O Observatório dos Direitos Humanos (ODH) reuniu-se no passado dia 30 de Novembro com o Embaixador Itinerante de Angola, António Luvualu de Carvalho, a convite deste, para falar da situação dos direitos humanos nesse país africano e, particularmente, do processo judicial contra Luaty Beirão e outros. A reunião decorreu na Universidade Lusíada, na cidade do Porto e durou cerca de duas horas.
Durante a mesma, o referido diplomata teve ocasião de falar dos progressos feitos em Angola no domínio dos direitos económicos, sociais e culturais, particularmente do direito à saúde e à educação, desde o restabelecimento da paz em 2002 até ao presente, referindo que os indicadores estatísticos nesse domínio estavam desatualizados, até porque o país só realizou novo censo durante o ano passado e o seu tratamento só ficará concluído no próximo ano.
Para sustentar essas afirmações, o embaixador itinerante de Angola entregou diversa documentação à delegação do ODH, esperando que a mesma possa servir para mudar a imagem do país no exterior no que respeita à situação dos direitos humanos, que o mesmo classificou como desinformada ou manipulada. Nesse sentido, o ODH foi convidado a visitar proximamente o país, de forma a constatar “in loco” a sua realidade política e social.
No que respeita ao caso Luaty Beirão, Luvualu de Carvalho rejeitou a ideia de violação dos direitos humanos, referindo que tudo se passou de acordo com o princípio da legalidade, sendo Angola um Estado de Direito, com separação de poderes. Nessa medida, o processo seguiu a tramitação normal do processo penal, promovido pelo Ministério Público, estando o julgamento a decorrer de forma pública, pelo que não é possível ao Governo ou à Presidência da República interferir no mesmo, já que compete ao tribunal apreciar e decidir a causa. Em qualquer caso, o mesmo diplomata fez o enquadramento legal da acusação, referindo que os arguidos estão a ser julgados pela prática de atos preparatórios do crime de rebelião, previsto e punido nos artigos 315º e 322º do Código Penal (CP) angolano.
Da parte do ODH, reconhecendo embora os progressos registados nesse plano, plasmados na nova Constituição angolana de 2010, que contém um catálogo alargado de direitos fundamentais, foi referido que é necessário fazer um esforço de convergência entre a promoção dos direitos económicos, sociais e culturais, por um lado, e dos direitos civis e políticos, por outro, atendendo à interdependência de uns e outros.
Por outro lado, no que toca ao caso Luaty Beirão, ressalvando que não conhece todos os factos concretos imputados aos arguidos nem as provas existentes contra os mesmos e esperando que o tribunal faça a correta apreciação de uns e outras, o ODH manifestou reservas quanto à compatibilidade com os direitos humanos da norma do Código Penal angolano que prevê a punibilidade dos atos preparatórios no caso dos crimes contra a realização do Estado, como é o caso do crime de rebelião. Com efeito, o ODH constatou que a regra geral é de que os atos preparatórios não são puníveis, mas apenas a tentativa, salvo especificamente neste tipo de crimes. Porém, a indeterminação do conceito de atos preparatórios cria uma margem ampla de incerteza jurídica, permitindo qualificar como tal qualquer ato de questionamento da ordem política instituída. Nessa medida, a norma do artigo 322º do CP poderá mesmo ser inconstitucional, à luz dos artigos 26º, 56º e 57º da Constituição angolana, por configurar uma restrição desproporcionada das liberdades de expressão, de associação, de reunião e de manifestação, previstas na Lei Fundamental daquele país.
De facto, as violações dos direitos humanos tanto podem ocorrer por efeito de prática administrativa como por via legislativa.
Assim sendo, o ODH recomendou ao representante do Governo angolano a revogação futura da referida norma do Código Penal, apesar da sua atividade se cingir até ao momento à situação dos direitos humanos em Portugal.
Direitos humanos em Angola: nem paraíso nem inferno
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