quartos das armas apreendidas em crimes praticados em São Paulo entre 2011 e 2012 foram fabricadas no Brasil.
Dados oficiais com estimativas sobre quantas armas circulam no país são escassos. O Sinram (Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal), responsável por monitorar as armas de fogo em poder da população, está defasado tecnologicamente, segundo a própria instituição. O Sinram monitora apenas a quantidade de armas fabricadas. Em 2015, a indústria armamentista brasileira produziu 47.912 revólveres – um aumento de 44% em relação ao ano anterior.
O alto número de armas brasileiras utilizadas em mortes no país não é fruto de mero acaso, mas consequência de políticas públicas tomadas ao longo do século XX – algumas mantidas até hoje – que subsidiaram a indústria nacional e fecharam o mercado interno para produtos estrangeiros.
O resultado é que o país é o quarto maior exportador de armas leves do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da Itália e da Alemanha, segundo estimativa da Iniciativa Norueguesa em Transferência de Armas Leves (NISAT, na sigla em inglês).
As medidas que criaram o duopólio que domina o mercado – formado pela Forjas Taurus, que produz armas, e a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), especializada em munições – afetam diretamente as decisões na área de segurança pública, que acabam contaminadas pelos interesses econômicos das duas companhias.
“O papel central que a indústria armamentista teve como um todo nos planos econômicos e estratégicos dos sucessivos governos militares teve um impacto profundo em todos os aspectos de como se lida com armas de pequeno porte no Brasil”, dizem os pesquisadores Benjamin Lessing, Júlio Cesar Purcena e Pablo Dreyfus no estudo “A Indústria Brasileira de armas leves e de pequeno porte: Produção Legal e Comércio”.