Iniciada há quase um ano e meio, a operação apresenta resultados inéditos, especialmente no julgamento e na condenação de corruptores ricos e poderosos.

 

Por Hamilton Octavio de Souza especial para Pressenza

Por mais que os críticos digam que o andamento de toda a Operação Lava Jato tenha o objetivo de atingir o Governo Dilma e o PT, que ocorreram eventuais abusos na legalidade das prisões e nos acordos de delação, que as provas dos vários crimes praticados nem sempre são consistentes ou mesmo que tem ocorrido o “vazamento” seletivo de informações para a imprensa, fato é que a denominada Operação Lava Jato, nas suas várias fases e etapas, já pode ser considerada, na história republicana, a mais importante e mais eficiente ação das instituições do Estado para punir operadores privados, altos funcionários públicos, políticos e grandes empresários envolvidos num esquema de corrupção enormemente danoso ao povo brasileiro.

Já se pode dizer, por exemplo, que nunca antes neste país se chegaram a pegar, como agora, agentes corruptores tão poderosos como os executivos e donos das principais empreiteiras brasileiras, entre as quais Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, Mendes Júnior, UTC, Galvão Engenharia e Engevix. Isso sem contar a condenação judicial de ex-altos executivos da Petrobrás favorecidos com fabulosas propinas, e de doleiros utilizados nos esquemas de lavagem do dinheiro obtido em contratos fraudulentos e superfaturados. E sem contar também que o processo pode alcançar ainda alguns dirigentes partidários e parlamentares de várias siglas já citados como beneficiados com o dinheiro desviado da Petrobras.

Enfim, para um país acostumado com escândalos que terminam em “pizza” e que são simplesmente engavetados, abafados ou arquivados nos escaninhos dos órgãos públicos e do Congresso Nacional, a Operação Lava Jato é uma grande novidade, na medida em que algumas prisões preventivas, previstas na lei, foram efetivas e não rapidamente relaxadas; na medida em que o instituto da delação (colaboração) de criminosos confessos trouxe à luz muitos elementos para a validação processual; e na medida em que o Judiciário não se acovardou diante de réus poderosos e aplicou, em tempo recorde e sem delongas, sentenças pertinentes aos crimes praticados.

É claro que a chiadeira dos envolvidos e de seus círculos de relações e de influências (o dinheiro compra muito apoio) tenta o tempo todo invalidar e desqualificar o andamento do processo, o qual, a bem da verdade, não se sabe até onde vai e qual grupo econômico ou político, partido ou personalidade, será o mais atingido. Vale lembrar que a operação começou com a prisão de vários doleiros em março de 2014 (Carlos Habib Chater, Nelma Kodama, Raul Srour e Alberto Youssef), que estavam sendo investigados por lavagem de dinheiro, e de Paulo Roberto Costa, o primeiro ex-diretor da Petrobras envolvido no esquema de corrupção e de organização criminosa. Até então se tratava de mais um caso corriqueiro de crime comum de propina entre empresa privada e funcionários públicos – sem o envolvimento de políticos, partidos e campanhas eleitorais.

Na medida em que a força-tarefa da Polícia Federal e do Ministério Público Federal ampliou as investigações, no Brasil e na Suíça, com a decisiva atuação da Justiça Federal, a operação ganhou uma dimensão sem precedentes, com o envolvimento de várias empresas, inúmeras pessoas e diversas conexões, inclusive com esquemas partidários e de financiamentos eleitorais. Desde então a grande imprensa comercial e conservadora procurou explorar o escândalo para atingir o governo, prejudicar a campanha de reeleição de Dilma Rousseff e desgastar o PT, que é um dos partidos, mas não o único, citado nos autos do processo como destinatário de parte das propinas pagas pelas empreiteiras nas obras superfaturadas da Petrobras.

No entanto, apesar do direcionamento do noticiário da grande imprensa burguesa visar o governo federal e o PT, o saldo concreto da Operação Lava Jato em termos de investigações, prisões, inquéritos, processos judiciais e de condenações, atingiu duramente até agora muito mais os operadores do esquema (doleiros), os corrompidos (altos funcionários da Petrobras) e principalmente os corruptores (empresários e executivos de empreiteiras) do que os personagens da política. Basta ver que no âmbito da Operação Lava Jato, sediada em Curitiba, no Paraná, foram abertas 28 ações penais contra 125 pessoas e mais cinco ações de improbidade contra 13 empresas. Até agora foram condenados e denunciados mais de dez doleiros e seus auxiliares, pelo menos cinco ex-dirigentes da Petrobras e mais de vinte grandes empresários. É claro que ainda falta levar adiante todas as denúncias contra 48 políticos e parlamentares que têm foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal.

APRENDIZADO
O desenrolar da operação indica que muitos policiais, procuradores e juízes aprenderam bastante com as inúmeras tentativas de combate aos esquemas de corrupção realizados desde o fim da Ditadura Militar e que terminaram frustradas pela ação espúria do próprio Judiciário e de deputados e senadores no âmbito do Congresso Nacional. Vale lembrar, entre tantos, os casos das operações Banestado, Castelo de Areia e Satiagraha, todos com o envolvimento de empresários, políticos, doleiros e/ou especialistas na lavagem de dinheiro.

A operação Banestado (2003) identificou milhares de remessas financeiras clandestinas e de contas bancárias no exterior, principalmente nos Estados Unidos, operadas por doleiros para encobrir os crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A relação dos envolvidos incluía grandes empresários, políticos de vários partidos, autoridades e criminosos de vários calibres desde narcotraficantes, contrabandistas e até bicheiros. O caso gerou inúmeros inquéritos e uma CPI mista no Congresso Nacional (2004), que decidiu esconder os documentos enviados por bancos e pela Justiça dos Estados Unidos. Os maiores figurões envolvidos jamais foram punidos.
A Operação Satiagraha (2008) identificou o esquema de sonegação fiscal, evasão de divisas e de lavagem de dinheiro montado pelo Banco Opportunity, o qual contava com 83 empresas de fachada, tinha uma clientela de elite com forte influência nos poderes da República. As disputas internas da Polícia Federal, o desinteresse da grande imprensa, os conchavos entre políticos e a conivência do Judiciário (especialmente do STF) demoliram o escândalo sem que os criminosos tenham sido julgados e condenados.

A operação Castelo de Areia (2009) identificou o esquema de sonegação fiscal, evasão de divisas e de pagamento de propinas a políticos montado pela construtora Camargo Corrêa, na qual alguns diretores criaram e operavam pelo menos três empresas de fachada. Depois da ação da Polícia Federal e da denúncia na imprensa, o caso morreu nos tribunais superiores sem que os empresários e doleiros tenham sido julgados e condenados. A grande imprensa também não se interessou em explorar o escândalo da construtora, uma empresa que sempre financiou os projetos da direita brasileira desde a Ditadura Militar.

Tais casos sinalizaram para a sociedade que dificilmente as instituições da República levariam aos tribunais e colocariam atrás das grades os poderosos empresários e os grandes figurões da política. A descrença da população nas instituições – Polícia, Ministério Público, Judiciário, Parlamento – não é uma fantasia ou uma percepção vazia, mas uma dedução real baseada nos fatos, nos acontecimentos, na verdade histórica. Todas as pesquisas revelam que essa descrença continua forte, está presente ainda hoje na nossa visão do Brasil.

Da mesma forma, os trabalhadores, os militantes sociais e da esquerda brasileira sabem – de longa data – que o Poder Judiciário sempre teve uma postura classista, sempre atuou na defesa das classes dominantes, dos empresários e do capital. Não é de hoje que o direito de propriedade, para a maioria dos juízes e das cortes, está sempre acima das demandas coletivas e dos demais direitos sociais – como o direito ao trabalho, à moradia, à alimentação, à saúde e à educação. A Justiça brasileira, com raríssimas exceções, sempre criminalizou os movimentos sociais populares, os mais pobres e os negros.

A Operação Lava Jato não muda esse quadro nefasto enraizado na estrutura de poder. Ninguém pode dizer que essa operação vai acabar com a corrupção no país e criar mecanismos seguros de proteção dos cofres públicos. Ninguém em sã consciência pode afirmar que a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal são da confiança do povo e merecem integral credibilidade. No entanto, já é possível dizer, pelos resultados concretos apresentados até agora, que a Operação Lava Jato deu um grande salto de qualidade no combate contra a impunidade – em especial nos crimes reiteradamente praticados por ricos e poderosos nas suas relações promíscuas com o Estado e a máquina pública. Uma prova disso é sim a prisão e a condenação de poderosos empresários. A outra prova é o resgate de milhões de reais surrupiados da Petrobras e devolvidos ao patrimônio público.

ESTRATÉGIA
Aparentemente a Operação Lava Jato só conseguiu deslanchar e dar seguidos passos firmes porque adotou tática bem elaborada e planejou ações com muito cuidado, levando em consideração inclusive as falhas e os equívocos das operações passadas que morreram na praia. É de se observar, por exemplo, que a integração entre equipes de investigação e julgamento funciona adequadamente; que a vontade das equipes para enfrentar todas as barreiras tem sido muito forte; que a separação entre o que compete à primeira instância e o que deve ser levado às instâncias superiores garantiu até agora que o processo não fosse melado, apesar de todas as torcidas para que isso aconteça.

Além disso, chama a atenção o fato de que os principais desdobramentos da operação foram montados em absoluto sigilo e só tornados públicos – diligências policiais, prisões e a revelação de documentos obtidos na Suíça – no momento desejado. Até os chamados “vazamentos seletivos” de informações parecem funcionar como elementos de dissimulação e de atração ao mesmo tempo, na medida em que mantêm a grande imprensa conservadora ligada aos acontecimentos, mesmo quando os mais atingidos são seus eternos aliados e protegidos das classes dominantes.

O desenrolar da operação jogou uma cortina de fumaça na luta política entre situação e oposição, na medida em que ambos os campos tiveram membros envolvidos no esquema da Petrobras. Por isso mesmo as reações são as mais desencontradas. Os petistas e governistas passaram a criticar a operação porque acharam que o partido e o governo eram os principais alvos. Outros partidos da base do governo, como o PP e o PMDB, adotaram a postura esperta de dizer publicamente que apoiam a apuração, negam envolvimento e prometem banir eventuais culpados em suas fileiras. As oposições de centro e de direita (PSDB, PPS, PTB, PR, PRB, PSD, DEM) tentam se livrar da carapuça, dizem defender a investigação, mesmo que tenham membros citados nas delações, inquéritos e processos. As oposições de esquerda aparentemente concordam com a investigação, criticam a corrupção típica do sistema, mas adotam postura contida sobre a força-tarefa da Lava Jato, inclusive porque ninguém sabe se essa operação fortalece ou não a atual investida de direita.

As piores posições, no entanto, foram até agora a da presidente Dilma Rousseff, que criticou o instituto da delação (colaboração) premiada, mecanismo de lei sancionada por ela própria; a do ex-presidente Lula, que não diz claramente o que pensa dos desdobramentos da operação, mas nos encontros fechados do PT acirra as bases partidárias contra as investigações e encaminhamentos da força-tarefa; e a do presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, do PMDB, que, após ter sido citado em delação de empresário, passou a atacar ferozmente o governo federal, o Palácio do Planalto, o Ministério Público, a Justiça Federal e a própria lei da delação premiada. Ou seja, até agora Dilma, Lula e Eduardo Cunha foram os que mais deram tiros nos próprios pés.

É claro que a Operação Lava Jato navega num oceano agitado pela crise econômica, que está corroendo rapidamente todo o cacife acumulado nos 12 anos de governos petistas; num momento em a própria presidente e seu partido sofrem forte desgaste político porque fizeram uma campanha eleitoral, em 2014, com discurso mais sintonizado no campo progressista, e antes mesmo da posse já tinham aderido ao programa da austeridade neoliberal, com um ministério majoritariamente conservador; e também porque as demandas da sociedade se avolumam (moradia, reforma agrária, transportes públicos, ensino gratuito, creches, empregos) diante da inércia, a insensibilidade e a incompetência governamental.

Evidentemente a Operação Lava Jato não teria causado maiores desgastes ao governo Dilma se a presidente, desde o início, tivesse mantido uma posição firme em defesa de toda a apuração, do combate inequívoco à corrupção e da luta contra a impunidade, que, no fundo é também uma luta contra as desigualdades existentes na sociedade. Já o presidente Lula, que nos últimos anos andou de mãos dadas com o pessoal da Camargo Corrêa e da Odebrecht, não tem como se desvencilhar agora das relações e amizades cultivadas por interesses recíprocos; por isso mesmo não tem como evitar o desgaste pessoal e nem impedir que esse desgaste atinja duramente o PT. Está pagando o ônus de suas escolhas políticas e de seus negócios particulares.

O baralhamento da situação provocada pela Lava Jato é tão grande que fica difícil dizer que o alvo da operação seja mesmo o governo Dilma e o PT, já que nas investigações policiais e nas denúncias encaminhadas ao STF estão dezenas de políticos de diversos partidos e notórios picaretas como Collor de Mello (PTB), Ciro Nogueira (PP), Edson Lobão (PMDB) e Renan Calheiros (PMDB). Afinal, interessa ou não ao povo brasileiro que tais políticos, juntamente com doleiros, empreiteiros e funcionários públicos corruptos sejam devidamente punidos por seus crimes? Interessa ou não testemunhar que as instituições do Estado – Polícia, Ministério Público e Justiça Federal – conseguem agir de forma republicana e aplicar as leis aos ricos e poderosos? Interessa ou não registrar que a luta contra a impunidade deu alguns passos à frente?

A torcida maior, com certeza, é que a coisa toda não acabe em “pizza”, e muito menos que o combate à corrupção sirva de pretexto para a direita golpear ainda mais as classes trabalhadoras e o povo brasileiro. Cabe às forças progressistas, aos movimentos sociais populares e às organizações de esquerdas se unirem, conquistarem as ruas e, no embate político, assumirem o papel de protagonistas na construção de um novo Brasil – justo e igualitário, livre, democrático e socialista! E evidentemente sem esquemas de corrupção!