O embaixador boliviano nas Nações Unidas, Sacha Llorenti, confirmou ao Página/12 a decisão do governo de Evo Morales de iniciar a tramitação do projeto no Parlamento nas próximas semanas. A África do Sul avalia seguir o mesmo caminho.
27/10/2015
Por Tomás Lukin*
O Estado Plurinacional da Bolívia incorporará os nove princípios básicos sobre a reestruturação da dívida soberana da ONU à sua legislação antes do fim do ano. A Argentina fez esse caminho no mês passado. O embaixador boliviano nas Nações Unidas, Sacha Llorenti, confirmou ao Página/12 a decisão do governo de Evo Morales de iniciar o debate legislativo correspondente nas próximas semanas. “Incorporar os princípios não aumenta o custo de emissão dos bônus que a Bolívia fará no futuro. Pelo contrário, os princípios dão maior estabilidade e previsibilidade a essas operações: protegem os credores legítimos e estabelecem um equilíbrio entre devedores e credores. Eles não são um impedimento para ninguém”, explicou o funcionário boliviano.
Llorenti adiantou que o compromisso do G-77 mais China é continuar discutindo o tema no organismo multilateral. A diplomacia argentina assinalou a este jornal que as autoridade sul-africanas também manifestaram a intenção de incorporar ao seu marco legislativo os nove princípios básicos. Nesse caso, a tramitação do projeto acontecerá apenas em 2016.
Os nove princípios básicos que orientam as reestruturações da dívida soberana restringem o poder de fogo dos fundos abutres, legitimam o direito dos países para reestruturar seus passivos de forma a voltar a crescer sem interromper o pagamento de suas obrigações e garantem que os investidores de boa fé não se vejam afetados pela ação carniceira do sistema financeiro internacional. Os princípios não são vinculantes nem retroativos e não têm consequências legais diretas sobre o caso argentino. No entanto, a incorporação do texto aos marcos jurídicos está contemplada na própria resolução da ONU que convida todos os Estados para “apoiá-los e promovê-los”.
“Apresentaremos um projeto e vamos ser o primeiro país a aprovar uma lei nacional com base nos princípios básicos aprovados pelas Nações Unidas para a reestruturação da dívida soberana”, assinalou o presidente Morales em meados de setembro. O governo argentino tomou a iniciativa, mas a decisão política boliviana se mantém intacta. “Vamos começar o trâmite legislativo para incorporá-lo antes do final de 2015. A resolução aprovada é um ponto de referência inevitável e quando um país eleva a resolução à categoria de lei implica que todas as suas ações estão obrigadas a respeitá-lo”, afirmou Llorenti.
O diplomata boliviano fez, na semana passada, uma rápida visita ao país para receber um reconhecimento da Câmara dos Deputados junto com a representante argentina na ONU, María Cristina Perceval, e o embaixador sul-africano no organismo e atual presidente do G-77 mais China, Kinsgley Mamabolo.
O Ministério das Relações Exteriores disse que, além da Bolívia, outros países da África e da Ásia querem avançar no mesmo caminho tomado pela Argentina. “A resolução dispõe que entre as tarefas do secretário-geral está a de difundir e promover a declaração dos princípios. Uma forma é elevá-los à categoria de lei. Isso dependerá da vontade política e legislativa de cada Estado. Mas, blinda os países contra os abutres”, disse o diplomata boliviano.
“Existe uma vontade no G-77 de continuar a debater o tema. É preciso destacar que a liderança argentina foi muito importante para impulsionar o debate e esperamos que continue nessa linha de trabalho. É uma contribuição para o direito internacional que serve a todos, inclusive os países desenvolvidos. Temos que aproximar os países que se abstiveram de participar e dialogar”, assinalou Llorenti durante uma conversa com o Página/12.
A disputa entre a Argentina e os abutres está subjacente ao debate nas Nações Unidas, mas a problemática vinculada à sustentabilidade das dívidas soberanas é mais ampla. A ausência de um mecanismo aceito globalmente redunda em uma situação de insegurança jurídica e econômica para os Estados; Grécia, Porto Rico, Belize, Espanha, Ucrânia e Portugal são alguns dos países que atravessam situações de tensão em matéria de endividamento e debilidade perante seus credores. Mesmo aqueles países que operaram contra os nove princípios – Estados Unidos e Reino Unido – reconheceram a necessidade de introduzir modificações nas cláusulas contratuais que sejam capazes de prevenir contra a ação carniceira do sistema financeiro.
*Tradução de André Langer, originalmente prublicada no IHU.
Fonte: Brasil de Fato