Data 13.01.2016 | Autoria Mariana Santos, de Chicago
O direito ao porte de armas é garantido pela Constituição americana, e qualquer debate sobre um maior controle é coberto por argumentos exasperados de ambos os lados. Ano eleitoral torna o diálogo ainda mais difícil.
Em seu último discurso sobre o Estado da União , o presidente americano Barack Obama foi sutil ao tratar do controle de armas nos Estados Unidos. Diferente da última semana, quando fez um discurso emocionado contra a violência armada, seguido de um artigo no jornal The New York Times e um debate na emissora CNN, nesta terça-feira (12/01) Obama mal tocou no assunto e preferiu tratá-lo de forma simbólica: com uma cadeira vazia ao lado da primeira-dama, Michelle Obama, para representar as vítimas da violência armada.
O gesto mostra quão delicado é o tema e quão polarizados são os pontos de vista no país. Desde que anunciou medidas para intensificar o controle de armas nos Estados Unidos, driblando um intransigente Congresso de maioria republicana, políticos e grupos pró-armamento encamparam uma luta contra o que consideram ser uma investida do líder democrata para tomar as armas da população. O pré-candidato republicano à presidência Ted Cruz – segundo nas intenções de voto nas primárias – chegou a criar uma página online com uma foto do presidente em roupa militar ao lado da frase “Obama quer suas armas”, e um espaço para registro do apoiador contra o pacote do governo.
Em pleno ano eleitoral, o ataque faz barulho justamente porque, de fato, grande parte dos americanos não cogita discutir a Segunda Emenda à Constituição, aprovada em 1791 para garantir o direito de manter e portar armas, em um contexto de luta pela independência do império britânico. De acordo com o centro de pesquisa Pew Research Center, atualmente metade da população acredita que proteger o direito de possuir armas é mais importante do que controlar a posse das mesmas. Outro estudo, publicado em 2014 pelo instituto Gallup, revelou que 63% dos americanos acreditam estar mais seguros com um revólver em casa.
Menos armas, menos mortes
Uma cena no debate da CNN na última quinta-feira ilustra o quão herméticos são os americanos em relação ao debate. Uma mulher na plateia, vítima de estupro a mão armada, disse que, para ela, carregar uma arma para proteger os filhos é sua “responsabilidade como mãe”, e que a proposta do governo deixa sua família mais insegura.
Em resposta, Obama ressaltou que não há nada proposta que poderia tornar mais difícil para ela obter uma arma. “Mas você certamente gostaria que tivesse sido um pouco mais difícil para aquela pessoa que a atacou conseguir uma arma”, disse o presidente americano, com cautela.
As medidas propostas por Obama pretendem reforçar e ampliar a checagem de antecedentes dos compradores de armas em lojas, feiras ou pela internet. O governo promete ainda acelerar o processo de verificação do perfil do comprador e coibir a venda para condenados por crimes graves, de violência doméstica, dependentes de drogas e pessoas com problemas mentais. O objetivo é impedir que armas “caiam nas mãos erradas”.
Antes do anúncio do governo, um levantamento do Pew Research Center mostrava que 85% dos americanos na verdade apoiam a ampla checagem de antecedentes de compradores de armas. No entanto, esse apoio acaba sendo controverso na prática: muitos entrevistados que concordavam com a verificação dos compradores mostraram-se reticentes a leis estabelecendo as medidas.
Além da autodefesa, especialistas em violência nos EUA ressaltam que outros fatores levam a população a ser favorável ao porte de armas. Praticantes da caça, por exemplo, também não querem abrir mão do direito de comprar suas espingardas. O diretor do Centro de Pesquisa em Proteção da Universidade de Michigan, Marc Zimmerman, ressalta ainda a desconfiança de alguns grupos, especialmente no sul do país, sobre qualquer ação do governo federal. Ele lembra um episódio ocorrido há sete meses no vilarejo de Christoval, no Texas, quando moradores ficaram “em alerta” durante um treinamento militar na região, por receio de que o Exército pudesse tomar o estado e as armas dos cidadãos.
“Este receio é totalmente irracional”, diz Zimmerman, observando que o governo nem teria como recolher as mais de 300 milhões de armas que se encontram nas mãos de civis atualmente. Ele ressalta ainda a força do lobby da Associação Nacional do Rifle (NRA) contra qualquer medida que possa interferir no comércio de armas.
Entusiastas pró-controle, por sua vez, afirmam que não por acaso estados americanos com leis mais restritivas com relação à aquisição de armas registram menores índices de morte por armas de fogo. Enquanto em 2013 o número de mortes no estado de Nova Iorque foi de 4,3 por cada 100 mil habitantes, o Alabama registrou 17,6 mortes por 100 mil.
Direito deve ser mantido
Mesmo quem não tem ou não pensa em comprar uma arma, defende a manutenção do direito estipulado pela lei. “Há situações em que você precisa, situações imprevisíveis que acontecem se você mora no campo, por exemplo, longe de tudo”, acredita Daren Clark, 50 anos. “Só não vejo motivos para ter um revólver se você mora na cidade. Há histórias de crianças que se matam com essas armas”, pondera Clark, que trabalha num bar em Chicago.
Embora não se sinta “nem um pouco seguro” com a ideia de ter uma pistola ao alcance das mãos, o especialista em segurança cibernética Igor Lokotkin, 33, concorda que o direito de adquirir uma deve continuar existindo. “As pessoas precisam ter a liberdade de fazer o que pensam ser melhor para elas, mas acho que a capacidade de portarem uma arma precisa testada. Tem muito louco armado por aí”.”
“Sou a favor da liberdade de escolha, mas ter uma arma é uma responsabilidade. Deveria haver um controle anual do registro, como acontece com carros”, opina o gerente de projetos Mike Leary, 34. Para ele, a checagem de antecedentes não deveria causar polêmica, já que se trata da segurança de todos. E, embora não seja a solução para os crimes envolvendo armas, é um começo para tentar reduzi-los, ele diz. “Está havendo uma exploração dos mais desinformados, com a ideia de que o Obama quer tomar as armas.”
Marc Zimmerman vai um pouco além: a ideia de ter uma arma para se defender, por si só, para ele, está equivocada. Zimmerman afirma não conhecer nenhum estudo que comprove que, ao portar uma pistola, uma pessoa está menos propensa a morrer. “E mesmo para cada história que ouvimos de alguém que conseguiu se defender, há tantas outras trágicas envolvendo crianças ou adultos foram vítimas das próprias balas.”
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