Por Luis Fernando Prado Chaves
Do Justificando
Recentemente, foi divulgada a última pesquisa anual TIC Domicílio[i], promovida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), que é vinculado ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br). Há 10 anos, a pesquisa TIC Domicílio apura o uso das tecnologias de informação e comunicação entre a população brasileira a partir de 10 anos de idade. Resumindo, a TIC Domicílio é, seguramente, um dos principais indicadores do estágio de inclusão digital no Brasil (isso se não for o mais importante de todos), funcionando como norte para as políticas públicas de inclusão digital no Brasil.
O resultado chama a atenção. Exatamente metade da população brasileira ainda não possui conexão à internet em casa, mesmo observando-se que a pesquisa levou em consideração as habitações em que há qualquer tipo de aparelho móvel com conexão à internet para contabilizar a metade que, em tese, possui internet em sua moradia. Sim, a cada duas pessoas residentes no Brasil, uma não tem internet em casa (e tantas outras nem casa têm, mas isso é objeto de outro debate, ainda mais crucial).
Neste momento, o leitor já deve estar se perguntando se, no seu ciclo de conhecidos, há alguém que não tenha esse serviço em casa, e a resposta, provavelmente, é negativa. A pesquisa também explica o porquê disso: 98% e 82% das residências das classe A e B, respectivamente, possuem conexão à internet. A escandalosa diferença surge quando analisamos os dados das classes C, com 48%, e D/E, com 14%, apenas. Os números não deixam espaços para achismos ou subjetivismos: metade das residências brasileiras não possui qualquer tipo de conexão à internet, mesmo consideradas as redes móveis, sendo que essa proporção cai para 2% quando o parâmetro é somente a classe A, e aumenta para 86% quando observamos as classes D/E.
Quando analisados os dados relativos aos usuários de internet em si, os índices não melhoram muito: 45% (portanto, praticamente metade) da população brasileira não utiliza a internet, nem dentro de casa, nem fora, sendo que este número sobe para 79% quando se trata das classes D/E.
A verdade é que a classe média-alta brasileira está habituada ao uso incessante da internet. Quando fica sem internet, ainda que por alguns minutos, estressa-se e esbraveja. Tenta conectar de todas as maneiras, e, quando consegue, logo reclama nas redes: “sem internet em casa de novo, não acredito” ou “que absurdo esse sinal de 3G/4G que não pega”. De fato, não é crível e é um absurdo ficar sem internet em pleno século XXI, mas essa premissa deveria valer para tod@s, independentemente da classe social.
No Brasil, temos leis para internet, temos tecnologia para internet, temos vários planos e inúmeras opções de pacotes para internet sendo anunciados em todo o território nacional, via televisão (e essa sim, segundo a mesma pesquisa, está em 98% dos lares). Só não temos internet para todos.
Na teoria, o discurso é bonito. Somos vanguarda no cenário legislativo digital mundial, sendo que o Marco Civil da Internet prevê que “o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania” (artigo 7o, caput), e ao usuário é garantida a “não suspensão da conexão à internet” (artigo 7, IV). A questão chave em nosso país, no entanto, ainda não é, tão-somente, tutelar os direitos dos usuários de internet, mas, sim, garantir que existam mais usuários de internet a serem tutelados.
Há de se reconhecer que, com uma simples análise histórica dos dados da pesquisa em comento, a última década mostra uma evolução no número de residências e de usuários conectados à rede mundial de computadores. Mas o fato de ainda termos, aproximadamente, metade dos brasileiros à margem da conexão à internet preocupa e coloca em xeque, por exemplo, a validade das iniciativas de consulta pública online tomadas por órgãos da Administração Pública. Ora, como tratar a internet um meio fundamental de exercício da cidadania (como faz o Estado nos termos da lei) se esta ferramenta tecnológica somente está acessível a metade da população brasileira?
E se no seu país metade das pessoas não tivesse acesso à internet em casa? Sendo esse país o Brasil, o que fazemos para melhorar essa incômoda estatística? Mesmo em tempos de crise e de políticas de austeridade, não devemos nos esquecer de manter a pauta da inclusão digital viva no debate público e político.
Luis Fernando Prado Chaves é advogado especialista em Direito Digital e Eletrônico, pós-graduado em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela FGV DIREITO SP e colaborador do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da FGV DIREITO SP
Fonte: GGN – O Jornal de Todos os Brasis